O chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), Fabio Wajngarten, disse em entrevista divulgada na madrugada desta segunda-feira (10) que a discrepância na distribuição de verbas publicitárias para TVs abertas se deve ao fato de a Globo, líder de audiência, não fazer merchandising para governos (propaganda inserida em programas), o que a difere das concorrentes.
Os números da própria secretaria, no entanto, contradizem a afirmação.
O merchandising foi usado pelo governo Jair Bolsonaro na campanha da reforma da Previdência, feita em fases. Na primeira, veiculada entre fevereiro e abril do ano passado, o investimento nesse formato de publicidade correspondeu a 5% do total destinado às emissoras.
Na segunda, aprovada pela equipe de Wajngarten e que foi ao ar entre abril e julho, o percentual foi de 25%. Os dados constam dos planos de mídia da campanha, obtidos pelo jornal Folha de S.Paulo.
Os números mostram que, mesmo quando se desconsidera o valor pago em merchandising, canais de menor audiência ficaram com mais dinheiro do que a emissora da família Marinho.
Como mostrou série de reportagens da Folha de S.Paulo, na gestão de Wajngarten a secretaria tem privilegiado TVs alinhadas com o governo Jair Bolsonaro na distribuição de verbas.
Record e Band, duas das mais beneficiadas com o rateio, são contratantes da FW Comunicação, empresa privada que o secretário mantém em paralelo à atividade pública. Já o SBT foi cliente da empresa até o primeiro semestre do ano passado.
O merchandising foi direcionado a apresentadores que têm a simpatia de Bolsonaro e frequentemente são escolhidos por ele para dar entrevistas e divulgar dados positivos de sua gestão. É o caso de Ratinho (SBT) e José Luiz Datena (Band).
Questionado sobre as disparidades na distribuição de recursos, Wajngarten justificou: "Quando da reforma da Previdência, a gente utilizou um formato de publicidade que é o merchandising". "Esse fator, dentre outros fatores, foi causado porque a emissora líder não permite na sua política comercial a utilização de seus apresentadores e membros de seu cast em campanhas de utilidade pública."
A declaração foi dada em entrevista de Wajngarten ao programa Poder em Foco, do SBT.
A Globo faz o merchandising apenas para clientes privados. Na primeira fase da campanha, houve investimento de R$ 255,1 mil em merchandising. No total, as TVs receberam R$ 5 milhões.
Na segunda fase, Globo, Record, SBT, Band, Rede TV! e TV Brasil receberam R$ 16,9 milhões, dos quais R$ 4,3 milhões para testemunhos elogiosos dos apresentadores à nova Previdência.
O investimento em propaganda nos intervalos comerciais foi de R$ 12,3 milhões. A Globo recebeu R$ 2,6 milhões, menos que Record (R$ 4,7 milhões) e SBT (R$ 3,6 milhões), embora tenha mais audiência que as duas concorrentes somadas.
Na entrevista, o chefe da Secom admitiu ter pensado em sair do cargo depois de as reportagens da Folha de S.Paulo, publicadas a partir de 15 de janeiro, mostrarem que ele se mantém como sócio da FW, com 95% das cotas, e que a empresa recebe dinheiro de TVs e agências de publicidade contratadas pelo órgão que ele comanda, ministérios e estatais.
"Pensei. Não estou pensando mais e nunca considerei desistir", disse Wajngarten. "Sabe por quê? Porque eu tenho muito orgulho do presidente, um presidente que supera uma facada, três cirurgias e, mesmo assim, governa e saiu vitorioso de uma eleição tão combativa. Que direito eu tenho de desistir?"
Ele voltou a se dizer perseguido pela Folha de S.Paulo e sugeriu que, ao fim de investigações de que é alvo, o jornal doe recursos a instituições de caridade.
O secretário é investigado pela Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal em Brasília, por suspeitas de corrupção, peculato (desvio de recursos por agente público) e advocacia administrativa (patrocínio de interesses privados na administração pública).
Também é alvo de processo administrativo no TCU (Tribunal de Contas da União), que mira os critérios de distribuição de recursos. A Comissão de Ética Pública da Presidência avalia o caso dele por possível conflito de interesses.
Na entrevista, Wajngarten repetiu os argumentos de sua defesa e garantiu que seguiu todas as determinações da Presidência, pois se afastou de atividades gerenciais na FW. Na avaliação dele, não há nenhuma relação entre os serviços prestados por sua empresa e as atividades que realiza na Secom.
"Nunca tive um processo em 44 anos de vida. Nunca entrei em um tribunal", ressaltou, após lembrar que foi convidado para o cargo por Bolsonaro por causa do seu histórico profissional.
Wajngarten usou o argumento do orçamento restrito do governo para justificar os investimentos da Secom. Questionado se não seria mais eficaz, mesmo com o orçamento minguado, usar os veículos com mais abrangência, o secretário reagiu: "Todos os veículos abrangem de forma similar".
Ele usou uma metáfora para explicar sua linha de pensamento. Disse que é possível cobrir toda uma mesa com um tapete persa, mais caro, ou com pedaços de tapetes mais baratos, o que seria mais econômico. "Você terá o mesmo efeito, com gasto menor."
Após definir as críticas feitas à sua gestão pela mídia como levianos, ele insinuou, sem dar nomes, ser vítima de chantagens. "Muitos tentaram fazer isso. Tentam coagir através de ataques contínuos. Isso não será tolerado e isso não nos abalará."
Wajngarten disse ainda que a regionalização e a descentralização estão no centro da política de comunicação do governo Bolsonaro e isso explicaria as decisões sobre uso dos recursos da Secom.
Na campanha da reforma, no entanto, o critério da regionalização, usado a título de baratear a publicidade, foi usado apenas para a Globo. O secretário sustentou que o mercado publicitário está satisfeito com a sua presença no cargo.
"Para o mercado publicitário, que conhece a minha reputação, a história de vida, a história profissional da minha empresa, 100% está do meu lado", disse.
Os ataques de Bolsonaro a jornalistas foram minimizados pelo secretário. Na opinião dele, o presidente age com agressividade porque é alvo de críticas o tempo todo, assim como seus filhos, irmão e ministros. "A gente vive a era da manchete escandalosa, em busca do clique a qualquer custo", opinou.
Ainda durante a entrevista, o secretário elogiou a atriz Regina Duarte, nomeada para a Secretaria Especial da Cultura, e também Roberto Alvim, que ocupava o cargo antes do escândalo provocado por um vídeo em que copiou frases de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista.
"Regina é uma amiga, dispensa apresentações. Vai trazer muita coisa boa para o governo Bolsonaro", disse. "Alvim errou sem intenção. Reitero que ele é boa pessoa e não teve a intenção de agredir ninguém com aquele vídeo."
Sobre seus próximos passos, o secretário revelou que há a intenção de unificar as estratégias de comunicação no governo federal. "A comunicação tem que ser uniforme e robusta. Não adianta um ministro caminhar para um lado e outro ministro caminhar para outro."
Ele não revelou detalhes sobre essa unificação, disse apenas que há previsão de reuniões semanais entre os diversos órgãos para alinhar a comunicação.
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