A emergência global de saúde pública criada pelo avanço do novo coronavírus está levando ao desenvolvimento e teste de vacinas, medicamentos e diagnósticos numa velocidade sem precedentes.
De todos os testes em execução ou planejados até agora, o mais ambicioso está sendo coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e recebe o nome de ensaio Solidarity ("Solidariedade").
O objetivo é abranger alguns milhares de pacientes em diversos países -por ora, estão confirmados braços do teste clínico na Argentina, no Canadá, na França, no Irã, na Noruega, na África do Sul e na Espanha, entre outras nações.
Para desburocratizar ao máximo o início do ensaio, os hospitais que participarem oferecerão aos doentes um formulário de consentimento informado (no qual o paciente concorda em ser inserido no ensaio clínico) e, no caso dos que concordarem, a pessoa será colocada automaticamente num cadastro eletrônico da OMS.
Esse participante, então, passa a receber um dos quatro tratamentos pré-selecionados pelo teste, ou então o tratamento-padrão oferecido até agora aos infectados pelo Sars-CoV-2. A escolha da terapia específica para cada paciente será randomizada (ou seja, aleatória), procedimento feito para diminuir as chances de que haja um viés estatístico nos resultados.
Boa parte dos pacientes deve receber medicamentos que foram criados para combater outros tipos de vírus. Um deles é o remdesivir, projetado para enfrentar o ebola -e que não teve sucesso durante um surto recente da doença na República Democrática do Congo.
O remdesivir bloqueia a ação da chamada RNA-polimerase, molécula responsável por formar a fita de material genético do vírus (que é feita de RNA, molécula "prima" do DNA do núcleo das células humanas). Em testes com animais, ele apresentou eficácia contra outros coronavírus, antes que o atual aparecesse.
Dois outros fármacos incluídos no ensaio clínico da OMS são o lopinavir e o ritonavir, produzidos em grande escala desde o começo deste século como medicamentos contra o HIV, causador da Aids. Ambos barram a ação de moléculas do vírus importantes para a "linha de montagem" de suas proteínas.
No papel, seria um meio ideal de enfrentar o Sars-CoV-2, mas o primeiro teste de pequena escala, com 200 pacientes chineses, não teve sucesso. É possível que o fracasso se deva ao estado já muito deteriorado da saúde desses doentes. O teste da OMS também deverá oferecer a dupla de remédios junto com interferon-beta, substância reguladora da atividade do sistema de defesa do organismo.
Por fim, os ensaios clínicos do Solidarity também avaliarão o desempenho da cloroquina, droga normalmente empregada contra a malária.
Apesar da empolgação dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro com essa molécula, seu sucesso contra a Covid-19 está longe de ser miraculoso, ao menos por enquanto. Os relatos publicados até agora por cientistas chineses e franceses não são detalhados o suficiente para avaliar a eficácia do medicamento.
Testes com outros vírus indicam que o fármaco precisa ser usado em doses muito altas para ter efeito, com efeitos colaterais sérios, inclusive sobre o coração -que já é um fator de risco para muitos pacientes com Covid-19.
Diversas equipes de pesquisa mundo afora, seguindo a mesma lógica da OMS, estão fazendo análises virtuais de fármacos já conhecidos, verificando se sua estrutura molecular poderia bloquear a invasão do novo coronavírus nas células. Avaliações desse tipo podem acelerar a busca por remédios eficazes e que talvez já estejam em uso contra outras doenças, o que também facilitaria os testes.
O trabalho com possíveis vacinas contra o Sars-CoV-2 também acontece em ritmo acelerado. Nos EUA, uma empresa de biotecnologia e um instituto privado, com financiamento do governo federal, já estão ministrando a voluntários uma vacina de RNA, considerada bastante segura porque os pacientes não terão contato algum com o vírus real.
Em vez disso, a vacina insere um trecho do material genético do parasita nas células humanas, as quais, por sua vez, encarregam-se da produção de uma proteína viral.
Em tese, isso seria suficiente para que o organismo "achasse" que foi invadido pelo coronavírus e iniciasse uma reação de defesa, produzindo anticorpos, moléculas cuja função é neutralizar o invasor. Assim, o sistema de defesa do corpo estaria preparado para o contato com o verdadeiro Sars-CoV-2.
A mesma abordagem está sendo adotada pela CureVac, uma empresa alemã, e por pesquisadores chineses.
O problema é que ainda não houve aprovação de vacinas de RNA para uso comercial. Alguns testes indicam que a reação do sistema imune que elas conseguem provocar não seria forte o suficiente para proteger os pacientes.
Pesquisadores do Incor (Instituto do Coração, ligado à USP) estão trabalhando com uma abordagem alternativa, que usa as chamadas VLPs (partículas semelhantes a vírus). Essencialmente, são "cascas" virais, sem material genético, mas carregando proteínas do coronavírus para induzir a resposta do sistema imune.
Enquanto remédios e vacinas são testados, é crucial mapear quem já foi infectado pelo vírus e se tornou imune a ele por meio de testes relativamente rápidos e baratos. Diversos grupos de cientistas mundo afora estão trabalhando nisso, entre os quais o de pesquisadores do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe/UFRJ.
O grupo, liderado por Leda Castilho, planeja disponibilizar a tecnologia para a realização de dois testes diferentes, um deles laboratorial e outro rápido e de fácil visualização, similar a um teste de gravidez de farmácia, afirma a pesquisadora.
"Estamos fazendo o ajuste fino e validando as amostras testadas, comparando com os resultados de testes de PCR [mais caros e complexos, que identificam o material genético do vírus no sangue]", explica ela. Tais testes custariam apenas um quarto dos feitos atualmente com material genético, estima Castilho.
Se tudo correr bem, seria possível transferir a tecnologia para empresas e entidades governamentais dentro de 30 ou 40 dias.
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