SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ornela Rizzo Cruz, 42, é mãe de Carolina, 7, e de Manuela, 10. Após ter o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista) das filhas, se especializou em neurodesenvolvimento infantil e está finalizando uma pós-graduação em neuropsicopedagogia infantil –sua formação é em letras.
Para falar sobre o assunto e apoiar outros pais criou, em 2019, a página no Instagram Autistas com Laços e Fitas, que tem 127 mil seguidores. Lá aborda temas como a polêmica do rol taxativo da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e o reajuste dos planos de saúde, dá dicas de como identificar os sinais do espectro autista na criança e mostra a rotina e os avanços no desenvolvimento das filhas.
A seguir a mãe e ativista conta como foi o processo até o diagnóstico das crianças, os desafios diários, o preconceito velado e o caminho para garantir o tratamento completo.
"Quando a Manuela, minha primeira filha, tinha dois anos comecei a observar comportamentos que não eram o padrão para uma criança da idade dela. Procurei médicos, mas nenhum deu o diagnóstico. Mesmo assim, no fundo, sabia que ela era autista.
A Carolina nasceu quando a Manu estava com quase três anos, e aos dez meses ela já apresentava características de TEA. Eu estava mais atenta, estudando sobre o assunto e notando essas diferenças para dar mais suporte a elas. Aos dois anos e oito meses a Carol não tinha nenhuma comunicação verbal, não tinha dito as primeiras palavras, nem 'mamãe'. Apontava com o dedo ou levava a minha mão até o objeto que queria.
Na frente da televisão fazia movimentos repetitivos, enfileirava objetos. Ela não pegava um pratinho e uma colherzinha para dar comida para a boneca, mas enfileirava todos os pratos e as colheres. Brinquedos com letras e números eram a sua paixão, seu hiperfoco, tanto que começou a ler aos quatro anos.
Embora já estivéssemos investigando ainda não havíamos comunicado à escola. Então, quando a Carol estava com dois anos e seis meses, a professora nos chamou para dizer que ela não interagia com os colegas e que, por causa do barulho, colocava as mãos nos ouvidos na hora do recreio.
Na época, o neuropediatra falou que provavelmente não era autismo, mas eu já sabia, tinha certeza absoluta de que ela era autista, só faltava alguém confirmar com o laudo.
Tanto no caso da Manu quanto no da Carol não esperei o diagnóstico oficial e comecei a intervenção precoce com psicólogo comportamental e fonoaudiólogo diariamente. A Manu fez as terapias até os quatro anos, mas como ela apresentou um desenvolvimento muito bom os especialistas deram alta.
Porém, durante a pandemia, percebi que a Manu tinha dificuldade de concentração nas aulas online. Resolvi levá-la outra vez ao neuro e à psicóloga, mas o diagnóstico foi de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) porque, como ela havia desenvolvido habilidades nas terapias anteriormente, como fala e concentração, preferiram não fechar o diagnóstico de TEA.
Mas estavam cada vez mais evidentes as características do autismo, como ansiedade exacerbada ou não conseguir se programar para finalizar tarefas. Fui a outra profissional que a diagnosticou aos nove anos com autismo nível 1, que antes era conhecido como autismo leve. Foi um diagnóstico tardio, mas ela não teve tantos prejuízos por causa do acompanhamento precoce.
Apesar de eu ter certeza de que a Manu tinha autismo, o maior baque foi mesmo com a Carol, que foi a primeira a ter o laudo. Ela estava com dois anos e sete meses quando foi diagnosticada com autismo nível 2, ou seja, seria mais dependente.
Nenhuma mãe e nenhum pai estão preparados para receber qualquer diagnóstico sobre um filho. O autismo não é uma doença, não tem cura, é um transtorno do neurodesenvolvimento. Saber que seu filho dependerá muito de você, que terá que batalhar muito para fazer terapias para ter melhor qualidade de vida e desenvolver habilidades e ser um adulto mais independente (e mesmo assim não haver garantias), é bem difícil.
A rotina das meninas é puxada. De manhã fazem as terapias e, à tarde, vão à escola, às vezes há sessão também após a aula. À noite, pelo menos 30 minutos por dia eu ainda aplico atividades de estimulação porque sei que cada minuto é muito importante para elas.
Para se ter ideia sobre os níveis, a Manu, que é nível 1, é mais independente –posso deixá-la no cinema com as amigas e buscá-la depois. Já a Carol, que é nível 2, não posso deixar sozinha, porque ela pode sair andando e não voltar para casa.
Vivo uma montanha-russa de emoções, pois elas podem estar se desenvolvendo bem e, de repente, regredir. Por isso me coloco no lugar dos pais que lutam pelo tratamento. Pode ser que elas trabalhem, que façam faculdade, que se casem, mas pode ser que não façam nada disso.
Eu idealizava uma maternidade de levar minhas filhas para o balé, para o inglês, mas vivo uma maternidade real, não temos como fazer tudo. Então, eu faço algo para buscar meios para o desenvolvimento delas.
As minhas filhas são meu propósito de vida e a minha bandeira é o autismo. Se fosse para escolher, teria as duas exatamente do jeito que são. Elas me fizeram ver um mundo que não enxergava, dar valor às pequenas coisas, ter empatia pelas outras pessoas. O autismo é uma luta diária, mas também uma vitória diária. A Carolina não falava nada e, agora, vê-la falando uma frase completa é uma vitória, o que para outras mães pode ser algo banal.
Foi então que um dia pensei que sendo mãe de duas crianças autistas poderia fazer algo para desmistificar o diagnóstico e ajudar outros pais com diversas em questões, inclusive o preconceito. Há um preconceito velado, causado muitas vezes por falta de informação. As pessoas acham que o autista não tem qualquer independência, existe esse estigma, porém varia de acordo com o nível do autismo.
Daí comecei a mostrar nosso dia a dia, e as pessoas foram compartilhando. Não imaginei que haveria tanto interesse.
A nossa maior preocupação com o rol taxativo é com relação às terapias [no último dia 8, o STJ decidiu desobrigar planos de saúde de custear procedimentos não incluídos na lista de cobertura da ANS]. O tratamento é caríssimo, uma sessão de terapia psicomportamental, por exemplo, varia entre R$ 150 e R$ 200. O nosso plano de saúde é de coparticipação: sendo 80% coberto pela operadora e 20% por nós. Porém, desde janeiro, o plano não está cumprindo a parte dele. O reembolso não paga nem o combustível. Entramos na Justiça, mas pouca coisa avançou. Estamos conseguindo pagar e esperar, mas e as outras famílias?
Uma família que ganha um salário mínimo não tem condições de arcar com essas despesas, e as terapias são cruciais para o desenvolvimento –se param, as crianças regridem. Por isso foi um alívio quando o tratamento para autismo foi liberado, mas vamos lutar pelas demais coberturas, pois não podemos pensar apenas em nós."
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