A nota do Enem, que começa a ser aplicado neste domingo (17), é considerada por muitos estudantes uma caixa preta: a quantidade de acertos não é suficiente para definir a pontuação dos participantes. O desempenho final depende de quais questões foram anotadas corretamente.
Análise do jornal Folha de S. Paulo mostra que candidatos com o mesmo número de acertos podem ter notas com centenas de pontos de diferença, fazendo com que participantes com menos acertos recebam notas maiores. Mas quanto mais questões se acerta, menor é a variação possível de notas a cada área da prova.
O modelo causa apreensão nos participantes, reforçada na última edição do exame, em 2019, quando notas foram divulgadas com erros pelo governo Jair Bolsonaro.
Milhares de candidatos passaram a questionar seus resultados por considerarem muito baixos com relação ao número de acertos ou na comparação com edições anteriores.
A reportagem analisou os microdados de 11 edições do Enem: de 2009, quando o modelo atual de pontuação foi implementado, a 2019.
Com base em todos esses dados, a prova de matemática apresentou a maior possibilidade de diferença de notas de candidatos com o mesmo número de acertos.
Entre os que acertaram 10 questões, por exemplo, a nota pode variar em 385 pontos -- entre 280 a 666 pontos. Essa distância cai para 201 pontos quando se compara as notas mínimas e máximas de quem acertou 40 questões (de um total de 45) em todas as edições.
Na média, há um abismo de 177 pontos nas notas de matemática entre candidatos com o mesmo número de acertos.
Já linguagens aparece com a menor variação de notas.
Levando em conta as últimas 11 edições, caso o candidato acerte 40 questões a nota pode variar entre 642 e 793 --diferença de 151 pontos. Essa amplitude chega a 293 pontos ao se acertar, por exemplo, apenas dez questões.
O Enem é dividido em quatro provas: matemática, linguagens, ciências humanas e ciências da natureza. Há também a redação, mas só na parte objetiva é adotada a TRI (Teoria de Resposta ao Item).
Por causa desse modelo matemático, as notas finais variam de acordo com quais itens foram anotados corretamente --e não leva em conta apenas a quantidade de acertos.
Esse formato prevê uma parametrização dos itens em vários critérios, como no nível de dificuldade.
"A diferença entre notas, que aflige candidatos, é parte fundamental desse modelo adotado no Enem para discriminar o conhecimento dos candidatos, explica o professor Dalton Francisco de Andrade, do Departamento de Informática e Estatística da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
"Se você pegar todo mundo que acertou 20 de 45 questões, não necessariamente todas as pessoas sabem a mesma coisa. Porque depende dos itens que eles acertaram e erraram, e pode ter acerto casual também", diz ele.
A TRI identifica como um possível chute, por exemplo, o candidato que erra duas questões fáceis e acerta uma difícil --e isso tem impacto na sua pontuação.
Na teoria clássica dos testes, usada em provas como a Fuvest, todas as questões de múltipla escolha valem a mesma coisa na nota final.
Errar apenas uma questão da prova pode resultar em uma diferença de até 92 pontos em matemática.
Isso ocorreu na edição de 2017 do Enem, na comparação entre a menor e maior nota de candidatos com 44 pontos nessa disciplina.
Essa diferença ocorre de acordo com qual questão, e seu nível de dificuldade, foi anotada erroneamente.
Na média de todos as edições, errar uma questão de matemática pode valer 33 pontos. Suficiente para ficar de fora em uma disputa de curso concorrido.
O Enem é a principal porta de entrada para o ensino superior público. É critério para bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos) e contratos Fies (Financiamento Estudantil) em instituições privadas.
Os elaboradores das provas procuram ter itens com alto nível de discriminação para diferenciar participantes com muito bom desempenho nas vagas disputadas.
Na última edição, de 2019, foi na prova de ciências humanas que se registrou o maior abismo de notas em provas com só um erro: 58 pontos.
Professores de cursinhos sugerem que os participantes encarem o Enem com estratégia. "É importante fazer as questões mais fáceis no começo da prova, quando está descansado", diz o educador Mateus Prado. Isso ajuda a não errar itens fáceis e perder pontos.
O Enem tem quatro versões de prova, identificadas por cores, em que as questões aparecem em ordem diferente.
Análise de Prado e sua equipe mostrou que a mesma questão tem percentuais de acertos menores quando aparecem mais para o fim da prova. "Entre os muito concorridos, não da pra fazer todas as questões. Então não pode deixar de fazer uma fácil."
Previsto inicialmente para novembro passado, o Enem 2020 começa neste domingo com as provas de linguagens, ciências humanas e redação.
No próximo domingo, 24, é a vez das provas de ciências da natureza e matemática do exame.
O Enem recebeu 5,7 milhões de inscritos. Por causa da pandemia, que provocou pressão para um novo adiamento, o próprio governo já espera uma abstenção mais alta que em anos anteriores --no Amazonas o exame sá será aplicado em fevereiro.
Nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro ainda haverá a aplicação da primeira edição por computador, em um projeto piloto que envolve cerca de 100 mil inscritos.
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