O MPF (Ministério Público Federal) providenciou o download de vídeos em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, defendem o que chamam de tratamento precoce, com prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina a pacientes com Covid-19.
Os medicamentos não têm eficácia comprovada para a doença. O temor do MPF é que os vídeos possam ser apagados e provas, destruídas.
As reiteradas declarações de Bolsonaro e Pazuello serão usadas como provas em procedimento aberto para investigar improbidade administrativa no uso de dinheiro público para distribuir, massivamente, cloroquina aos estados brasileiros.
Pazuello é investigado no procedimento, instaurado no dia 22 de janeiro pela Procuradoria da República no DF. O processo pode ser convertido num inquérito civil público ou já resultar numa ação de improbidade administrativa.
A Folha questionou o Ministério da Saúde sobre o procedimento aberto pelo MPF. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.
A expectativa de procuradores é que, diante da evidência do que vem ocorrendo, uma ação pode ser protocolada na Justiça Federal antes da conversão em inquérito, a partir da reunião de provas sobre as ações do Ministério da Saúde para garantir a distribuição de cloroquina a pacientes com Covid-19.
Outro foco da investigação é a omissão de Pazuello no fornecimento de oxigênio aos hospitais do Amazonas, depois de sucessivos alertas sobre a iminência do colapso das unidades de saúde.
Esse fato também é investigado em um procedimento na esfera cível aberto pela Procuradoria da República no Amazonas.
Na esfera criminal, o general da ativa é formalmente investigado pela PF (Polícia Federal) e pela PGR (Procuradoria-Geral da República), em inquérito aberto por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal). A investigação se concentra nas omissões do ministro no Amazonas.
No TCU (Tribunal de Contas da União), processos apuram gastos públicos com a cloroquina e cobraram uma explicação de Pazuello.
Uma auditoria apontou ilegalidade no uso de recursos do SUS para indicar um medicamento sem eficácia para a Covid-19, como a Folha mostrou no dia 26 de janeiro.
Depois do ensaio de diferentes frentes de investigação sobre a distribuição de cloroquina, Pazuello passou a tentar um recuo em suas posições.
Numa entrevista coletiva no Palácio do Planalto no dia 18 de janeiro, o ministro disse que não recomendava "tratamento precoce", mas "atendimento precoce".
O MPF passou a temer que esses recuos pudessem ocorrer no nível das provas produzidas pelo próprio ministro e pelo presidente da República. Por isso, providenciou o download de vídeos com declarações das duas autoridades.
Um dos vídeos é de uma entrevista de Pazuello em julho, no Rio Grande do Sul, em que ele citou a existência de uma orientação clara da pasta para o tratamento precoce. O ministro citou a hidroxicloroquina como uma possibilidade, se o médico assim decidir.
Outro vídeo é de um discurso de Bolsonaro em agosto, no Palácio do Planalto, num encontro chamado "Brasil vencendo a Covid-19".
"É uma missão difícil e então o Pazuello continuou e resolveu mudar. Não foi protocolo, foi orientação. O Pazuello resolveu mudar a orientação e botou ali então, em qualquer situação, aplicar-se a, ou melhor, receitar-se a hidroxicloroquina, de modo que a possibilidade de receitar a hidroxicloroquina, que o médico pudesse ter a sua liberdade", afirmou Bolsonaro.
O MPF preservou ainda vídeos da posse de Pazuello no cargo efetivo de ministro da Saúde, em setembro, quando o general defendeu, dentro do Planalto, o chamado "kit Covid", que inclui a cloroquina.
Outras provas são duas lives de Bolsonaro em janeiro, com a presença de Pazuello, em que eles defendem o tratamento precoce. Nas lives, o presidente fez uma defesa explícita da cloroquina.
A investigação do MPF se concentra na conduta do ministro da Saúde. Eventual improbidade do presidente é de responsabilidade do procurador-geral da República, Augusto Aras, segundo entendimento de procuradores que cuidam das investigações.
Se Aras entender que o presidente tem responsabilidade administrativa pela distribuição da cloroquina, poderá representar ao Congresso Nacional para a abertura de um processo específico, inclusive com apuração sobre crime de responsabilidade, na visão de integrantes do MPF.
O procedimento na Procuradoria da República no DF aponta que outros fatores além da cloroquina, como a falta de testes, de vacinas e de um posicionamento claro sobre a importância da vacinação, podem configurar "uma suposta estratégia ilegal e/ou inadequada de combate à pandemia pelo ministério, que apresentam relevância no contexto de aumento de óbitos".
"Todos esses fatos, somados, podem configurar um contexto de responsabilização administrativa do chefe da pasta da saúde, cujas supostas omissões estariam colaborando para o aumento do número de óbitos por Covid-19 ou, talvez, a não redução desse índice na velocidade que se deveria esperar", afirmou a procuradora Luciana Loureiro ao instaurar o procedimento, no último dia 22.
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