Na primeira entrevista como diretora da área de registro de vacinas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a farmacêutica Meiruze Sousa Freitas nega que o órgão seja barreira para começar a imunização contra a Covid-19 no país e aponta que falta as empresas entregarem dados sobre suas pesquisas. "Da parte regulatória, (para avançar na chegada da vacina) falta as empresas trazerem os dados para a avaliação. Temos regras semelhantes às do mundo. Não há aqui empecilho para avaliação de uso emergencial ou registro", ressalta Meiruze, única servidora entre os diretores titulares da Anvisa.
Meiruze evita cravar data para ter um imunizante liberado no País e reforça que a perspectiva é aprovar pedidos de registro o mais rápido possível. "Não tem lógica pensar que a Anvisa é contra a vacina", afirma.
Em termos de atuação regulatória, temos atuado como o resto do mundo, com flexibilizações, possibilidade de receber dados parciais e o uso emergencial. Entendemos que era importante o Brasil ter essa opção de disponibilizar as vacinas ainda que estivessem em fase de desenvolvimento. O papel da Anvisa é ofertar ao serviço público e ao privado vacinas de qualidade. Não fazemos parte do processo de aquisição. Da parte regulatória, falta as empresas trazerem os dados para a avaliação da Anvisa. Temos regras semelhantes às do mundo. Não há aqui empecilho para avaliação de uso emergencial ou registro.
Sobre o entendimento que a Pfizer tinha sobre o guia (para pedido de uso emergencial), o documento traz orientações, mas o mais importante são as diretrizes de qualidade, eficácia e segurança da vacina. É semelhante aos principais países. Sei que está todo mundo acelerado e, às vezes, há dificuldade de interpretação, faz reunião e tem informação que fica truncada. Por que a Anvisa pediu quantitativo de vacina? Não tem relação com aquisição de governo. Preciso saber, pois quando chegar no aeroporto, preciso fazer despacho aduaneiro rápido. A vacina tem condições de armazenamento específicas. Ficou claro para a Pfizer que não tinha relação com a aquisição. Mas o coração do guia são os requisitos de qualidade, segurança e eficácia. Se a empresa consegue justificar, ("tenho outra abordagem"), e comprovar que o benefício supera riscos, não trava avaliação nem autorização (a falta de documentos apontados no guia). Isso ficou claro para todas as empresas. Se havia névoa nesse processo, a meu ver, foi esclarecido. Talvez nossas comunicações não tenham sido as mais adequadas, mas há sempre oportunidade de melhorar.
Vai depender do pedido. Vamos pensar no melhor cenário. Se chegar pedido em 3 de janeiro (de uso emergencial), esperamos ter em 13 de janeiro decisão. A projeção de vacinação seria possível. Só quando tiver o pedido poderia afirmar melhor. O dado de submissão contínua (modalidade em que a empresa envia dados de pesquisa conforme vão sendo finalizados) será aproveitado na avaliação de uso emergencial. Não haverá retrabalho. Também há avaliação de outras autoridades. Trabalhamos para atender o prazo de 10 dias. Pode ser feito até em prazo menor.
Esse número de 60 dias ficou muito pragmático. Era em contexto sem avaliação de dados preliminares. Nossa perspectiva é de um prazo muito menor, considerando avaliações já feitas pela Anvisa e por outras autoridades. Estamos trabalhando para isso. Só não posso te falar a data exata.
Como técnica, e conhecendo o processo de desenvolvimento da vacina, priorizo sempre a avaliação da Anvisa. Há particularidades que o Brasil precisa olhar, como acondicionamento e estabilidade do produto. E se os estudos feitos são compatíveis com a nossa população. Nenhum país faz aprovação automática. Não significa que trataremos com morosidade. A lei fala em autorizar importação e distribuição, mas não do registro do produto. A estratégia da lei é bem-vinda na pandemia. Foi editada para ampliar acesso e evitar desabastecimento. A vacina tem complexidade maior, tecnologia envolvida, riscos muito grandes. Me parece que as empresas vão muito pela segurança da autorização da autoridade sanitária. No prazo de 72 horas nenhum lugar do mundo consegue qualificar um produto como seguro e eficaz.
Marcamos reunião com autoridade do Reino Unido para entender quais considerações foram feitas. Não necessariamente o estudo precisa estar publicado. Precisa avaliar quais dados foram apresentados.
O que temos feito, no campo técnico, é nos afastar dessa discussão para que não nos contamine. Às vezes as pessoas dizem, "a gente está sendo tão achincalhado, colocado como problema". Traz até vontade de falar: "O problema não é a Anvisa. O Brasil prefere não ter agencia regulatória?" Mas temos de trabalhar internamente. É uma pauta que não é nossa. Por mais que todos tenham pressa, mesmo nos EUA, com pandemia ainda maior que a nossa, não vimos o País enfraquecendo sua autoridade regulatória. Pelo contrário. Mas diria que até na questão do Butantã (que teve testes da Coronavac interrompidos após a morte de um voluntário), instituto extremamente importante, tivemos conversa boa. Houve momentos em que o diálogo pode ter sido perdido. Se foi, não há motivo. Conversamos, dentro da ciência regulatória. Ficamos um pouco na berlinda, mas o nome "Anvisa" nunca foi tão conhecido. O saldo disso tudo será positivo. Não tem lógica pensar que a Anvisa é contra a vacina.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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