A ideia de encontrar uma tartaruga marinha gigante, de quase 4 metros de comprimento, não parece combinar com o cenário de montanhas rochosas localizadas na fronteira da Espanha com a França.
Estes répteis aquáticos vivem hoje em águas tropicais e subtropicais, mas não são lá muito fãs de locais mais frios. Em um período entre 83 e 76 milhões de anos atrás, porém, a região dos Pirineus era de sedimentos marinhos, e a cadeia montanhosa ocorreu após a colisão da placa ibérica com a placa do continente europeu. Com isso, os sedimentos do fundo do mar foram erguidos. Diversos fósseis de invertebrados marinhos são conhecidos da região.
Agora, cientistas da Universidade Autônoma de Barcelona, do Museu da Conca Dellá (também da Espanha) e do Departamento de Ciências Geológicas da Universidade Masaryk (República Tcheca), descreveram um fóssil de tartaruga marinha gigante, com tamanho incomum para o continente europeu, encontrada próximo à localidade de Cal Torrades, no norte da Espanha.
O artigo descrevendo o achado foi publicado nesta quinta (17) na revista especializada Scientific Reports (do grupo Nature).
Do animal fossilizado, restaram apenas alguns ossos da bacia pélvica, incluindo púbis, ílios e ísquio, e parte da carapaça. O animal recebeu o nome de Leviathanochelys aenigmatica o nome do gênero vem da mistura de "Leviatã", o grande monstro marinho do Antigo Testamento, e o sufixo "chelys", grego para tartaruga, enquanto o epíteto "aenigmatica" faz alusão às características enigmáticas do réptil.
Além do tamanho, a anatomia do novo animal surpreendeu os cientistas, que identificaram características semelhantes com de outro quelônio europeu de tamanho bem menor o fóssil Allopleuron, estimado em 1,5 metro de comprimento e a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), que pode chegar a 2,2 m, ambos parte do grupo Chelonioidea.
De diferente, Leviathanochelys apresenta uma extensão anterior do processo acetabular (que faz a conexão da cabeça do fêmur à bacia), ornamentação na superfície dos ossos (que pode indicar a presença de microvasos sanguíneos) e dois processos acessórios na região anterior da pélvis, uma característica única não encontrada em nenhuma outra tartaruga marinha, fóssil ou não.
Em relação ao tamanho, o paleontólogo Albert Sellés, autor sênior do estudo, explica que fósseis de tartarugas marinhas gigantes são conhecidos da região do Kansas, nos Estados Unidos, incluindo o maior gênero de tartaruga até hoje, do gênero Archelon, com indivíduos que atingiam até 4,6 metros de comprimento da ponta do focinho até a cauda.
"O comprimento máximo da pélvis de Leviathanochelys foi estimado em 88,9 cm, o que seria um pouco maior do que o de Archelon [81 cm]. Embora não exista uma correlação direta de tamanho da pélvis e do comprimento total, os dados sugerem que o novo fóssil podia ser tão grande quanto Archelon, chegando até 3,74 m de comprimento", disse.
Como os fósseis são de idades e, mais importante, linhagens distintas, é provável que o chamado "gigantismo" evoluiu diversas vezes no grupo que deu origem às tartarugas marinhas, segundo ele. "Não sabemos o motivo exatamente, mas a disponibilidade de alimento, competição e pressão [seletiva] de predadores podem ter atuado na seleção dos indivíduos maiores e, consequentemente, levado à evolução dos bichos gigantes", completa.
Assim, a nova espécie é diferente das tartarugas marinhas atuais e compõe o maior fóssil de tartaruga conhecido no continente europeu, e um dos maiores do mundo. Em relação à sua aparência em vida, é difícil saber como ela seria e se iria apresentar a carapaça "coriácea" característica da tartaruga-de-couro, mas mesmo isso não pode ser descartado, afirma Sellés.
"A inspiração para a reconstrução [do fóssil] pode ter sido a tartaruga-de-couro com base em um critério importante, a ausência de marcas ósseas na carapaça exterior, que só é encontrada nessa espécie. Mas não podemos descartar que evolução teria levado ao aparecimento de características semelhantes em diferentes linhagens, por isso não é possível saber se ela tinha a carapaça coriácea ou não", explica.
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