"Envio esta carta como quem lança uma garrafa ao mar". Há 10 anos, o arquiteto suíço Raymond Widmer, 84, resolveu encontrar uma namorada da adolescência. "Ele buscou meu nome na embaixada brasileira na Suíça, encontrou o endereço da minha clínica em uma lista telefônica e me escreveu sem saber onde essa ideia ia dar", diz a terapeuta Mary Porto, 83, que hoje vive em São Paulo, com Raymond.
Mary e Raymond se conheceram em 1958, em Lausanne, na Suíça, onde ela estudou artes e ele, arquitetura. Depois de um semestre, a carioca precisou voltar para o Rio de Janeiro e terminou o namoro por correspondência. "Ele ficou ofendidíssimo, mas a distância era difícil. Muitas das minhas cartas sequer chegaram lá".
Ela se casou três vezes, teve filhos e netos, mas nunca se esqueceu do arquiteto. Ele, depois de anos no matrimônio, ficou viúvo. Ao mexer em caixas antigas e encontrar uma foto da ex-namorada, decidiu procurá-la.
Ao ler a carta de Raymond, Mary o contatou por e-mail, marcou uma chamada de vídeo, foi até a Suíça, e voltou noiva. O casal conta detalhes do reencontro no livro "A Carta Amarela" (2021), além de compartilhar o dia a dia em um perfil do Instagram com o mesmo nome da obra. "Conversamos muito e temos um universo só nosso", diz a terapeuta.
Junto desde 2013, o casal quer mostrar que não há limite de idade para viver uma história de amor - sobretudo diante do aumento da expectativa de vida no Brasil. Segundo o Censo de 2022, a população com mais de 65 anos cresceu 57% no país durante a última década, e a projeção é que o envelhecimento populacional aumente ainda mais.
Casais na terceira idade dizem que se tornaram mais seletivos, ao passo que estão mais dispostos a se dedicarem à procura para fazer acontecer. As neuras com o corpo são deixadas de lado, dando abertura para uma nova relação consigo mesmo e com o outro.
Mary aconselha quem quer encontrar um amor na terceira idade a estar sempre em movimento. "Se for vegana, vá a restaurantes veganos, e repare se não tem alguém charmoso do seu lado no bufê. Você nunca sabe o que a vida vai te aprontar."
A psicóloga e escritora Alessandra Augusto assina embaixo. Fazer o que você gosta e frequentar ambientes que te dão prazer facilita encontros por afinidade e conexões reais.
A receita funcionou para a empresária Silmara Ana Brenny, 63. Além de gerir uma loja de cortinas, frequenta academia e ama sair para dançar. Foi nessa rotina dinâmica que conheceu o atual namorado.
Há sete anos, a curitibana, então divorciada, estava com a amiga em um jantar dançante quando encontrou o advogado Clécio Menine, 71, que fazia academia no mesmo lugar que ela. "Ele se lembrou de mim e veio até nossa mesa conversar. Dias depois, pediu meu telefone à nossa instrutora. Ela me perguntou se podia passar, e eu disse que sim. Ele pareceu gente boa", diz ela.
Depois de muitos cafés e encontros entre amigos, oficializaram o namoro. Por enquanto, não pretendem se casar, pois acham que dessa forma conseguem manter um relacionamento mais leve e preservar o espaço de cada um.
Silmara atribui parte do sucesso da união à maturidade que os dois adquiriram ao longo da vida. Lições como não se anular em prol de outra pessoa, dividir compromissos financeiros de modo justo, e deixar de lado a autocrítica excessiva com relação ao próprio corpo contribuem com a construção do laço sólido do casal. "Hoje a gente sabe melhor o que quer e o que não quer", argumenta.
O psicólogo Stélios Sant'Anna Sdoukos, membro da The School of Life Brasil, explica que esse posicionamento "seletivo" se torna mais comum conforme o tempo passa, porque as pessoas vão ficando menos dispostas a se envolverem ou aceitarem se relacionar a qualquer preço.
Nesse sentido, redes sociais e aplicativos de relacionamento ajudam a "filtrar" um par com base em interesses afins, embora seja preciso redobrar a atenção para não cair em golpes, nem se expor a riscos. Foi assim que Sonia Suely da Silva Malheiro, 65, conheceu Otacílio Diamante, 64, seu atual marido.
Ambos eram viúvos e se cadastraram no aplicativo Coroa Metade, com mais de 2 mil usuários acima dos 60 anos, segundo o criador da plataforma, Airton Gontow. O primeiro encontro aconteceu quando Otacílio, que morava em Sumaré, no interior de São Paulo, a visitou de surpresa, em Pindamonhangaba, após dirigir por três horas e meia.
"Ele sempre dizia que viria à minha casa. E não é que, em um fim de semana, apareceu mesmo?", diz a auxiliar de sala aposentada. Seis meses depois, se casaram e vivem hoje na cidade do comerciante. "Sofremos muito na vida. O que mais queremos agora é viver em paz na companhia um do outro."
A psicóloga Michele Silveira, especialista em saúde mental feminina e terceira idade, diz que alcançar esse equilíbrio passa por adaptar expectativas a diferentes fases da vida. Cada etapa tem sua beleza, desafios e particularidades que devem ser respeitadas.
Quem confirma isso é a influenciadora Gilda Zammataro Bandeira de Mello, 81, do Instagram Avós da Razão, com mais de 300 mil seguidores. Para ela, as transformações do corpo, por exemplo, não podem ser empecilhos para deixar de se relacionar. "Nossos encantos são outros, como a sapiência, e precisamos manter a arte da sedução", diz.
"Existe uma diferença grande entre o moço e o velho com relação a tudo", acrescenta Sonia Verá de Arruda Massara Mourão Bonetti, 85, também dona do perfil. Mas, na visão dela, o segredo está em amar o outro para além dos padrões estéticos que a sociedade atual determina sob um viés etarista. Valorizar a amizade de quem está ao seu lado é um bom começo.
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