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Neurônios podem ajudar no tratamento de câncer, aponta estudo

Neurônios podem ajudar no tratamento de câncer, aponta estudo

Para este estudo, a investigação foi feita especificamente com os neurônios sensoriais, que cumprem funções como a emissão de sinais de dor e noções de temperatura

Publicado em 9 de dezembro de 2021 às 10:45

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Pesquisa em laboratório
Estudo indica que neurônios podem ajudar no tratamento de câncer. (wayhomestudio/Freepik)

O aumento da atividade neuronal reduziu o desenvolvimento do melanoma, um tipo de câncer de pele, em mais da metade do tamanho, apontou estudo realizado com camundongos. Também foi percebido que os neurônios colaboraram com o aumento de células imunes que são usadas para a cura da doença.

O artigo científico foi publicado na revista Acta Neuropathologica Communications e assinado por pesquisadores de diferentes instituições, como UFMG e Hospital Sírio Libanês.

Segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer), mesmo representando somente 3% dos casos de câncer de pele no Brasil, o melanoma é considerado um dos tipos mais agressivos da doença por causa da alta possibilidade de se proliferar pelo corpo por meio de metástase.

Dados de 2020 do instituto mostraram que, em média, houve 8.450 novos casos da doença no país. Só em 2019, quase 2.000 pessoas foram a óbito em decorrência desse câncer.

Para este estudo, a investigação foi feita especificamente com os neurônios sensoriais, que cumprem funções como a emissão de sinais de dor e noções de temperatura, explica Alexander Birbrair, professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e coordenador da pesquisa.

Esses neurônios têm fibras que podem se prolongar por grande parte do corpo humano e se integrar a outros órgãos, como o coração. A primeira descoberta importante da pesquisa foi que essas ramificações também se incorporaram no melanoma.

"Quase metade da composição de um tumor não são células de câncer. É o que chamamos de microambiente tumoral - várias células e componentes que migram para dentro do tumor, [como aconteceu com as fibras neuronais], e que conseguem influenciar o comportamento das células de câncer", afirma.

A partir daí, os pesquisadores utilizaram uma técnica chamada quimiogenética, que consiste no uso de drogas sintéticas junto com modificações genéticas para controlar a atividade neuronal.

No caso dos camundongos, eles já nasciam geneticamente modificados, de modo que, ao terem contato com a droga CNO (Clozapine-N-oxide), sofressem uma redução ou uma superativação na atividade dos neurônios que tinham fibras no câncer.

"A descoberta foi que quando a gente desligou completamente esses neurônios, o tumor aumentou e o camundongo viveu menos. Baseado nesses resultados iniciais, decidimos superativar esses neurônios para ele disparar mais que o normal, e vimos que o tumor diminuiu", afirma Birbrair.

Outro achado do estudo foi que a ativação exagerada dos neurônios diminuiu os vasos sanguíneos ligados ao câncer. Segundo Birbrair, a redução nesses vasos também colaborou para a melhora da doença porque "um tumor precisa de oxigênio e nutrientes para crescer e isso vem através dos vasos sanguíneos".

Ele ressalta que atualmente algumas terapias usadas contra o câncer já se baseiam na diminuição dos vasos sanguíneos para diminuir o tumor.

Os pesquisadores ainda perceberam uma terceira reação positiva com o aumento da atividade dos neurônios - a quantidade de células imunes que combatem o câncer aumentou, enquanto que as cancerígenas diminuíram.

O uso dessas células imunes para o tratamento de câncer é conhecido como imunoterapia - um método que "desmascara" o tumor, de forma que o corpo inicie o combate contra a doença. Desse modo, a ampliação desse tipo celular demonstra que "os neurônios sensoriais podem promover um microambiente imunológico e de células imunes" contra o câncer, diz Birbrair.

"Vimos que os neurônios sensoriais não estão funcionando somente como carregadores de mensagens, que são a função clássica deles. Estamos mostrando que essas fibras neuronais desempenharam atividades proativas dentro do tumor", completa o professor.

A explicação para esses efeitos positivos contra o câncer necessita de outros estudos, mas os pesquisadores podem ter encontrado uma resposta - foi percebido o proliferamento de uma molécula liberada pelos neurônios chamada de "peptídeo relacionado ao gene da calcitonina".

"Houve o aumento da geração desse peptídeo dentro do tumor com a superativação do neurônio. Já quando nós inibimos, ocorreu a diminuição do peptídeo", afirma Birbrair, ressaltando a necessidade de novos estudos para confirmar ou não essa hipótese.

O método de aumentar a atividade neuronal também tem a vantagem de ser mais direcionado quando comparado a outros tratamentos anticancerígenos mais tóxicos. A quimioterapia, por exemplo, corresponde a matar todas as células novas crescendo em determinada região, o que gera efeitos colaterais nos pacientes.

Na pesquisa, não foi detectado nenhum efeito colateral grave nos camundongos que sobreviveram, afirma Birbrair.

Se vier a ser repetido com pessoas, o estudo necessitará de uma adaptação - será preciso usar vetores virais para fazer com que o DNA de humanos responda à droga CNO para aumentar ou diminuir a atividade neuronal.

"Por modificação genética, os camundongos já nascem com esse gene nos nervos sensoriais e, na hora que damos a droga, temos a ativação só daqueles neurônios que a gente quer. Para humanos, poderíamos usar vetores virais no que se chama de terapia gênica - você usa um vírus, infecta a célula e o vírus leva o gene para dentro do DNA", explica Birbrair.

Antes de conduzir o estudo em humanos, os pesquisadores planejam aplicar as descobertas em outros mamíferos, como cavalos e cachorros, para averiguar se os resultados serão semelhantes daqueles vistos nos camundongos.

Além disso, os cientistas já realizam outras investigações para testar se os neurônios sensoriais também seriam úteis contra o câncer de mama, de próstata e de pulmão, aumentando as possibilidades de tratamento.

"A característica de cada tipo de câncer é diferente e às vezes o que funciona em um tem efeito oposto em outros", pondera o professor.

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