A PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada pelo Senado nesta quarta-feira (22) pode ter como efeito a ampliação das decisões colegiadas dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), corrigindo um drible feito até então por integrantes da corte.
O texto, que ainda depende da aprovação da Câmara dos Deputados, estabelece que as chamadas decisões monocráticas tomadas individualmente pelos ministros - não podem suspender a eficácia de uma lei. A corte ainda pode exercer o controle do que for aprovado pelo Legislativo, mas apenas por decisão do conjunto do tribunal.
Apesar de não constar na legislação, a suspensão de leis por decisões individuais de ministros é apontada por pesquisadores da corte como um problema que se tornou crescente ao longo dos anos.
"Não há autorização expressa na lei para que os ministros decidam derrubar leis de forma monocrática", afirma Luiz Fernando Esteves, doutor em direito pela USP e professor assistente no Insper.
Segundo ele, pesquisas indicam que, em 2017, todas as 34 decisões liminares em ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) foram tomadas de forma individual e, em 2018, o número aumentou para 47.
A aprovação da PEC pelos senadores foi classificada pelos ministros como um ataque ao Supremo. O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, voltou a dizer que mudanças no regimento já haviam solucionado o problema do excesso de decisões monocráticas.
A alteração citada pelo ministro foi feita a partir da emenda regimental 58, aprovada em dezembro de 2022, na gestão da ex-ministra Rosa Weber. A partir da regra, os ministros passaram a ser obrigados a submeter suas decisões individuais ao colegiado imediatamente.
Damares Medina, advogada constitucionalista e professora do IDP, analisou todas as decisões individuais dos ministros após a mudança e afirma que a ampla maioria acabou referendada no plenário. Para ela, o uso de decisões individuais pelos ministros da corte para suspender leis representa uma correlação de forças desproporcional.
"Uma lei tem uma tramitação específica no Legislativo para ser aprovada. É no mínimo curioso que um único ministro, não eleito, possa individualmente sustar a eficácia dessas normas. Que urgência seria essa a ponto de dar tamanho poder?"
Um exemplo dos excessos do STF, diz ela, foi a decisão ainda não revista do ministro Alexandre de Moraes, que em dezembro suspendeu dispositivos previstos pela Lei de Improbidade Administrativa a partir de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público).
Miguel Godoy, professor de direito constitucional da UnB (Universidade de Brasília) e da UFPR (Universidade Federal do Paraná), cita as decisões da ministra Cármen Lúcia suspendendo a divisão dos royalties do pré-sal e a do ex-ministro Joaquim Barbosa suspendendo a reorganização da Justiça Federal como exemplos de casos que nunca foram levados ao plenário.
Godoy concorda que a motivação para a aprovação da PEC foi política, mas afirma que o texto é detalhado e busca o aperfeiçoamento da corte, ao contrário de outras propostas que já tramitam no Congresso Nacional.
"A PEC dá um passo adiante e não apenas minimiza, mas busca solucionar de uma vez por todas as disfuncionalidades do STF", afirma.
O professor Luiz Esteves, do Insper, concorda com a análise de que a mudança feita no regimento ainda não é suficiente para lidar com as decisões dos ministros.
"O ministro ainda conta com o poder de alterar o status quo de forma individual e, a depender de sua decisão, os demais ministros podem ser pressionados a mantê-la. Caso a PEC seja aprovada, esse risco será praticamente eliminado, uma vez que apenas será possível a decisão monocrática em circunstâncias excepcionais", diz Esteves.
Heloísa Câmara, professora de direito da UFPR, afirma que há uma preocupação legítima na PEC com disfunções do Supremo, mas critica o momento em que a decisão foi dada.
"As mudanças regimentais talvez não sejam suficientes, mas me parece que seria adequado aguardar mais tempo para avaliação dos resultados."
Ao avançar na pauta, o Congresso passa a mensagem de que pautou o tema como forma de retaliação à corte por suas decisões, acrescenta.
Para a professora de direito da FGV Eloísa Machado, a PEC cria um problema mais grave do que o abuso do poder monocrático no STF.
"A vedação total é prejudicial porque há um tempo para a formação da pauta dos julgamentos colegiados, tempo que pode significar a concretização de danos", afirma.
Ela cita como exemplo a aprovação hipotética de uma lei que permita a demissão sumária de professores que falem sobre gênero. "Será necessário aguardar a agenda do plenário e que nenhum dos ministros peça vista e, nesse meio tempo, a lei vai surtir efeitos. A possibilidade de o ministro decidir de forma liminar e obrigar referendo rápido dos demais integrantes do colegiado, como tem sido feito, resolve o problema."
Outro aspecto que na análise da advogada Damares Medina pode gerar discussão é sobre a competência do Senado para alterar regras internas do Supremo.
Segundo a Constituição, cabe ao tribunal o papel de estabelecer suas próprias normas, o que, segundo ela, pode gerar questionamento sobre o princípio da autonomia dos Poderes, uma cláusula pétrea da Carta.
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