Conteúdo investigado: Tuítes, um texto de um site e uma entrevista publicada no YouTube afirmam que o militante bolsonarista Oswaldo Eustáquio teve acesso a um documento “secreto” da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) reconhecendo que houve problemas na apuração das eleições de 2018 e que Bolsonaro teria sido eleito no primeiro turno.
Onde foi publicado: Twitter, em site e canal de YouTube.
Conclusão do Comprova: São enganosos tuítes de Oswaldo Eustáquio, textos de sua autoria e entrevista conduzida por ele e publicada no YouTube sobre um documento da Procuradoria-Geral Eleitoral relacionado a uma denúncia de fraude na eleição de 2018, quando Jair Bolsonaro (então no PSL e hoje no PL) venceu a eleição presidencial no segundo turno.
Em um dos tuítes, ele afirma que documentos ajuizados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “revelam” que Bolsonaro teria vencido no primeiro turno com 50,69% dos votos e que a ação foi arquivada sem o julgamento do mérito, mas que a Procuradoria admitiu que houve falha na divulgação dos dados da apuração. O post leva para o link de um texto intitulado “Documento revela que Bolsonaro venceu as eleições de 2018 no primeiro turno; Ação foi rejeitada pelo TSE”, sugerindo que houve falha na apuração, o que não é verdade. Ao analisar o documento, que, de fato, foi ajuizado no TSE ainda em 2018, a PGE refutou as irregularidades apontadas e pediu o arquivamento da denúncia.
Outro tuíte, em que Eustáquio fala em um “documento secreto”, foi republicado no texto “Procuradoria-Geral Eleitoral reconhece problemas na apuração das eleições 2018” no site Hora Brasília. O documento “secreto” a que o conteúdo se refere é o mesmo parecer da PGE pelo arquivamento de denúncia de fraude – que está disponível no site do MPF de forma pública.
Diferentemente do que Eustáquio afirma, a Procuradoria admitiu “falha na distribuição dos dados” para veículos de comunicação, o que não significou erro na apuração dos votos.
Como mostram alguns comentários sobre o post do blogueiro, usuários do Twitter entenderam que ele estava relatando uma fraude no processo eleitoral. “Sempre desconfiamos disso! #BolsonaroNoPrimeiroTurno #EuSouBolsonaro22 #TSEMentiroso #TSEGolpista #STFOrganizacaoCriminosa #EsquerdaCriminosa #PTePCCjuntos”, escreve um. Outra pessoa compartilhou o post com o texto “Crime eleitoral???”. Houve também quem afirmou “Foi no primeiro turno, sim!”.
A falha em questão se refere a problemas com a empresa de TI contratada pelo TSE e que atuou no primeiro turno das eleições de 2018, como mostra o documento. Essa empresa foi a responsável por repassar os dados de apuração para a imprensa. Os servidores da empresa não suportaram o grande volume de acessos, o que impediu o acompanhamento da evolução dos resultados dos votos registrados em alguns estados nos sistemas oficiais do TSE. Essa falha momentânea, contudo, não teve qualquer impacto com o resultado da apuração.
Diante da viralização das publicações de Eustáquio, a Procuradoria-Geral da República divulgou um texto no dia 25 de julho afirmando que “a informação é falsa e foi tratada de forma descontextualizada”.
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 26 de julho, a publicação aqui verificada tinha 14,6 mil curtidas, 209 comentários e 4.624 compartilhamentos no Twitter. Desde o dia 27 a publicação está com a marcação “enganosa” feita pelo próprio Twitter, o que também impede a visualização do atual número de interações com o post. Já o vídeo no YouTube em que Eustáquio faz as afirmações sobre a apuração dos votos de 2018 somava, até o dia 28 de julho, 45.768 visualizações.
O que diz o autor da publicação: O perfil do Twitter que publicou os posts verificados é descrito como “apoio – Perfil Oficial – censurado, preso três vezes por denunciar a trama de um golpe contra Bolsonaro. Perfil principal @oswaldojor bloqueado pelo STF”. Procurado pelo Comprova, Oswaldo Eustáquio afirmou ser o autor dos tuítes e também dos textos do site Hora Brasília aqui verificados – eles não estão assinados. À reportagem, ele afirmou que se baseou em “documento oficial da Procuradoria Eleitoral, que admite a falha da divulgação dos votos”. O site Hora Brasília também foi procurado por e-mail, mas não houve retorno.
Como verificamos: O primeiro passo foi ler o documento emitido pela Procuradoria-Geral Eleitoral que está anexado no texto do site aqui verificado. Nele, estão escritas as explicações sobre as investigações do TSE e o porquê da denúncia ter sido arquivada.
A assessoria de imprensa do Ministério Público Federal também foi procurada para verificar a veracidade do documento e em que contexto ele foi expedido. Além disso, procuramos o ofício citado no documento no site do TSE.
Por fim, o Comprova entrou em contato com o e-mail do site Hora Brasília, disponível na página do site no Facebook e, por telefone e mensagem no WhatsApp, falou com Oswaldo Eustáquio.
Em um dos tuítes verificados aqui, Oswaldo Eustáquio afirma ter tido acesso a um “documento secreto” que “revela que a Procuradoria-Geral Eleitoral reconhece que houve problemas na apuração das eleições de 2018 e pediu o arquivamento do processo que mostrou que matematicamente Bolsonaro teve no mínimo 50,69% dos votos no primeiro turno”. O tuíte é citado em um texto do site Hora Brasília que, ao ser contatado pelo Comprova, Eustáquio disse ser o autor. A matéria do Hora Brasília, por sua vez, leva a um vídeo publicado no canal OE Play, no YouTube, no qual Eustáquio entrevista uma das pessoas que assinou a denúncia arquivada pela PGE.
O documento a que o blogueiro se refere é o pedido de arquivamento de uma denúncia, apresentada pelo advogado Ricardo Freire Vasconcellos e o engenheiro Vicente Paulo de Lima em outubro de 2018. Nela, a dupla aponta que houve erros na contabilização dos votos no primeiro turno da eleição presidencial daquele ano. De acordo com os denunciantes, que se basearam na transmissão da apuração eleitoral do canal de televisão GloboNews, caso não houvesse falha na contagem, Bolsonaro teria sido eleito no primeiro turno.
O parecer que arquiva a denúncia não fala em “problemas na apuração”. De acordo com o texto, houve problema na distribuição dos dados para a imprensa, não na apuração, que é a contagem de votos. “A divulgação da evolução dos resultados não tem qualquer impacto no resultado final”, afirma o texto da PGE.
Além de explicar sobre a segurança do processo eleitoral, a PGE reproduz, no pedido de arquivamento, a resposta do TSE e afirma que “as manifestações das unidades técnicas que subsidiaram a resposta do tribunal ao manifestante foram detalhadas e rebateram todos os pontos argumentados pelo manifestante”. Como conclusão, o órgão afirma que não prosseguirá com a denúncia por falta de “identificação de irregularidade no caso”.
Em ofício de 27 de janeiro de 2020, citado pela PGE e cuja veracidade pode ser consultada em ferramenta de busca no site do TSE por meio do código “1239545”, o tribunal atestou que apurou a denúncia de Vasconcelos e Lima, e a refutou. “Os fatos relatados foram objeto de análise pela Secretaria de Tecnologia da Informação deste Tribunal e rechaçados”, introduz o ofício.
Nele, o TSE discorreu sobre cada um dos três pontos principais da denúncia avaliada, sendo eles a totalização e divulgação de resultados; a substituição de empresa contratada para divulgação dos resultados, e a possível exoneração do diretor-geral do TSE.
O tribunal explica, no primeiro ponto chamado “Totalização e divulgação de resultados”, que a impressão física do boletim de cada urna já garante que o processo eleitoral é auditável. “Qualquer possível ou eventual fraude no procedimento de totalização seria facilmente detectável pela conferência do boletim de urna impresso com o boletim de urna divulgado pelo TSE”, desenvolve no ofício. Cada urna imprime de 5 a 10 cópias de seu respectivo boletim. Qualquer pessoa pode conferir a impressão física dos boletins de qualquer urna, assim como pode fotografá-los. Em seu site, o tribunal disponibiliza mais informações sobre os boletins de urna impressos e a sua fiscalização.
Como os boletins de urna impressos, assim como aqueles divulgados virtualmente pelo TSE, materializam o resultado das votações, o processo de divulgação dos resultados “não tem qualquer impacto” sobre o desfecho das eleições. A irregularidade nesse processo de divulgação do resultado, que embasa a denúncia de Vasconcelos e Lima, se dá por diversos motivos, nenhum dos quais afeta o desfecho da eleição. Um exemplo citado pelo TSE é a geografia: unidades da federação menores, em termos de demografia, e bem urbanizadas têm maior facilidade para contabilizar os votos e divulgar o resultado.
Quanto ao segundo ponto, “Substituição de empresa contratada para divulgação dos resultados”, o TSE afirma que opta por contratar empresas de TI apenas para o dia de eleição, “a fim de suportar o enorme volume de acessos” aos resultados do pleito. A empresa contratada apenas recebe dados enviados pelo TSE, com base no boletim de urna virtual, e os repassa para veículos de imprensa e agências de notícias, dentre outros.
Esse tipo de serviço é conhecido como Content Distribution Network. Cabe ressaltar que a empresa não é responsável por divulgar os resultados, isto sendo função do próprio TSE. Ela é responsável por repassá-los à imprensa. A empresa originalmente contratada para prestar esse serviço nas eleições de 2018 foi a BR Cloud, vencedora do pregão eletrônico 62/2018.
No dia do primeiro turno, a BRCloud não suportou a quantidade de acessos a partir das 17h. Assim, não foi possível acompanhar a evolução dos resultados nos sistemas oficiais do TSE, e os veículos de imprensa tiveram que assumir o papel de acompanhamento. “Em documento remetido pela Rede Globo ao TSE, é possível observar que a emissora registra, às 18h43, que os dados referentes a São Paulo e Minas Gerais foram digitados manualmente”, relatou o tribunal no ofício. “Devido a essa ocorrência, nem a Rede Globo, nem qualquer outra agência de notícias possuía dados com total coerência em tempo real”, acrescentou. Em decorrência, o TSE rompeu o contrato com a BR Cloud, e firmou um novo contrato com a segunda colocada do pregão 62/2018, a CPD (Consultoria, Planejamento e Desenvolvimento de Sistemas). O próprio Comprova, assim como as agências de checagem de fatos Lupa e Aos Fatos e o TSE, verificaram peças de desinformação semelhantes, envolvendo a troca das empresas de TI.
No terceiro e último ponto, a “Possível exoneração do diretor-geral”, que não chega a ser mencionado pelas postagens aqui avaliadas, mas está presente na denúncia de 2018, o TSE desmente que Flávio Pansieri fosse diretor-geral da Secretaria do TSE, como alegava a denúncia. Pansieri, na verdade, foi diretor da Escola Judiciária Eleitoral, designado pela Portaria nº 944 de 23 de outubro de 2018. O diretor-geral na época das eleições de 2018 era Rodrigo Curado Fleury, que foi exonerado apenas em 30 de novembro de 2018, mais de um mês depois do segundo turno. A exoneração foi formalizada pela Portaria nº 1012 de 22 de novembro de 2018.
Os problemas com a distribuição dos dados de apuração durante o primeiro turno das eleições de 2018 deram origem a diversos boatos e postagens falsas ou enganosas nas redes, e que já foram desmentidas.
Em verificação publicada pelo Comprova na última segunda-feira, 25, o TSE já havia explicado e contextualizado os problemas envolvendo a empresa de TI contratada para as eleições de 2018. Segundo o Tribunal, a partir das 17h do dia 7 de outubro de 2018, data do primeiro turno da eleição, “a infraestrutura de rede da empresa contratada não suportou o grande volume de acessos simultâneos e apresentou instabilidades que atrasaram o recebimento dos resultados do pleito presidencial pela imprensa”. De acordo com o Tribunal, o problema persistiu até as 19h, quando a equipe técnica da Corte adotou medidas contingenciais para restabelecer o acesso aos arquivos de resultados.
O TSE ainda explicou ao Comprova, como mostra a mesma publicação de segunda-feira, que essa empresa contratada recebe os dados já totalizados pelo tribunal e apenas distribui as informações para os veículos de comunicação. “Sendo assim, ela não tem acesso às informações dos eleitores, nem ao sistema de totalização dos votos, que é de total responsabilidade do TSE”, disseram.
Oswaldo Eustáquio é apoiador do presidente Bolsonaro e foi preso temporariamente em junho de 2020 no âmbito da investigação dos atos antidemocráticos. No inquérito, como informou a Folha na época, “a Procuradoria-Geral da República disse ao Supremo que Eustáquio defendeu uma ‘ruptura institucional de maneira oblíqua'”, o que ele negou.
Ele foi preso por ordem de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, que o libertou no mês seguinte. Desde então, foi preso outras duas vezes e agora está em liberdade. Filiou-se ao União Brasil e vai concorrer ao cargo de deputado federal pelo Paraná. Em entrevista publicada em maio deste ano pela revista Veja, ele afirma ter dois objetivos: “O primeiro é que quero representar a antítese ao STF. Não especificamente à Corte em si, mas a tudo de errado que essa Corte tem feito. E isso está explícito. O outro é lutar para extirpar a esquerda. Estou falando do enfrentamento prático da esquerda, impedir que retomem o poder”.
Outras publicações de Eustáquio já foram verificadas pelo Comprova, como um tuíte classificado como falso que dizia que Justiça Eleitoral pode aproveitar números de abstenção para fabricar votos e, outro, enganoso, mostrando que laudo descarta suicídio de voluntário da Coronavac.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. A postagem aqui checada coloca em dúvida a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro. Isso colabora para confundir eleitores e criar teorias falsas sobre a contagem de votos e resultado das eleições. A urna eletrônica é segura e nunca houve a comprovação de fraudes.
Outras checagens sobre o tema: Conteúdos que usam a denúncia de fraude nas eleições de 2018 arquivada pelo TSE para enganar sobre o sistema eleitoral já circularam em outras ocasiões. Em 2020, o Aos Fatos e o Estadão Verifica mostraram que a denúncia foi arquivada por falta de provas. Dessa vez, o conteúdo aqui verificado também foi classificado como falso pela Aos Fatos.
Em verificações recentes o Comprova também mostrou que não há provas de fraudes em “apagões” nas eleições de 2014 e 2018, que não há dispositivo nas urnas eletrônicas capaz de alterar votação e que a contagem de votos é feita pelo TSE e não por empresa terceirizada.
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