O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília denunciou nesta terça-feira (21) sete pessoas sob acusação de envolvimento no hackeamento de contas de Telegram de autoridades como o ministro Sergio Moro (Justiça) e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba.
Entre os denunciados está o jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, que recebeu os diálogos da Lava Jato e os publicou por meio de uma série de reportagens, algumas delas em parceria com outros veículos.
Glenn não foi investigado nem indiciado pela Polícia Federal, mas o procurador Wellington Oliveira entendeu que ficou demonstrado, em um áudio encontrado em um computador apreendido, que o jornalista orientou o grupo de hackers a apagar mensagens.
Isso, segundo o procurador, caracterizou "clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos".
De acordo com o Ministério Público, Glenn não foi investigado pela PF em respeito a uma decisão cautelar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
O Ministério Público informou que vai enviar cópia da denúncia à Procuradoria-Geral da República (PGR) para subsidiar eventual pedido de revogação da decisão que impede a realização de investigações sobre a atuação de Glenn no caso.
Os outros denunciados são Walter Delgatti Netto e Thiago Eliezer Martins Santos, que, segundo a acusação, atuavam como líderes do grupo; Danilo Cristiano Marques, suposto "testa-de-ferro" de Delgatti; Gustavo Henrique Elias Santos, que teria desenvolvido técnicas que permitiram a invasão do Telegram; a mulher dele, Suelen Oliveira, acusada de agir como laranja em fraudes; e Luiz Molição, que teria sido porta-voz do grupo nas conversas com Glenn.
Os crimes imputados são os de organização criminosa, lavagem de dinheiro (exceto em relação a Glenn) e interceptações telefônicas ilegais. A reportagem ainda não conseguiu ouvir as defesas dos acusados.
As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.
Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.
Em resumo, no contato com os procuradores, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.
Nas mensagens, Moro ainda sugeriu recusar a delação do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) e se posicionou contra investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas. Isso inclui o processo contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, que levou o petistas à prisão em 2018, está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado neste ano.
Segundo o Código de Processo Penal, "o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes" se "tiver aconselhado qualquer das partes". Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.
Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial? é aquele que mantém ?ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".
No caso de Deltan, as mensagens trocadas pelo Telegram indicam que o procurador incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar os ministros do STF Dias Toffoli e Gilmar Mendes sigilosamente.
A legislação brasileira não permite que procuradores de primeira instância, como é o caso dos integrantes da força-tarefa, façam apurações sobre ministros de tribunais superiores.
Moro e Deltan têm repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades. Nesta segunda-feira (20), em entrevista no programa Roda Viva, Moro disse considerar uma "bobageirada" a publicação de reportagens sobre conversas suas com procuradores.
"Sinceramente nunca dei muita importância para isso. Acho que ali tem um monte de bobageirada, nunca entendi muito bem a importância [dada] para aquilo. Agora, foi usado politicamente para tentar, vamos dizer assim, soltar criminosos presos, pessoas que tinham sido condenadas por corrupção e, principalmente, tentar enfraquecer politicamente o Ministério da Justiça."
O teor das mensagens de Telegram obtidas pelo site The Intercept Brasil não é, até o momento, objeto de investigação de órgãos oficiais.
Em julho do ano passado, a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de envolvimento no hackeamento das contas de Telegram de autoridades como os procuradores da Lava Jato e o ministro Moro.
Um dos presos, Walter Delgatti Neto afirmou à PF que foi o responsável por entrar no aplicativo dos procuradores, capturar as mensagens e repassá-las a Glenn. Delgatti disse que agiu por conta própria e não recebeu dinheiro.
O inquérito da PF não analisa o conteúdo das mensagens da Lava Jato, que foram apreendidas com o suspeito. A investigação foca apenas nas circunstâncias da invasão, para tentar descobrir, por exemplo, se outras pessoas participaram do crime.
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