Por que jovens sem histórico de doenças acabam morrendo em decorrência da Covid-19 e idosos com diversas comorbidades sobrevivem ao vírus? A pergunta intriga cientistas de todo o mundo e já vem sendo objeto de pesquisas.
Em Guarapuava, interior do Paraná, um estudo pioneiro na América Latina pretende buscar a resposta a esse questionamento analisando o DNA de pacientes. Cerca de 100 pesquisadores do Instituto para Pesquisa do Câncer (IPEC) começarão em julho a busca de fatores genéticos que expliquem os diferentes graus de evolução da Covid-19 em doentes.
O levantamento utiliza amostras de pacientes que apresentaram os três diferentes graus de manifestação do novo coronavírus: leve, moderado e grave. A variação analisada vai de infectados que desenvolveram poucos ou nenhum sintoma a partir da contaminação até os que tiveram que ser internados em UTIs com auxílio de respiradores.
A pesquisa também quer explicar a variabilidade genética do próprio vírus, para detectar sua origem comparando os resultados com outros estudos já desenvolvidas pelo mundo.
Além de tirar o foco no protocolo de tratamento dos pacientes, o estudo é inédito ao agregar o mapeamento genético do vírus e dos doentes, já que entre as pesquisas recentes abrangem apenas um dos dois cenários.
"A maioria está olhando para o vírus, mas há perguntas que não conseguimos responder só com isso, por isso a intenção de procurar fatores genéticos específicos que expliquem essa diferença", afirma o presidente do IPEC, David Figueiredo.
Da análise genética dos pacientes será possível definir, por exemplo, o que os especialistas chamam de "assinatura de genes" ou mutações e associá-las a cada grupo de sintomas.
"A partir daí, posso fazer uma análise prévia do doente para saber se a assinatura dele pode levar a um quadro grave da Covid-19", explica Wilson Araújo da Silva Jr., pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e colaborador do IPEC.
Com o detalhamento do vírus, aponta o especialista, será possível saber de onde ele veio e, assim, preparar medidas de contenção da entrada da doença no país.
Pesquisas realizadas apontam que metade dos contaminados com o novo coronavírus apresenta sintomas moderados da infecção e não precisa ser internada. Outros 30% são assintomáticos. Já entre os 20% que evoluem para a forma mais grave da doença, necessitando de cuidados hospitalares, 5% necessitam de UTI com ventilação pulmonar.
Os pesquisadores avaliam que uma das facilidades desse novo levantamento está na análise de dados retrospectivos, de eventos que já ocorreram. A expectativa de Figueiredo é de que em dois a três meses já se tenham dados genéticos do vírus que contaminou os doentes e, a partir de seis meses, dos próprios pacientes.
A princípio, serão analisadas entre 150 e 500 amostras obtidas de instituições de saúde do Paraná e de São Paulo, entre elas o Laboratório Central do Estado do Paraná (LACEN), em Curitiba. A pesquisa tem auxílio da prefeitura de Guarapuava e do governo do estado, com investimento de R$ 1,2 milhão, mas está em busca de novos apoios para ampliar os resultados.
"[O número de amostras] vai depender da seleção dos casos, que têm que preencher os critérios de inclusão para ser o projeto. Como as perguntas clínicas são relaxantes demais, partiremos delas e então buscaremos rigorosamente amostras já coletadas desde início da pandemia que preencham os critérios", explica Figueiredo.
A pesquisa é um dos primeiros trabalhos da Rede Genômica IPEC, recém-inaugurada em Guarapuava, cidade que fica a 250 km de Curitiba. Com investimento de R$ 15 milhões, o centro possui equipamentos de ponta para pesquisa genética - alguns até então inexistentes no Brasil. Além de atender o Hospital do Câncer da cidade, com pesquisas relacionadas a doença, a proposta também é de apresentar estudos que atinjam as áreas da agricultura e pecuária.
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