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Países veem no Brasil exemplos para incrementar sistemas de cotas

Países veem no Brasil exemplos para incrementar sistemas de cotas

Estima-se que um em cada quatro países do mundo tenha ações afirmativas na admissão de estudantes no ensino superior, de diferentes formas

Publicado em 28 de agosto de 2022 às 11:21

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PEDRO LOVISI

 Estima-se que um em cada quatro países do mundo tenha ações afirmativas na admissão de estudantes no ensino superior, de diferentes formas. Analistas ouvidos pela reportagem veem dificuldades para a realização de levantamentos abrangentes com esse escopo devido justamente à falta de consenso sobre o que pode entrar nessa categoria e como se dá a aplicação na prática.

Os Estados Unidos, por exemplo, começaram a adotar ações afirmativas em 1965, mas 13 anos depois a Justiça proibiu a implementação de cotas raciais em processos seletivos, alegando que o instrumento seria discriminatório. Hoje, centros públicos e privados de vários estados mantêm tipos diferentes de políticas de inclusão, mas sem usar sistemas de cotas ou de bônus em notas nas provas de admissão.

Os negros começam a ocupar espaços que costumam ser frequentados apenas por brancos
Os negros começam a ocupar espaços que costumam ser frequentados apenas por brancos. (Arquivo)

Como no Brasil, a discussão no país também é aquecida pela polarização política. A Suprema Corte americana —de decisões recentes de grande repercussão, como a que reverteu o entendimento sobre o direito ao aborto—, pode decidir ainda neste ano pelo fim de ações afirmativas raciais em universidades que recebem fundos do governo.

O caso chegou ao tribunal em janeiro, quando descendentes de asiáticos acusaram as universidades de Harvard e da Carolina do Norte (UNC, na sigla em inglês) de preteri-los em detrimento de candidatos negros. Com a maioria conservadora do colegiado, analistas veem como mais provável a rejeição às ações afirmativas, o que poderia gerar um efeito cascata.

Hoje, cada estado americano tem autonomia para decidir sobre o tema e, mesmo dentro de um mesmo estado, as regras podem ser diferentes entre instituições públicas e privadas. Esse nível de autonomia impede um monitoramento abrangente do modelo aplicado pelo país.

Para Erich Dietrich, professor da Universidade de Nova York, os EUA podem aprender com o Brasil nesse sentido. Ele explica, por exemplo, que as escolas americanas não costumam divulgar listas com o nome dos candidatos selecionados a partir de critérios raciais, o que impede o acompanhamento da trajetória acadêmica desses estudantes. "O Brasil tem muito mais dados e transparência", afirma.

O problema se dá também na África do Sul, que tem um sistema semelhante ao dos americanos. Desde 1997 —três anos após o fim do apartheid—, a legislação do país determina que as universidades públicas reparem desigualdades do passado. Ao contrário do Brasil, porém, o governo não estipula métodos e metas para atingir essa compensação, e as instituições adotam os próprios critérios.

Ainda assim, Teboho Moja, professora da Universidade do Cabo Ocidental, diz que as ações afirmativas na África do Sul foram capazes de mudar a aparência das universidades. "Elas não são como um sistema de cotas, nós segmentamos grupos específicos e removemos obstáculos que eles enfrentam. Quando dois alunos têm a mesma nota, o escolhido tende a ser aquele que veio de grupos marginalizados", diz.

Assim, segundo ela, instituições historicamente brancas hoje tem maioria de estudantes negros. "Isso é devido à demografia e às políticas públicas para se criar oportunidades." Os negros são quase 80% da população sul-africana.

Ainda assim, há grupos contrários a ações afirmativas no país. O mais famoso deles é o partido de direita Freedom Front Plus, que considera o sistema de seleção racista. Seu líder, Pieter Groenewald, diz que o número de graduados negros é alto e que o modelo já é descartável.

Pesquisa das professoras Laura Jenkins (Universidade de Cincinnati) e Michele Moses (Universidade do Colorado), em 2014, apontou que 23% dos países têm algum tipo de ação afirmativa em processos seletivos para o ensino superior. Destes, pouco menos da metade tem alguma legislação sobre o tema, a exemplo do Brasil.

Na comparação proporcional, a Europa é o continente que mais adota ações afirmativas, seguido por América do Norte, América Central, Oceania e Ásia. A explicação, apontam as pesquisadoras, passa pelo nível de desenvolvimento econômico dos países. Nações europeias têm índices altos de educação básica e, portanto, podem focar mais o ensino superior —situação oposta à da África. Pesa também a capacidade organizacional de grupos minoritários locais para reivindicar legislações favoráveis.

Na Índia, ações afirmativas com base em castas foram adotadas em várias esferas do país ainda em 1950, pouco após a independência. Mas só a partir de 2008 cotas em universidades foram inseridas na Constituição. Hoje, 50% das vagas no ensino superior são reservadas a castas desprivilegiadas e a pessoas pobres.

"Houve protestos pesados durante toda a trajetória de cotas na Índia. Pessoas fizeram greve de fome e até colocaram fogo no próprio corpo", explica Luiz Campos, coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), da Uerj.

Ações afirmativas no ensino superior foram alvo de discussões independentemente do país em questão, mas na maioria dos casos mostraram eficácia na mudança da aparência das universidades. No caso brasileiro, Dietrich vai além: "A política está funcionando bem e não muda apenas as universidades, mas a sociedade. Comparando, espero que possamos fazer melhor nos EUA."

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