O Ministério Público do Rio de Janeiro apontou suspeitas sobre mais um policial militar, uma loja de chocolate e imóveis do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) como meios para lavagem de dinheiro da suposta prática de "rachadinha", também conhecida como "rachid", no gabinete dele na Assembleia Legislativa entre 2007 e 2018.
Os indícios constam dos pedidos de busca e apreensão feitos ao juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, cumpridos nesta quarta-feira (18) em operação da Promotoria do Rio. Eles foram revelados pela revista Crusoé e confirmados pela reportagem da Folha.
Agentes da Promotoria cumpriram 24 mandados de busca e apreensão ligados à apuração sobre a prática de "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio, que consiste em coagir servidores a devolver parte do salário para os deputados. Estão sendo investigados crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
Um dos alvos da operação foi a franquia da Kopenhagen do senador, localizada no Shopping Via Parque, na Barra da Tijuca (zona oeste do Rio).
Filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, Flávio é dono de 50% da franquia desde janeiro de 2015.
A firma é citada num relatório do Coaf (órgão federal de inteligência financeira) que descreve oito transferências que somam R$ 120 mil dela ao senador entre agosto de 2017 e janeiro de 2018. A empresa também foi alvo de quebra de sigilo bancário e fiscal pela Justiça em abril.
De acordo com a Crusoé, o Ministério Público identificou que o policial militar Diego Sodré e sua empresa, Santa Clara Serviços, realizaram depósitos bancários para a conta da Kopenhagen de Flávio entre 2015 e 2018.
A Santa Clara e Sodré foram alvos de uma investigação da Corregedoria da PM sob suspeita de oferecer serviço de segurança privada ilegal em Copacabana, zona sul do Rio.
A relação de Sodré com Flávio também se estende à aquisição de imóveis. A revista afirma que a Promotoria apontou que o policial pagou uma das prestações de R$ 16.564,81 para aquisição de uma cobertura em Laranjeiras. O boleto estava em nome da mulher do senador, Fernanda Bolsonaro, também proprietária do imóvel.
A lavagem de dinheiro por meio de imóveis já era alvo do Ministério Público desde o início do ano, quando o Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) desarquivou em março um procedimento que apurava a lavagem de dinheiro por meio de operações imobiliárias.
Ele tinha como base reportagem do jornal Folha de S.Paulo de janeiro de 2018 que apontava 19 transações imobiliárias realizadas por Flávio entre 2007 e 2017. As consideradas mais suspeita pelo Ministério Público referem-se à compra e venda de dois apartamentos em Copacabana, no qual o senador conseguiu lucro de 260% do investimento inicial num período de um ano.
A Promotoria acredita que a fonte dos recursos para a lavagem de dinheiro é a devolução de parte do salário de servidores.
A apuração sobre Flávio começou em janeiro de 2018 quando o antigo Coaf, órgão federal hoje rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira) e ligado ao Banco Central, enviou espontaneamente um relatório indicando movimentação financeira atípica de Queiroz de R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia Legislativa do Rio.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
Após a quebra de sigilo bancário do ex-assessor, o Ministério Público identificou, segundo a revista, que ele recebeu R$ 2 milhões de outros 13 assessores de Flávio entre 2007 e 2018 --metade de sua filha e mulher, que também eram funcionárias do senador na Assembleia do Rio.
Também depositaram na conta de Queiroz a mulher e a mãe do ex-capitão Adriano da Nóbrega, foragido sob acusação de comandar uma milícia na zona oeste. As ex-assessoras de Flávio depositaram R$ 203 mil, segundo relata a Crusoé.
Outros alvos da operação foram parentes da ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, Ana Cristina Valle. O relatório da Promotoria aponta, diz a revista, que dez pessoas ligadas a ela e já nomeadas no gabinete de Flávio sacaram R$ 4 milhões de suas contas bancárias entre 2007 e 2018, o que representa 83% da remuneração que receberam da Alerj no período.
As buscas e apreensões ocorreram após quase dois anos do início das investigações contra o PM aposentado. A Promotoria fluminense recebeu em janeiro de 2018 relatório do Coaf apontando movimentações atípicas de Queiroz.
Em 2019, após pedido de Flávio, as apurações foram suspensas a partir de julho por liminar (decisão provisória) do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, mas, após decisão do plenário, acabaram retomadas neste mês.
O MPRJ solicitou as buscas no dia 5, um dia após o STF fixar os parâmetros para o uso de dados sigilosos compartilhados pelo Coaf. Itabaiana autorizou a operação na segunda-feira (16).
A defesa de Flávio considerou a busca na loja do senador uma "invasão".
"Até o momento, a defesa não teve acesso a medida cautelar que autorizou as investigações e, apenas após ter acesso a esses documentos, será possível se manifestar. Confirmo que a empresa do meu cliente foi invadida, mas garanto que não irão encontrar nada que o comprometa", afirmou, em nota, o advogado Frederick Wassef.
A defesa da família de Queiroz afirmou que recebe a ação "com tranquilidade e, ao mesmo tempo surpresa, pois é absolutamente desnecessária".
"Ele sempre colaborou com as investigações, já tendo, inclusive, apresentado todos os esclarecimentos a respeito dos fatos", disse o advogado Paulo Klein.
"Ademais, surpreende que o mesmo MP reconhecendo que o juízo de primeira instância seria incompetente para processar e julgar qualquer pedido relacionado ao ex-deputado o tenha feito e obtido a referida decisão", disse o advogado.
Ele se refere ao posicionamento da procuradora Soraya Gaya, que atua na 2ª Câmara Criminal, que foi favorável à concessão de foro especial ao senador em habeas corpus protocolado por Flávio. A defesa desistiu depois do pedido.
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