Pesquisadores da USP de Ribeirão Preto estão fazendo o primeiro teste brasileiro de uma terapia anticâncer inovadora, que modifica o DNA das células do próprio paciente para enfrentar a doença.
A abordagem, conhecida pela sigla inglesa CAR-T, foi utilizada há um mês para tratar um funcionário público aposentado de 62 anos, morador de Belo Horizonte, diagnosticado com linfoma não Hodgkin de células B. Essa forma de câncer do sangue já o tinha levado a se submeter a quatro rodadas de tratamento desde 2017, incluindo quimioterapia, radioterapia e imunoterapia, sem sucesso. Não havia mais perspectivas para o doente, considerado terminal e sofrendo com fortes dores e perda de peso.
"O filho dele me procurou porque ficou sabendo que eu tinha ganhado um prêmio da Associação Americana de Hematologia para desenvolver a CAR-T aqui", conta o médico Renato Guerino Cunha, pesquisador do CTC (Centro de Terapia Celular da USP e do Hemocentro de Ribeirão Preto). "A conversa funcionou muito bem, e tivemos tempo de preparar o protocolo de tratamento e a aprovação no comitê de ética para que ele pudesse ser tratado."
Pelo menos por enquanto, não se trata de um ensaio clínico convencional, cuja primeira fase normalmente conta com vários voluntários e tem o objetivo de testar apenas a segurança de uma nova terapia. No caso de Vamberto Luiz de Castro, o paciente mineiro, o teste se encaixa no chamado uso compassivo, aprovado quando não há outras abordagens que possam ajudar o paciente.
A sigla CAR-T corresponde à expressão "receptores quiméricos de antígenos de células T". Em essência, é um tipo de terapia mais personalizada, na qual os pesquisadores levam em conta a assinatura molecular de cada tipo de câncer, de forma a desenhar uma arma específica contra ele, explica Dimas Tadeu Covas, coordenador do CTC e diretor do Instituto Butantan.
A arma em questão são as células T da sigla, "soldadas" do sistema de defesa do organismo que têm, entre suas atribuições naturais, eliminar células cancerosas. "Elas não só liberam substâncias com essa função como atraem outras células para atacar o câncer, mobilizando todo o sistema imune", explica Covas.
Na CAR-T, busca-se otimizar essa capacidade. Algumas células T são retiradas da corrente sanguínea do paciente e modificadas geneticamente para que carreguem os tais receptores quiméricos - ou seja, que não apareceriam todos juntos em células T normais.
Esses receptores funcionam como fechaduras que podem se encaixar de modo exato em moléculas presentes apenas na superfície das células cancerosas (os antígenos). Desse modo, as células T se tornam capazes de atacar o câncer de modo específico e eficiente.
Após essas alterações no DNA, as células T são multiplicadas e reinseridas no organismo do paciente. É a parte mais delicada do processo. "De início, a única reação é uma febre bem baixa. Mas, um cinco ou seis dias depois do procedimento, vem uma reação inflamatória importante, exuberante mesmo", conta Cunha. "Foram alguns dias de UTI, sob cuidado intenso, porém adequado", afirma o dentista Pedro Castro, filho do paciente.
Por ora, os resultados, ainda que não sejam definitivos, impressionam. Todos os sintomas que marcam a doença, da abundante sudorese noturna à dor forte, sumiram. Os exames de sangue do paciente estão normais e ele começou a ganhar peso.
"O que falta para fechar o diagnóstico de remissão é o PET-CT [exame de tomografia], que deve nos dar os dados mais seguros daqui a 60 dias", diz Cunha. Mais quatro pacientes já estão na fila para receber o tratamento.
Desenvolver a CAR-T no Brasil é um objetivo considerado estratégico pelos pesquisadores por causa do grande potencial da terapia. Os primeiros usos comerciais da técnica foram aprovados há cerca de dois anos pela FDA, agência reguladora de alimentos e fármacos do governo americano, e as taxas de sucesso do tratamento, por ora, ficam em torno de 80%.
A tecnologia, porém, é cara, com tratamentos que custam centenas de milhares de dólares, o que explica o interesse de instituições públicas nacionais em dominá-la e oferecê-la por meio do SUS.
A pesquisa foi financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo ).
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