Uma proposta de criação de um órgão central de combate à corrupção enfrenta resistências de integrantes de forças-tarefas no âmbito do Ministério Público Federal (MPF).
Pela ideia do novo órgão, batizado de Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), as forças-tarefas da Lava Jato no Paraná, no Rio de Janeiro e em São Paulo, além da Greenfield, em Brasília, passam a trabalhar vinculadas a ele.
O assunto intensificou as desconfianças por parte de setores do MPF sobre a gestão do procurador-geral da República, Augusto Aras, um apoiador da ideia, segundo mostrou o jornal Valor Econômico. As discussões em torno do projeto devem se desenrolar ao longo do segundo semestre.
Nas últimas semanas, uma crise se instalou no MPF após a ida a Curitiba da subprocuradora Lindora Araújo, coordenador do grupo de trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR) e uma das principais auxiliares de Aras.
Lindora foi denunciada à Corregedoria-Geral do MPF pelos integrantes da força-tarefa da operação de ir à capital paranaense em uma "manobra ilegal" para obter dados sigilosos de investigações sob a responsabilidade do grupo.
A proposta da Unac passou a contemplar as forças-tarefas da Lava Jato e da Greenfield (fundos de pensão) no fim de abril deste ano, quando um substitutivo ao projeto foi encaminhado por um grupo de subprocuradores ao PGR.
O texto original, de agosto de 2019, mês que antecedeu a chegada de Aras ao comando do MPF, não previa as forças-tarefas do Paraná, do Rio, de São Paulo e de Brasília como integrantes da estrutura deste novo órgão.
A Unac terá uma coordenação nacional em Brasília. O coordenador será escolhido por Aras, a partir de uma lista tríplice elaborada pelo conselho, dentre os subprocuradores-gerais da República.
O projeto prevê que a nova unidade será acionada por um procurador da República quando ele se deparar com uma grande investigação e necessite de apoio. A unidade se encarregará de viabilizar uma equipe para auxiliá-lo.
A ideia dos autores, segundo o texto que tramita no Conselho Superior, é dar "organização e racionalização do trabalho, em todos os seus aspectos funcionais e administrativos, como a flexibilidade da atuação de seus integrantes, a economia de recursos, a acumulação contínua e a preservação da experiência e do conhecimento adquiridos, a unificação de rotinas, base de dados, sistemas, e tudo que compõe a sua capacidade de inteligência".
"Consideramos que a abrangência da atuação da nova unidade deva ser não apenas o combate ao crime organizado, mas à corrupção em geral, na sua dimensão criminal e administrativa, substituindo-se, assim, de forma mais efetiva e com maior amplitude institucional, às forças-tarefas criadas para atuar em casos específicos de grande complexidade", justificam a ideia, na minuta do projeto, os subprocuradores-gerais da República Hindemburgo Chateaubriand Filho e José Adônis Callou de Araújo Sá.
Membros das forças-tarefas da Lava Jato ouvidos pela reportagem afirmam que a ideia inicial de proposta de uma unidade nacional de combate à corrupção e ao crime organizado era bem vista pelos procuradores.
Contudo, eles recuaram no apoio explícito a proposta após identificarem um movimento da cúpula da PGR para dar controle total a Aras.
Os procuradores ouvidos pela reportagem afirmam que Aras tenta centralizar informações. O objetivo seria controlar futuras ações do núcleo da investigação no Rio de Janeiro e investigar a atuação ex-juiz da operação e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
Ambos os casos têm o interesse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de seus filhos.
O projeto inicial era da subprocuradora Luiza Frischeisen e previa a implementação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado. A proposta tinha amplo apoio da Lava Jato.
Contudo, o substitutivo apresentado por Chateaubriand Filho e Araújo Sá deu ao PGR um papel de contgrolar equipes e fluxo de informações, o que desagradou as forças-tarefas.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) agendaram reuniões com as forças-tarefas e com o relator da matéria no Conselho Superior do Ministério Público Federal, o subprocurador Nívio de Freitas, para intermediar alterações no texto.
O compartilhamento de dados e a garantia da independência funcionais são os dois pontos que mais incomodam os procuradores.
A associação pediu mais tempo ao relator para analisar a proposta e sugerir mudanças, mas a entidade considera a ideia geral de criar um grupo especializado de apoio boa.
"A ANPR está aprofundando o assunto, ouvindo a opinião e as preocupações da classe. Não somos contra a proposta. Queremos, sim, aprofundar o debate e aperfeiçoá-la", afirmou Fabio George Cruz da Nóbrega, presidente da entidade.
"Por isso, pedimos mais prazo ao relator para manifestação. Os colegas também entendem ser importante a constituição de uma comissão, para estudar melhor o assunto e trazer contribuições ao seu aperfeiçoamento."
Após a crise de confiança entre as forças-tarefas e a gestão Aras, também surgiram dúvidas sobre a possibilidade de desvirtuamento da Unac.
Um dos receios é que o coordenador nacional do órgão tenha acesso irrestrito a todas as informações de investigações em andamento e que tente interferir nessas apurações, violando a independência funcional dos procuradores.
Por isso, as forças-tarefas fizeram sugestões que fortalecessem a independência da Unac.
Os subprocuradores responsáveis pelo projeto têm dito que todos os pontos serão discutidos e que o assunto só será pautado pelo Conselho Superior após se chegar a um consenso.
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