Nesta segunda-feira (26), pela primeira vez a humanidade tentará mudar de forma mensurável a trajetória de um asteroide.
A espaçonave Dart (sigla inglesa para Teste de Redirecionamento de Asteroide Duplo), da Nasa, fará uma colisão com o asteroide Dimorfo, de apenas 163 metros. Ele, por sua vez, orbita outro asteroide, Dídimo, de 780 metros.
Embora a dupla esteja na lista dos chamados NEAs, asteroides próximos à Terra, e pertença à categoria dos potencialmente perigosos, ela não oferece qualquer risco imediato (entenda-se, por pelo menos alguns séculos) ao nosso planeta. Mas, por ser um astro duplo, é o alvo ideal para um teste da técnica de desvio por impacto cinético. Traduz-se do cientifiquês como "pancada com tudo". Não há detonação de uma ogiva ou algo que o valha. É só mesmo uma trombada cósmica.
Da mesma forma que acidentes de trânsito normalmente levam os veículos envolvidos a mudar velocidade e trajetória, a Nasa espera que a colisão tenha um efeito no caminho do asteroide. Como a massa da pedra gigante é bem maior que a da espaçonave, a variação de velocidade esperada seria inferior a 1%. Mas levaria a uma mudança da órbita do Dimorfo ao redor do Dídimo, acompanhada por uma alteração no período orbital --o tempo que leva para o asteroide-lua completar uma volta em torno do astro maior.
Essa mudança, por sua vez, terá de ser medida ao longo dos dias e semanas seguintes, conforme astrônomos usam telescópios em solo e no espaço a fim de verificar qual foi o impacto dinâmico no asteroide. Será a primeira vez que se testa um método que pode vir a ser usado se, no futuro, descobrirmos um asteroide em rota de colisão com a Terra.
Há modelos que sugerem como será a mudança após a colisão, mas nada pode substituir o teste real.
Até porque, fora a existência do Dimorfo, seu período orbital (11h55) e uma estimativa grosseira de seu tamanho, nada conhecemos dele. Os astrônomos sabem que ele está lá porque conseguem medir a mudança de brilho do conjunto quando a lua passa à frente ou atrás do Dídimo, com seu padrão periódico, mas jamais tiveram sequer uma imagem do Dimorfo como um único pixel.
Só durante a aproximação final da Dart será possível termos uma visão do dito cujo, revelando seu formato e sua aparência. "O teste também vai trazer informações da estrutura interna do corpo. Por exemplo: só a quantidade de detritos que forem jogados para fora devido ao impacto já traz informações sobre a parte interna", diz Othon Winter, físico da Unesp (Universidade Estadual Paulista) que não está envolvido na missão, mas estuda asteroides e estratégias de defesa planetária.
Fora a curiosidade científica básica, é muito importante saber mais sobre a estrutura interna de asteroides, porque isso afeta diretamente o resultado da tentativa de desviá-lo.
"Quanto mais denso for o asteroide, mais material ele vai ejetar. Se ele for um corpo muito poroso, vai ejetar muito pouco material --o impacto seria assimilado pelo Dimorfo, ejetaria bem pouco material e, se ejeta pouco material, é porque muito foi amortecido ali. Então a transferência de momento [grosso modo, a intensidade da força aplicada] é muito baixa e aí vai alterar muito pouco a órbita", explica Winter.
"Se, por outro lado, ele ejetar bastante material, significa que é mais denso, pouco poroso, e, consequentemente, vai produzir uma troca de momento maior, fazendo com que haja uma alteração maior na órbita do Dimorfo."
O que esperar? Os cientistas já se surpreenderam recentemente ao descobrirem que tanto o asteroide Ryugu, visitado pela sonda japonesa Hayabusa2, como o Bennu, explorado pela americana Osiris-REx, eram bem mais porosos do que o imaginado, quase como se fossem imensas pilhas de pedrinhas fracamente mantidas reunidas pela fraca gravidade do corpo.
Contudo, eles eram asteroides do tipo C (carbonáceo), e o Dídimo (bem como, presumivelmente, o Dimorfo) é de outra categoria (Xk), que é meio que um guarda-chuva para tipos mais exóticos. A "assinatura de luz" (o espectro, no jargão) sugere uma composição de silicatos (rochas) e a rápida rotação indica densidade superior às do Ryugu e do Bennu.
O que realmente será, só saberemos depois do impacto.
Um aspecto interessante da missão, que custou US$ 324 milhões (R$ 1,6 bilhão) para uma espaçonave com massa de 570 kg, é que ela transmitirá tão "ao vivo" quanto possível a fase de aproximação final, até a colisão.
O único instrumento a bordo é a câmera Draco, que registrará aproximadamente uma imagem por segundo, enviando à Terra tão rápido quanto possível. Entre o tempo de captura, processamento, transmissão, viagem pelo espaço (via rádio, à velocidade da luz, percorrendo os pouco mais de 11 milhões de km que separam a Terra do asteroide) e recebimento pelo controle da missão, terão transcorridos cerca de 50 segundos. Ou seja, é um minifilme transmitido com menos de um minuto de atraso em relação aos eventos ocorridos no espaço profundo.
É fundamental que assim seja, pois não há segunda chance --ao impactar contra a superfície a cerca de 6 km/s (ou 21.600 km/h), ela será instantaneamente vaporizada. Um nanossatélite italiano, LICIACube, viaja logo atrás e pretende registrar o momento do impacto, assim como a pluma de material ejetado da superfície do Dimorfo. Mas sua capacidade de transmissão é bem mais modesta, e espera-se que se possa baixar duas imagens por dia através dele.
Não é uma missão fácil ou livre de riscos de falha. A essa altura, a espaçonave já visualiza Dídimo, o maior dos asteroides, nas imagens da Draco. "Mas ainda não vemos Dimorfo, e não o veremos até uma hora antes do impacto", diz Elena Adams, engenheira de sistemas da missão. "E quatro horas antes do impacto a espaçonave se torna completamente autônoma."
Isso quer dizer que, desse ponto, até a colisão, a não ser que algo saia errado, não haverá interferência do controle da missão sobre a Dart, que usará seu software de guiagem automática para "encontrar" Dimorfo nas imagens e então ajustar o curso para impactar com ele.
A colisão é esperada para as 20h14 (de Brasília), e haverá ao vivo a partir das 19h.
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