Em decisão consultiva nesta terça-feira (1º), o Colégio de Presidentes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) votou favoravelmente à paridade de gênero e a cotas raciais de 15% nos órgãos da entidade.
O percentual inicial de 15% deverá ser avaliado posteriormente, a partir de um censo da advocacia. Caso o entendimento se mantenha no Conselho Federal, órgão máximo da Ordem, as regras já devem valer nas eleições de 2021 para chapas e cargos de direção da OAB.
Em meio a intensa pressão da advocacia feminina nas redes sociais, a reunião dos 27 presidentes das OABs estaduais começou pela manhã e se estendeu até a noite. A reunião foi realizada de maneira híbrida, contando com participações virtuais e presenciais.
Da diretoria da OAB Nacional, que é composta por cinco integrantes, o único que não compareceu presencialmente à sessão desta terça-feira foi o presidente nacional da Ordem, Felipe Santa Cruz.
Ao longo da sessão, houve a tentativa de condicionar a aprovação da paridade de gênero à realização de um plebiscito com toda a advocacia, e a aprovação da cotas raciais à realização de um censo da advocacia. As propostas foram barradas.
O resultado favorável à paridade de gênero, com aplicação já nas próximas eleições, foi definido com o voto de minerva de Santa Cruz. Isso porque a votação acerca da necessidade de um plebiscito estava empatada em 13 a 13, com uma abstenção.
Já a cota racial aprovada significou uma redução pela metade em relação à proposta inicial de 30% a de 15% foi apresentada durante a reunião desta terça-feira.
Havia também uma outra proposta de proporcionalidade racial, segundo a qual a composição das chapas deveria refletir de maneira proporcional a composição racial da advocacia de cada estado.
Apesar de a decisão ser consultiva, como ela envolve os 27 presidentes das seccionais da OAB, a votação é vista como representativa do que deve ser o posicionamento do Conselho Federal, que é ó órgão responsável por deliberar sobre o tema e que conta com 81 conselheiros, três de cada estado.
Para os que consideravam a possibilidade de que a implementação de cotas raciais ficasse condicionada a um censo (que não se sabe quando ficaria pronto), a aprovação de cotas de 15% válida para as próximas eleições já é vista como positiva.
No entanto, parte da advocacia negra ouvida pela reportagem considera o percentual irrisório.
Para Maíra Vida, advogada e conselheira estadual da OAB-BA, o fato de a votação não ter aprovado a percentagem de 30% "é uma demonstração de como o racismo institucional se manifesta de forma explícita e sob o manto de neutralidade e isenção".
Ela questionou também o fato de que foi cogitada a necessidade do censo para definir as cotas, já que o intuito da reserva é garantir a presença de negros frente à quase totalidade de pessoas brancas, que já ocupam a maior parte dos espaços decisórios da entidade, independentemente de haver um censo.
"Não se pode pretender vincular uma ação afirmativa de cotas para advocacia negra à realização de um censo racial, como chegou a ser arguido na sessão plenária de hoje, porque é o mesmo que presumir que brancos são a maioria da categoria profissional e não são racializados, quando são, sim, e seguem reiterando isso com a manutenção de um pacto narcísico da branquitude, como Cida Bento [diretora-executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades] denuncia", afirmou.
Um dos argumentos que reforçam a campanha por paridade de gênero na entidade são os números: as mulheres já são praticamente 50% da advocacia brasileira. Já a composição racial permanece uma incógnita, apesar de reivindicações por um levantamento já ocorrerem há alguns anos.
Vale ressaltar que as propostas de cotas não têm relação com o sistema de aprovação no Exame da Ordem (requisito para atuar na advocacia). Elas se referem somente às chapas ou diretorias que comandam a entidade nos estados e nacionalmente.
Na sessão desta terça-feira, votaram a favor da paridade de gênero com aplicacão imediata Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Votaram contra a aplicação imediata, condicionando a paridade à realização de um plebiscito, Acre, Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Roraima, Sergipe, Tocantins, Mato Grosso e Amapá. Goiás se absteve.
Com o empate em 13 a 13, o voto de minerva coube a Santa Cruz, que votou favorável à paridade com aplicação imediata e, portanto, sem necessidade de realização de um plebiscito.
Ao fim da reunião, com a repercussão negativa que o empate gerou, houve uma movimentação para que constasse que a proposta de paridade foi aprovada por unanimidade.
O que, em tese, aconteceu de fato: a proposta de paridade foi aprovada por unanimidade, mas, em seguida, votou-se se ela deveria ou não ser submetida a um plebiscito. Nas palavras de uma pessoa que acompanhou a reunião, seria o famoso ganha, mas não leva.
Se a proposta de paridade de gênero não for aprovada pelo Conselho Federal para as próximas eleições da entidade, ficam valendo as regras já existentes, que determinam uma cota de gênero de 30%, inclusive para cargos de diretoria e em cargos como titulares.
Já em relação à equidade racial, as duas principais propostas que estavam sobre a mesa tratavam de proporcionalidade racial em contraposição a cotas fixas de 30%.
No primeiro caso, em vez de um percentual mínimo fixo, as chapas deveriam corresponder à composição étnica das OABs em cada estado.
Para coibir que a inexistência do censo da advocacia fosse vista como um entrave para a aprovação da proporcionalidade, a própria proposta trouxe uma regra de transição: determinando a proporção de 30% enquanto a OAB do estado correspondente não fizer uma atualização cadastral para conhecer a composição racial dos membros.
As propostas de paridade de gênero e de equidade racial fazem parte de um pacote de sugestões de reforma eleitoral na OAB, que inclui também eleições diretas, eleições proporcionais e voto eletrônico.
Elas foram debatidas por uma comissão especial criada por Felipe Santa Cruz e que foi conduzida pelo vice-presidente da entidade, Luiz Viana Queiroz.
Parte das propostas, como é o caso das eleições diretas, depende de aprovação do Congresso Nacional, pois alteraria o Estatuto da Advocacia, que é uma lei federal.
Com uma pauta extensa, em que constavam oito itens de discussão, dos quais a reforma eleitoral era o último, a própria apreciação do tema na reunião desta terça esteve em dúvida.
Segundo relatos feitos à reportagem de pessoas que acompanharam a reunião, logo no início da sessão foi sugerido que a pauta fosse invertida, para que a reforma eleitoral fosse o primeiro tópico. Entretanto, dos 27 presidentes estaduais, apenas sete concordaram.
A negação de inverter a pauta, mantendo a reforma eleitoral como último tópico da reunião, foi vista nos bastidores como uma manobra para que os temas não fossem votados.
Ao longo da sessão, no entanto, advogadas postaram vídeos e mensagens nas redes sociais pressionando as OABs estaduais. Dos 14 itens da reforma eleitoral, além de voto eletrônico, apenas paridade de gênero e equidade racial, foram debatidos, justamente os que mais tiveram pressão nas redes.
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