A operação policial que provocou a morte de 17 pessoas na quinta-feira passada (21) no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, pode ser considerada uma espécie de marketing do terror, que fomenta a insegurança pública. A opinião é da antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz, docente no curso de graduação em segurança pública na UFF (Universidade Federal Fluminense).
"São quatro décadas de matanças no Rio de Janeiro que não significaram escassez da obra criminosa", afirma a especialista. "A população começa a desconfiar, pois são 40 anos de guerras sem resultados, que não saem do mesmo lugar, que não produzem nem vitórias nem derrotas."
Para a especialista, tiroteios, como os de quinta-feira, politicamente dão dimensão visual, principalmente em ano eleitoral, porque se ouve a polícia, tanto na favela quanto no asfalto. No último caso, de maneira indireta, com os vídeos que se espalham pelos smartphones.
Muniz cita um tiro de fuzil "que caminha um quilômetro" como um produto midiático. "É a dimensão que o cidadão comum é capaz de reconhecer que a polícia está fazendo alguma coisa", afirma. "No cotidiano, o cidadão não enxerga as atividades de inteligência. É preciso algo visual, som, fúria e ação."
Segundo ela, as recentes matanças em operações policiais na cidade servem como uma forma de fortalecer grupos de ações ilícitas ou milícias.
"[O Estado] transforma-se numa grande 'imobiliária' que arrenda territórios populares para exploração criminosa, que não começa nem termina na droga, mas tem a ver com a exploração de serviços essenciais, como água, luz, internet e transporte alternativo", diz, sobre a atuação de milícias.
Muniz avalia ainda que a sequência de ações banaliza as operações especiais, que deveriam ser utilizadas apenas em situações críticas e em territórios instáveis. Além disso, na sua visão, elas diminuem o policiamento convencional.
"Não se policia mais, não se faz polícia, só operações", afirma. Segundo ela, em comparação, um efetivo de 400 policiais, como o usado no Alemão, é suficiente para fazer o policiamento de uma área com 160 mil pessoas.
Ela ainda critica o preço e a efetividade prática. Muniz calcula que uma ação como a de quinta-feira tenha custado entre R$ 350 mil e R$ 400 mil, com o pagamento das horas de trabalho dos policiais, combustível de dez blindados e helicópteros, e uso de munição.
"O saldo "não supera o custeio da operação, o custo das mortes e a perda de horas/trabalho da população sitiada pelo tiroteio."
Questionadas, as polícias Civil e Militar não responderam sobre o custo da operação. No balanço, a PM disse que foram apreendidos um fuzil metralhador .50, "utilizado para tentar derrubar as aeronaves durante as ações", quatro fuzis cal. 7.62, duas pistolas e 56 artefatos explosivos que, de acordo com a polícia, seriam empregados contra as equipes.
Também foram apreendidas 43 motocicletas que, de acordo com a PM, seriam utilizadas para causar distúrbios, desmobilizar ações policiais e propiciar a fuga de criminosos. Na favela da Galinha, próxima ao Alemão, quatro homens acabaram presos.
"Essas operações não subiram o preço da droga [provocado por grandes apreensões], o armamento não ficou escasso e a economia criminosa segue de vento em popa. Serve para a polícia de ostentação, de espetáculo, a serviço de interesses político-partidários", opina.
Ainda em sua análise, a especialista diz que a insegurança pública provocada por "tiro, porrada e bomba" é um projeto autoritário de poder. Quanto maior a promoção da insegurança, avalia, mais se multiplica o medo coletivo.
"O medo legítimo sentido pela população é péssimo conselheiro. Diante dele abrimos mão das nossas garantias individuais e coletivas em favor do primeiro aventureiro que se apresente oferecendo proteção, que, evidentemente, não é segurança."
Governos, afirma, precisam fabricar crises de segurança. E, de acordo com ela, isso ficou mais evidente nas administrações de Wilson Witzel (que sofreu impeachment) e Cláudio Castro (PL) - três das cinco chacinas mais letais da história do Rio de Janeiro são da atual gestão.
Desde que Castro assumiu interinamente, ao fim de agosto de 2020, já ocorreram 75 operações policiais com ao menos três mortos. Nessas ações, 331 pessoas morreram.
O levantamento foi produzido a pedido do jornal Folha de S.Paulo pelo Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF. O grupo considera como chacinas as operações que resultam na morte de três pessoas ou mais.
Tentando garantir a permanência no Palácio Guanabara, Castro tem adotado um discurso duro em defesa das forças policiais.
No artigo "Governando com o Crime", publicado nesta segunda-feira (25) em conjunto com a pesquisadora Fatima Cecchetto nesta segunda-feira (25) no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Muniz afirma que no Rio de Janeiro desenvolveu-se tecnologias sociais do matar e do deixar morrer que se mostraram úteis à economia política itinerante em rede do crime. "Os desaparecimentos forçados são uma delas e costumam ser subnotificados quando produzidos pelas governanças criminais", escreve.
Coordenador da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), o delegado Fabricio Oliveira disse na quinta-feira que os policiais foram violentamente atacados. Ele citou vídeos que circulam nas redes sociais mostrando rajadas efetuadas contra helicópteros das forças de segurança.
A ação na quinta-feira levou à morte do cabo Bruno de Paula Costa, 38, baleado enquanto estava trabalhando, em ataque à base da UPP Nova Brasília.
Oliveira disse que os traficantes utilizaram três tipos de tática. Primeiro, a de espalhar barricadas com fogo. Segundo, a de espalhar óleo nas ladeiras, para prejudicar a entrada de veículos.
Por último, afirmou que os criminosos lançaram mão da tática terrorista de utilizar a população como escudo humano. Segundo ele, houve registro de pedidos de traficantes para que mototaxistas e moradores simpáticos ao crime fossem às ruas fazer manifestações.
Para a professora da UFF, os suspeitos mortos na operação de quinta-feira são "operários precarizados do crime", que seriam mortos pelos "patrões" se recuassem e poderiam se transformar em delatores, caso acabassem presos. E serão repostos.
Subsecretário operacional da Polícia Civil, o delegado Ronaldo Oliveira afirmou que a polícia reage de acordo com a "ação dos marginais". "Preferia que eles não tivessem reagido e a gente tivesse prendido. Infelizmente, escolheram a reação."
De acordo com o delegado, havia mais de 30 mandados de prisão a serem cumpridos no Alemão.
A PM diz que informações dos setores de inteligência apontam que os criminosos da região do Complexo do Alemão praticam uma série de roubos de veículos nos bairros do Grande Méier, Irajá e Pavuna. "Esse grupo também é responsável por roubos a bancos e de carga, além de planejar tentativas de invasão a outras comunidades", diz trecho da nota.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta