Desde o início do mês, tutores de cachorros em ao menos nove estados e no Distrito Federal relataram à Polícia Civil de Minas Gerais mortes de animais após o consumo de petiscos da marca Bassar Pet Food. A principal suspeita é de contaminação de matéria-prima utilizada.
Investigadores de Minas e a de São Paulo trabalham em conjunto nas investigações. De acordo com a polícia mineira, ao menos 28 casos foram registrados até o momento. As apurações e os laudos periciais ainda estão em andamento.
Equipes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também investigam e acompanham o caso.
Veja o que se sabe até agora.
De acordo com as investigações iniciais, a principal suspeita é de que tenha ocorrido a contaminação do propilenoglicol, que é um ingrediente utilizado na fabricação dos petiscos, por monoetilenoglicol, uma substância tóxica.
Segundo o professor Leonardo Boscoli Lara, especialista em nutrição animal, da Escola de Veterinária da UFMG, tanto o propilenoglicol quanto o monoetilenoglicol são umectantes e anticongelantes.
"Os dois têm as mesmas propriedades. Só que o propilenoglicol não tem toxicidade, ele é atóxico para seres humanos, é atóxico para cães", afirma o professor. Segundo ele, o propilenoglicol também é mais caro que o monoetilenoglicol.
O propilenoglicol pode ser utilizado por indústrias alimentícias de animais e seres humanos. O aditivo precisa ser adquirido em empresas registradas no Ministério da Agricultura.
Já o monoetilenoglicol, por ser tóxico, não pode ser usado para fins alimentícios. Segundo Boscoli, a substância é utilizada com frequência em fluidos de radiadores de veículos e como anticongelante para motores.
A suspeita inicial da contaminação por monoetilenoglicol surgiu após laudos feitos pela Escola de Veterinária da UFMG identificarem a presença de oxalato de cálcio nos rins de animais intoxicados, bem como degeneração do túbulo renal. Segundo Boscoli, este é um forte indicativo de intoxicação.
Segundo a Bassar Pet Food, o propilenoglicol utilizado foi fornecido pela empresa Tecno Clean Industrial, com sede em Contagem (MG).
No final de 2019 e no início de 2020, ao menos 29 pessoas foram intoxicadas após consumir a cerveja Belorizontina, produzida pela empresa Backer. Dez morreram. As investigações feitas pela Polícia Civil identificaram intoxicação por dietilenoglicol.
De acordo com Boscoli, o monoetilenoglicol e o dietilenoglicol são substâncias parecidas, ambas são etilenoglicois. As duas são tóxicas, no entanto, o poder tóxico do dietilenoglicol, citado no caso Backer, é maior.
"O dietilenoglciol na mesma dose causa efeitos muito mais severos, ou uma dose menor já causa os mesmos efeitos que uma dose maior do monoetilenoglicol", diz o especialista.
As duas substâncias agem diretamente nas membranas celulares. Os sintomas iniciais mais comuns da intoxicação por estas substâncias são vômitos, diarreias e tremores.
Com o tempo, elas passam a atacar outros órgãos. "Um dano bem clássico dessas substâncias seria um acúmulo de oxalato de cálcio, tanto no fígado quanto no rim. O fígado pode até se regenerar, mas o rim não", explica Boscoli.
No caso da cervejaria Backer, muitos dos sobreviventes à contaminação tiveram sequelas neurológicas e renais. Muitos ainda precisam passar por tratamentos como hemodiálise.
Segundo as investigações da Polícia Civil, a Backer utilizava o produto para resfriamento de tanques usados para armazenar a produção da cerveja. O dietilenoglicol era colocado em dutos que circulavam os compartimentos.
Conforme a Polícia Civil, a substância teria entrado em contato com a cerveja por buracos que existiam tanto nos dutos como nos tanques. A Backer afirmou nunca ter comprado a substância.
Inicialmente, os produtos identificados com suspeita de contaminação foram o Every Day sabor fígado (lote 3554) e o Dental Care (lote 3467), de acordo com o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
Na semana passada, a Bassar anunciou o recolhimento de todos os seus produtos junto a seus consumidores, que devem entregar os itens nos pontos de venda onde foram comprados.
Na última sexta (9), o Ministério da Agricultura identificou a presença de monoetilenoglicol em novos lotes de produtos para alimentação animal da marca Bassar Pet Food, mas os números deles não foram divulgados.
As investigações do Ministério da Agricultura detectaram que dois lotes de propileno glycol USP (AD5053C22 e AD4055C21) da empresa Tecno Clean Industrial, que foram adquiridos e utilizados pela Bassar Indústria e Comércio Ltda, segundo apuração policial, podem ter causado intoxicação e morte de cachorros.
No dia 2 de setembro, o Ministério da Agricultura determinou a interdição da fábrica da Bassar Indústria e Comércio Ltda, na cidade de Guarulhos (SP).
A pasta determinou na última terça (6) a suspensão imediata do uso em linhas de produção de dois lotes da matéria-prima propilenoglicol da empresa Tecno Clean Industrial LTDA.
O ministério também determinou nesta sexta (9) que as empresas fabricantes de alimentos ou mastigáveis para animais devem indicar os lotes de propilenoglicol presentes em seus estoques e quem são os fabricantes. A indicação deve ser feita no Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal da região.
As empresas também devem indicar os lotes de produtos que contenham propilenoglicol em sua composição e que já tenham sido distribuídos. As empresas têm o prazo de dez dias para atender a essas determinações.
Nesta segunda (12), a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou uma resolução que proíbe a comercialização, distribuição, manipulação e uso dos dois lotes citados do propilenoglicol da Tecno Clean Industrial. A resolução também determina o recolhimento dos dois lotes da substância.
A Bassar afirmou que está fazendo um recall de todos os produtos fabricados desde 7 de fevereiro de 2022. "Isso compreende todos os lotes de produto, marca própria ou marca Bassar, com numeração acima do lote 3329 (inclusive este)", explica.
A recomendação da Polícia Civil é de que os alimentos não devem ser dados aos cães e encaminhados para perícia.
As empresas envolvidas no caso são a Bassar Pet Food, que produz os petiscos com suspeita de contaminação que, segundo apuração policial, podem ter provocado a morte dos cachorros, e a Tecno Clean Industrial Ltda, responsável pela matéria-prima propilenoglicol utilizada nos petiscos.
A Bassar Pet Food afirmou em nota que tem colaborado com as autoridades para a investigação do caso desde o surgimento da primeira denúncia.
"A Bassar fechou sua fábrica e contratou empresa independente para realizar uma profunda auditoria em seu processo de produção e maquinários e de todas as matérias-primas que compõem seus produtos finais", diz a nota.
"A Bassar Pet Food reforça que o etilenoglicol não faz parte de nenhuma etapa da sua cadeia de produção", afirma o comunicado.
A empresa também explica que, para participar do recall, "basta o consumidor devolver o produto à loja, que deverá realizar o reembolso do valor gasto, independentemente se a embalagem já estiver aberta ou se parte do produto já tiver sido utilizada".
A Tecno Clean Industrial afirmou que não fabrica propilenoglicol. A substância teria sido comprada da empresa A&D Química Comércio e revendida pela Tecno Clean, como distribuidora. A empresa se colocou à disposição das autoridades para ajudar nas investigações.
A A&D Química Comérico, localizada na cidade de Arujá (SP), afirmou em nota que os produtos de seu portfólio, incluindo o propilenoglicol, não possuem finalidade alimentícia, sendo destinados exclusivamente para produção de itens de higiene e limpeza. A empresa também afirmou que está à disposição das autoridades para a elucidação do caso.
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