O Ministério Público do Rio de Janeiro afirma ter indícios de que o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e sua mulher, Fernanda, pagaram em dinheiro vivo de forma ilegal R$ 638,4 mil na compra de dois imóveis em Copacabana (zona sul).
Para os promotores, o uso de recursos em espécie tinha como objetivo lavar o dinheiro obtido por meio da "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), que consiste em coagir servidores a devolver parte do salário para os deputados.
A informação sobre os imóveis consta do pedido de busca e apreensão de 111 páginas feito pelo MP-RJ à Justiça fluminense, autorizado e cumprido em operação nesta quarta-feira (18).
A suspeita dos promotores decorre do fato de Glenn Dillard, responsável por vender os imóveis a Flávio e Fernanda, ter depositado ao mesmo tempo em sua conta os cheques entregues pelo casal e a quantia em dinheiro vivo.
No dia 27 de novembro de 2012, Flávio e a mulher compraram dois imóveis em Copacabana. A escritura aponta o valor da operação como sendo de R$ 310 mil.
O pagamento ocorreu em duas etapas. Primeiro, foi feito um sinal de R$ 100 mil pago em cheques no dia 6 de novembro. Dois cheques (que somam R$ 210 mil) foram entregues na data da assinatura da escritura.
O MP-RJ afirma que, no mesmo dia da concretização do negócio, Dillard esteve no banco HSBC, onde tinha conta, para depositar os valores. A agência usada fica a 450 metros do cartório onde foi assinada a escritura, que, por sua vez, fica a 50 metros da Assembleia Legislativa do Rio.
O norte-americano, segundo a investigação, depositou ao mesmo tempo os cheques e R$ 638.400 em dinheiro vivo. A Promotoria afirma que Dillard não realizou outra transação imobiliária no segundo semestre de 2012, que poderia ser uma origem para o depósito diversa do dinheiro da transação do senador.
Ao mesmo tempo, os promotores escrevem na petição que Flávio e Fernanda também não haviam vendido nenhum imóvel naquele ano e não tinham disponibilidade financeira para a operação. Isso indica, para os investigadores, que a única origem possível para os recursos em espécie é o recolhimento de dinheiro feito junto a ex-assessores.
Como revelou a Folha, Flávio Bolsonaro vendeu os imóveis pouco mais de um ano depois, tendo declarado um lucro de R$ 813 mil. Pelas contas do Ministério Público, o rendimento real foi de R$ 176,6 mil.
O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária.
Para o MP-RJ, os R$ 638,4 mil passaram a ter aparência legal após a revenda feita por Flávio ser declarada à Receita Federal.
A operação desta quarta-feira ocorreu após quase dois anos do início das investigações contra Fabrício Queiroz, policial militar aposentado que era assessor de Flávio e cujas movimentações financeiras atípicas estenderam as suspeitas ao filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
Agentes do Ministério Público cumpriram 24 mandados de busca e apreensão ligados à apuração sobre a prática de "rachadinha". Estão sendo investigados crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
O Ministério Público aponta suspeitas sobre mais um policial militar, uma loja de chocolate e imóveis do senador Flávio como meios para lavagem de dinheiro da suposta "rachadinha" no gabinete dele na Assembleia Legislativa de 2007 a 2018.
A apuração sobre Flávio começou em janeiro de 2018. O antigo Coaf enviou espontaneamente na época um relatório indicando movimentação financeira atípica de Queiroz de R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia do Rio.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
O advogado do senador, Frederick Wassef, afirmou que recebeu a informação sobre a operação "com tranquilidade". O senador não comentou a suspeita específica sobre a transação.
Em janeiro, o senador disse à Folha de S.Paulo que o negócio foi fechado "de forma legal entre as partes, numa negociação normal, como qualquer outra compra e venda de imóvel".
"Todos sabem do boom imobiliário pelo qual passou o Rio de Janeiro à época, razão pela qual as quitinetes foram vendidas por valores superiores", disse Flávio.
O Rio de Janeiro viveu desde 2008 um forte aumento de preço nos imóveis. De acordo com dados do Secovi, contudo, a média de valorização não triplicou o preço dos apartamentos de 2012 a 2014, como no caso do senador eleito.
Segundo Flávio, os dois imóveis são quitinetes de 29 metros quadrados. As tabelas do Secovi apontam que unidades de um quarto em Copacabana tiveram valorização de até 70% no período -não há dados para conjugados.
Há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu.
Ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar.
Há erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados.
Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo.
Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida.
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