Quando um motorista comete uma infração de trânsito, o órgão responsável pela autuação deve enviar duas notificações para o proprietário do veículo. A primeira é a notificação de autuação -o aviso de que ele cometeu uma infração- e a segunda, a notificação de penalidade, a multa propriamente dita.
Porém, alguns motoristas têm reclamado do não recebimento da segunda notificação, a que traz a multa, com o boleto e o prazo estabelecido para o pagamento com desconto de 20%. Especialistas afirmam que cidadãos que não receberem a dupla notificação podem recorrer à Justiça para anular o auto de infração.
O funcionário público, Sergio dos Santos Sebastião, 52, é um dos motoristas que está enfrentando esse problema. Ele conta que recebeu nos últimos meses as primeiras notificações de quatro infrações que cometeu nos últimos dois anos. Até aí tudo certo, uma vez que, devido a deliberações do CONTRAN (Conselho nacional de Trânsito), houve um represamento de notificações durante a pandemia.
"Eu fui notificado por cada uma delas por correio normalmente como a gente sempre é notificado. Inclusive as multas estão no nome do meu pai, que é o proprietário do veículo, mas, logo que recebi as notificações, enviei pelo correio a informação de que eu era o condutor na hora da infração e tudo certinho", conta Sebastião.
O problema é que em maio o funcionário público foi surpreendido por uma carta que apontava que ele estava inadimplente e que teria seu nome enviado ao Cadin (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais) por não ter pago uma multa que venceu no dia 28 de janeiro.
"Eu não paguei porque eles não mandaram o boleto. Fiquei aguardando eles mandarem como sempre fazem. Eu achei que viria porque veio o boleto de uma das quatro multas e eu paguei direitinho. Então imaginei que fosse questão de tempo para chegarem os outros três. Agora eu vou ter até que pagar juros", explica Sebastião.
Indignado, Sebastião procurou o posto do Descomplica na Vila Maria, zona norte da capital paulista, para tentar resolver a situação. No local, a atendente entrou em contato com um funcionário da central da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) que, segundo Sebastião, apenas afirmou que ele deveria ter verificado para saber mais detalhes sobre a multa.
"Ele jogou a responsabilidade em cima de mim. É um absurdo. Porque assim, não teria problema se, por exemplo, eles não fossem mais enviar essa segunda notificação com a multa, mas avisassem a gente disso. Porque o que a gente sabe é que eles vão mandar a multa para pagarmos. Tanto que mandaram de uma delas para mim e eu paguei", diz Sebastião.
A situação vivida por ele acabou despertando um alerta em um colega, o psicólogo, Wilson Carlos Simões de Oliveira, 61.
Oliveira conta que tinha recebido uma primeira notificação de infração da CET e que estava aguardando a chegada da multa para pagá-la, mas que, por causa do caso do amigo, resolveu verificar sua situação.
"Comecei a buscar pelos sites, até que entrei no site do DSV (Departamento de Operação do Sistema Viário) e localizei a minha multa. Para a minha surpresa, estava constando como vencida desde o dia 2 de maio", relata Oliveira.
Agora, o psicólogo também terá que pagar a multa com juros. "Se eles tivessem me mandado, eu poderia pagar até com desconto. É um absurdo eles não mandarem a segunda notificação com a multa, o boleto em si. Se eu não soubesse do caso do Sergio, sabe-se lá quando eu ia descobrir isso".
Procurada pelo Defesa do Cidadão, a CET afirmou apenas que "em consulta ao sistema de Administração de Penalidades Aplicadas a Infrações de Trânsito (APAIT), da Secretaria de Mobilidade e Trânsito, verificou-se que todas as notificações de autuação e penalidade referentes aos veículos" dos leitores citados na reportagem "foram emitidas e encaminhadas aos endereços que constam no cadastro de cada um dos veículos, atendendo ao estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB)".
Segundo Andrea Conde, presidente da Comissão de Trânsito da OAB do Butantã, zona oeste de São Paulo, o órgão que faz a autuação é obrigado a encaminhar para o condutor a dupla notificação para que a pessoa possa exercer seu direito de defesa e recurso de acordo com o processo legal.
"Quando a pessoa recebe a notificação de autuação, ela vai ter direito a fazer indicação de condutor e apresentar uma defesa prévia. Depois da segunda notificação, que é a de imposição de multa, ela tem um prazo de apresentação de recurso para a Jari (Juntas Administrativas de Recursos de Infrações) e, para quem não vai recorrer, há a possibilidade de pagar a multa com desconto. Por todo esse processo que as duas notificações são fundamentais", explica Andrea.
De acordo com a especialista, se o órgão que fez a autuação deixar de encaminhar qualquer das notificações o condutor pode recorrer à justiça.
"Cabe uma ação judicial para anulação desse auto de infração. Se o valor da causa for baixo, o motorista pode procurar o Juizado Especial da Fazenda Pública para acionar o município, o Detran ou o órgão autuador. Nesses casos, não há a necessidade de auxílio de um advogado", afirma Andrea.
Ela ainda explica que o público até pode tentar recorrer às Ouvidorias do órgão responsável, mas que, dificilmente, essa instância conseguirá solucionar o problema.
"Normalmente, não adianta recorrer às ouvidorias dos órgãos porque o que vai acontecer, é que, dificilmente, eles vão conseguir dar o que o condutor quer que é pagar a multa sem juros, com desconto. Eles costumam afirmar que registraram a reclamação, mas que, para eles, consta que a notificação foi enviada e que não poderão fazer nada para ajudar".
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