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Países adotam vapes para reduzir uso do cigarro, mas não há consenso científico

Países adotam vapes para reduzir uso do cigarro, mas não há consenso científico

Na América Latina, além do Brasil, o vape é vetado na Argentina, no Uruguai, na Venezuela e no México. Na Europa, apenas na Turquia

Publicado em 15 de julho de 2024 às 09:17

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jovem fumando vape, cigarro eletrônico
jovem fumando vape, cigarro eletrônico. (Shutterstock)

Proibidos no Brasil desde 2009, os DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar), conhecidos como vapes ou cigarros eletrônicos, são utilizados em outros países como uma estratégia de redução de danos. Os dispositivos são liberados em mais de 80 países no mundo, geralmente seguindo regras locais de concentração de nicotina, e banidos em mais de 30. Na América Latina, além do Brasil, são vetados na Argentina, no Uruguai, na Venezuela e no México. Na Europa, apenas na Turquia.

No Reino Unido (formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte), o NHS, sistema de saúde local, endossa o uso de vapes como uma forma de parar de fumar cigarros tradicionais. No site governamental, há o alerta de que eles "não são recomendados para não fumantes e não podem ser vendidos para menores de 18 anos", mas que "são muito menos prejudiciais do que os cigarros e podem ajudá-lo a parar de fumar para sempre". As pessoas interessadas podem se aconselhar com médicos do sistema sobre como seguir o tratamento.

Do outro lado do mundo, na Austrália, a comercialização de vapes com nicotina é proibida. No entanto, são regulamentados como produtos terapêuticos. O que significa que só podem ser vendidos em farmácias, com prescrição médica, para ajudar as pessoas a parar de fumar ou a controlar a dependência de nicotina.

No mês passado, o 11º Fórum Global sobre Nicotina, realizado de 13 a 15 de junho, em Varsóvia, na Polônia, debateu a estratégia de redução de danos e seus impactos na saúde e na economia. Para Gerry Stimson, cientista social de saúde pública britânico e professor emérito do Imperial College London, que esteve no congresso, a tática de trocar os cigarros convencionais pelos eletrônicos é importante para dar mais opções às pessoas que não conseguem parar de fumar mesmo utilizando terapias de reposição de nicotina, como pastilhas e adesivos que liberam a substância.

"Você precisa fornecer às pessoas outras rotas de fuga. E a evidência para os cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido, proibidos no Brasil, é que são muito, muito menos tóxicos", afirma. "A avaliação inglesa da evidência, a avaliação da saúde pública da Inglaterra, sugere que seja 95% mais seguro [utilizá-los] do que fumar, mas eu colocaria [esse valor] ainda mais alto."

Stimson se refere a uma revisão de evidências feita por especialistas e publicada em 2015, encomendada pela Public Health England (PHE), agência do Departamento de Saúde e Assistência Social da Inglaterra, que concluiu que os cigarros eletrônicos são significativamente menos prejudiciais à saúde do que o tabaco e têm o potencial de ajudar os fumantes a parar de fumar.

Entretanto, não é consenso entre pesquisadores que o uso de dispositivos eletrônicos com nicotina seja menos danoso para a saúde do que os cigarros comuns. No dia 2 deste mês, a OMS (Organização Mundial da Saúde) lançou pela primeira vez diretrizes para o tratamento contra o tabagismo, incluindo apoio comportamental a ser oferecido por profissionais de saúde e tratamentos farmacológicos. Os dispositivos eletrônicos, porém, não fazem parte das indicações.

"Os cigarros eletrônicos estão além do escopo desta diretriz porque os benefícios potenciais e os danos do uso desses produtos são complexos e são abordados em uma literatura separada. Esses produtos podem ser abordados no futuro à medida que as evidências se acumulam", afirma a organização na cartilha divulgada.

A posição atual da OMS é que os cigarros eletrônicos são considerados prejudiciais tanto para os usuários quanto para as pessoas que são expostas aos seus aerossóis. "Embora os efeitos de longo prazo na saúde não sejam totalmente conhecidos, sabemos que eles geram substâncias tóxicas, algumas das quais são conhecidas por causar câncer e outras que aumentam o risco de doenças cardíacas e pulmonares."

Estudo financiado pelo NIH (Institutos Nacionais da Saúde), nos EUA, publicado na American Heart Association Journals, mostra que o uso prolongado de cigarros eletrônicos pode prejudicar significativamente a função dos vasos sanguíneos do corpo, aumentando o risco de doenças cardiovasculares. A pesquisa indica também que os usuários crônicos de cigarros eletrônicos podem ter risco de doença vascular semelhante ao dos fumantes crônicos.

A pesquisa governamental "Hábitos de fumar em adultos no Reino Unido: 2022", divulgada em setembro de 2023, mostrou que 12,9% da população com 18 anos ou mais, ou cerca de 6,4 milhões de pessoas, fumavam cigarros, sendo a proporção mais baixa de fumantes já registrada desde o início do levantamento, em 2011.

Na Grã-Bretanha (Inglaterra, País de Gales e Escócia), 8,7% dos entrevistados da Pesquisa de Opinião e Estilo de Vida (OPN), ou cerca de 4,5 milhões de adultos, disseram que atualmente usam cigarro eletrônico diariamente ou ocasionalmente, o que representa um aumento em relação a 2021 (7,7%).

O crescimento desses dispositivos é evidente entre os mais jovens. A proporção de pessoas de 16 a 24 anos que eram usuários diários ou ocasionais subiu de 11,1% em 2021 para 15,5% em 2022. De acordo com o levantamento, a popularização do uso de cigarros eletrônicos é ainda mais notória entre as mulheres desta faixa etária (de 16 a 24 anos), que passou de 1,9% em 2021 para 6,7% em 2022.

Para a cardiologista Jaqueline Ribeiro Scholz, diretora do Programa Ambulatorial de Tratamento ao Tabagismo do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), os dados britânicos mostram que os DEFs têm conquistado cada vez mais os jovens, tendência que ela afirma ver diariamente no seu consultório.

"Atualmente, 20% dos meus pacientes são fumantes de eletrônico, alguns deles nunca fumaram cigarro convencional. Antes as pessoas que vinham até mim para parar de fumar eram mais velhas, para evitar problemas de saúde. Hoje, tenho pacientes de 18, 19, 20 anos, que chegam aqui com os pais, porque não conseguem parar de usar vapes", relata. "Como pode algo que diz ser menos danoso promover uma dependência nessa intensidade? A ponto de levar pessoas tão jovens a procurar tratamento para deixar o vício? Então, só por isso, a gente vê que essa história de redução de dano é balela."

O tratamento para parar de fumar-cigarros convencionais e eletrônicos- que Scholz oferece no seu consultório, tanto para adolescentes como para idosos, é o mesmo disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), com prescrição de pastilhas e adesivos de nicotina para superar a abstinência do início do processo.

Para Clive Bates, que de 1997 a 2003 foi diretor de ação sobre tabagismo e saúde no Reino Unido e promoveu campanhas para reduzir os danos causados pelo tabaco, e que também participou do evento em Varsóvia, a comparação entre dispositivos eletrônicos com nicotina e cigarros convencionais é falha.

"A grande diferença é tudo o que não é nicotina [presente nos cigarros comuns]. Com os cigarros, você obtém talvez 7.000 agentes perigosos na fumaça criada durante os processos de combustão, muitas reações acontecendo conforme a fumaça esfria e passa pelo cigarro. Literalmente, milhares de produtos químicos, muitos dos quais são cancerígenos ou cardiotóxicos e assim por diante", afirma.

Outro ponto destacado por Bates, no caso do Brasil, é que, com a proibição da Anvisa, a população está consumindo produtos falsificados, de baixa qualidade e que não são regulamentados, sem controle das substâncias contidas neles. Já Scholz afirma que a decisão da Anvisa foi correta ao manter a proibição. "A prática clínica mostra que a pessoa que usa vapes consome nicotina de modo desenfreado e que, quando ela tenta parar, não consegue por causa da abstinência", afirma.

A cardiologista apresentou no encontro deste ano da Society For Research On Nicotine and Tobacco (Sociedade Para Pesquisa Sobre Nicotina e Tabaco), realizado em março em Edimburgo, na Escócia, uma pesquisa que ela conduziu medindo a quantidade de nicotina da urina de 30 usuários de cigarros eletrônicos. "Em todos o resultado deu acima de 600 nanogramas, o que representa mais de 20 cigarros convencionais por dia."

Agora, ela lidera uma pesquisa em andamento, aprovada na Comissão de Ética do Hospital das Clínicas, em parceria com a Vigilância Sanitária de São Paulo, que coleta amostras de saliva de 400 consumidores de vapes em várias cidades do estado, durante grandes eventos como Lollapalooza e Festa do Peão de Barretos. A ideia é comparar a quantidade de nicotina presente nos usuários de dispositivos eletrônicos com a de cigarros convencionais. Também há um questionário sobre como os respondentes consomem nicotina e se são favoráveis à liberação dos DEFs.

"A ideia de que os eletrônicos são mais seguros do que os cigarros normais porque não há combustão é totalmente equivocada. Além de outras substâncias, os DEFs liberam uma grande quantidade de partículas ultrafinas, muito maior do que cigarros. Elas são altamente inflamatórias e vão para a corrente sanguínea, desencadeando doenças pulmonares", explica Scholz.

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