Membros dos movimentos negros aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) veem o Ministério da Igualdade Racial, pasta prometida em campanha, como um local garantido para um representante. Afirmam, porém, que ministérios com maior orçamento como Economia, Educação e Justiça, por exemplo, também deveriam ser chefiados por negros.
Desacreditam, porém, que os anseios sejam ouvidos devido à falta de poder institucional e político para serem alçados a esses cargos.
A falta de orçamento garantido para a Igualdade Racial no próximo ano e o desmonte da antiga Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) estão entre os principais argumentos. Alocar pessoas negras em pastas estratégicas, segundo líderes, fará com que as ações voltadas ao grupo aconteçam de forma independente.
Enquanto ministérios como Economia têm orçamento de cerca de R$ 27,95 bilhões para 2023 (incluindo as despesas obrigatórias), para garantir verba para uma nova pasta o governo terá que enviar ao Congresso um projeto de lei de crédito adicional.
Caso o Orçamento do próximo ano esteja no limite do teto de gastos, a alternativa é encontrar crédito por meio do remanejamento. A equipe de Lula, porém, também vai propor a PEC da Transição, que visa a autorizar gastos extras.
A socióloga Vilma Reis, mobilizadora da Marcha das Mulheres Negras e filiada ao PT desde 2007, aponta como principais áreas para garantir o desenvolvimento da população negra a segurança pública, o meio ambiente, a contratação de servidores públicos em órgãos estratégicos para o grupo e o fomento às contratações de negros por empresas.
"Essas são questões que para nós são decisivas para mudarmos a situação que está colocada", afirma. "É preciso garantir paridade racial em todos os espaços de poder."
Privar nomes negros de chegar a ministérios com maior orçamento e confiná-los à Igualdade Racial é visto como um erro a ser repetido pela terceira vez em um governo Lula. Representantes do movimento pregam que o presidente eleito honre os votos recebidos da população negra.
Para a advogada Sheila de Carvalho, diretora de incidência política no Instituto de Referência Negra Peregum e integrante da Coalizão Negra por Direitos, seria "uma tragédia" ignorar a interseccionalidade do racismo e condicioná-lo a uma pasta sem orçamento.
A falta de nomes negros sendo ventilados para chefiar os órgãos é um motivo de alerta. "O meu maior receio é fecharmos 30 ministérios no governo com uma foto extremamente masculina e branca, ou só branca", pontua.
Embora exista a expectativa que o governo eleito escute os apelos do movimento, a maior parte das opções cotadas para assumir pastas já existentes são pessoas brancas.
Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que negros citados para assumir ministérios são poucos. Entre eles estão Chico César, na Cultura; Marina Silva, no Meio Ambiente; e Silvio Almeida, na Justiça. Em outras pastas consideradas estratégicas para o grupo, como Economia, Educação e Segurança Pública, não constam representantes.
Martvs das Chagas, membro da área de Igualdade Racial da equipe de transição e secretário nacional de Combate ao Racismo do PT, diz esperar que o governo eleito ouça demandas dos movimentos sociais e acreditar que Lula torne a representatividade uma realidade no terceiro mandato.
"Essa é uma reivindicação histórica, tanto no movimento negro quanto entre aqueles que vão para a gestão pública. Esse entendimento não é de hoje. As pessoas têm a plena certeza de que, se nós não estivermos em postos, e não apenas em um posto, a interdisciplinaridade e a intersetorialidade não vão acontecer", diz.
Para o ativista e fundador da ONG Educafro frei David dos Santos, se a comunidade estiver bem representada em todas as pastas, o ministério dedicado à população negra é dispensável.
"Nós não aceitaremos ficar em um gueto chamado Seppir. O lugar de negros é em todos os ministérios", diz. O frei defende que nomes devem ser considerados não apenas para o comando das pastas, mas também para empresas públicas como a Petrobras.
A falta de participação política é vista como outro desafio. Estudo mostrou que um branco tem o dobro de chance de se eleger deputado em relação a um candidato negro. O financiamento também representa um gargalo para o grupo. Por isso, a disputa se dá também em garantir a presença de representantes em cargos ministeriais de relevância, mesmo que não alcancem o topo hierárquico.
A expectativa é que o novo governo promova a participação negra em todas as esferas. Mas a presença na equipe de transição preocupa.
Apesar de também aparecerem em outras áreas, até agora os nomes negros estão concentrados em núcleos como igualdade racial e mulheres, com líderes como o historiador Douglas Belchior, cofundador da Coalizão Negra por Direitos; Nilma Lino Gomes, ex-ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos no governo Dilma; Iêda Leal, do MNU (Movimento Negro Unificado); a ativista Preta Ferreira; e a professora e jornalista Anielle Franco.
A advogada Sheila de Carvalho afirma que uma baixa incidência de negros na equipe de transição indica participação tímida do grupo e de suas pautas nos próximos quatro anos de governo. "E, apesar da construção do debate racial na sociedade brasileira, da necessidade de ser apontado o enfrentamento ao racismo, a gente está vendo que está sendo repetida uma receita de 20 anos atrás", critica.
A participação política se tornou prioridade do movimento na transição, dizem porta-vozes da causa.
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