Depois das plataformas de petróleo, refinarias da Petrobras têm focos de contaminação pelo novo coronavírus, segundo sindicatos de trabalhadores da estatal. Eles denunciam surtos em unidades em Cubatão (SP), no Rio de Janeiro e em Manaus.
Citando diferenças entre as estatísticas da empresa e as apresentadas pelo MME (Ministério de Minas e Energia), os sindicatos questionam ainda os números de contaminados divulgados pela companhia, acusada de subnotificar casos e até omitir mortes.
A Petrobras diz que divulga apenas os números gerais de contaminados para resguardar o sigilo médico e que reporta somente dados de empregados. A empresa afirma ainda que tem tomado uma série de medidas para proteger os seus empregados.
Petroleiros ouvidos pela reportagem relataram situações de descasos com pessoas que trabalhavam diretamente com infectados, o que teria ajudado a propagar a doença.
Os sindicatos cobram reforço na segurança e falam na possibilidade de "greve sanitária", uma paralisação não voluntária pelo número de infectados.
"Esse tipo de relato se espalha em unidades pelo Brasil, de pessoas que não foram afastadas após contato direto com contaminados nem foram submetidas a exames. Há descuido da Petrobras com essas pessoas. Os casos estão se proliferando", afirma Deyvid Bacelar, diretor da FUP (Federação Única dos Petroleiros).
Segundo ele, sindicatos relatam seis mortos entre trabalhadores da empresa que não estariam contabilizados nas estatísticas oficiais. "Temos receio de unidades pararem. Podem parar refinarias, termelétricas. E vai parar sem organização da categoria, pela doença mesmo", diz Bacelar.
De acordo com levantamentos de petroleiros ouvidos pela reportagem, há ao menos 11 casos confirmados em Cubatão, no litoral de São Paulo, onde trabalham geralmente cerca de 1.200 pessoas.
Cinco deles estariam internados em hospitais da região, sendo três na UTI. Outros 28 trabalhadores estão afastados por suspeita de Covid-19, segundo informações do Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista.
"As medidas tomadas não foram suficientes para evitar a propagação do vírus, e os números provam", diz o diretor do sindicato Fábio Mello.
Só em um grupo de trabalho, que atua em local confinado e sem ventilação, são 16 suspeitos entre os 60 funcionários, com sintomas como tosse, febre e coriza.
"Sem falar na subnotificação nos setores terceirizados, que às vezes vão até trabalhar doentes, com medo de perder o emprego", ressalta Mello. De acordo com pessoas ouvidas pela reportagem, o surto em Cubatão começou após a confirmação de Covid-19 em um parente de um empregado.
Eles acusam a empresa de ter permitido o retorno do funcionário sem realizar exame, apesar de alertas dos colegas de trabalho. Ao mesmo tempo, outro companheiro passou a ter os sintomas e não foi dispensado.
Eles relatam medo diário e insegurança, também pela possibilidade de estarem assintomáticos e infectarem familiares em suas casas.
Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, petroleiros relatam ao menos 64 casos confirmados. Incluindo os terceirizados, o número de casos passaria de cem.
Na última terça (12), a Petrobras divulgou nota dizendo que estava iniciando a realização de testes rápidos na refinaria.
Há relatos sobre incidência da Covid-19 também em outras unidades, como as refinarias de Manaus e de Betim (MG). Nesta última, segundo o sindicato local, houve uma confirmação em trabalhador terceirizado, mas não houve testes nem isolamento de pessoas que estiveram em contato com ele.
Outra com infecção é a obra do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), onde há 34 casos confirmados entre 6.000 funcionários, considerando empregados da obra e da Petrobras, também segundo os sindicatos.
O local está com redução do efetivo para 30%, conforme determinação de decreto. A Petrobras chegou a suspender a obra, mas diz que seguiu recomendação das autoridades locais para reduzir o tráfego de trabalhadores na região.
A acusação de sindicatos é que a Petrobras vem omitindo as informações de contaminados por unidade, fornecendo apenas números globais, mesmo assim, com contradições.
Na semana passada, um balanço do MME (Ministério de Minas e Energia) falava em 806 casos. Oficialmente, porém, a estatal contabilizava na sexta-feira (15) 238 empregados contaminados.
Os números referem-se apenas aos empregados próprios e, portanto, não contabilizam os terceirizados que atuam em obras ou atividades como limpeza e alimentação nas refinarias.
À reportagem, o MME disse que o boletim divulgado na semana passada envolvia mais de 150 mil trabalhadores, diretos e indiretos, incluindo as empresas prestadoras de serviços à estatal. A Petrobras tem 13 refinarias e 91 plataformas de petróleo.
Os petroleiros reclamam da falta de informações de contaminados por unidades e sobre contaminações de terceirizados. "Como eles escondem os casos por unidades, não sabemos o que acontece e onde", afirmou Eduardo Henrique, diretor do Sindipetro do Rio de Janeiro.
Questionam ainda que as obras no Comperj serão retornadas gradativamente até o mês de junho, mesmo com a escalada da doença pelo país.
"O Comperj está em obras e não produz nada essencial. Do ponto de vista do trabalhador, a melhor opção é fazer a quarentena total. Um mês mais, um mês menos, não vai afetar o mundo nem a Petrobras falir por isso", disse Claiton Coffy, diretor da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP).
A Petrobras diz que todos os empregados em estágio ativo da doença confirmado por teste estão em isolamento e sendo monitorados por equipes de saúde da empresa.
"Adotamos medidas muito fortes no sentido de garantir que nossas instalações estejam seguras em relação a suspeitos e infectados", disse na sexta (15) em entrevista à imprensa o diretor de Relações Institucionais da companhia, Roberto Ardenghy.
Ele afirmou que o número de 800 infectados está incorreto. "E temos outra coisa importante: mais de 50% dos contaminados já estão recuperados, já voltaram às suas atividades e estão trabalhando normalmente", completou o executivo.
Questionada pela reportagem sobre o número de óbitos, a Petrobras não respondeu. Disse que vai manter em sigilo quando algum colaborador tiver confirmação ou complicações decorrentes da Covid-19 por "compromisso com o cuidado e a proteção dos nossos colaboradores, incluindo seus familiares e pessoas próximas".
A empresa apontou que está investindo R$ 30 milhões em ações de saúde e prevenção para seus colaboradores, reduziu o efetivo operacional a cerca de metade e começou a testar seus trabalhadores em refinarias.
Na semana passada, a empresa divulgou nota apontando que ampliou a testagem e disse que realizou 8.000 testes até 11 de maio, inclusive com empregados que tiveram contato com profissionais com sintomas.
A estatal ainda diz que tem atuado junto às empresas prestadoras de serviços para que as mesmas medidas sejam adotadas.
"A companhia reforça que as medidas preventivas adotadas em suas unidades -entre elas monitoramento da saúde antes do embarque ou início do turno; canais de comunicação e orientação para colaboradores; testagem de colaboradores com suspeita ou para triagem- são extensivas aos colaboradores terceirizados com a finalidade de reduzir a propagação do vírus em nossas unidades", afirmou a empresa, em nota.
"A Petrobras não tem medido esforços para enfrentar a pandemia de Covid-19, que assola não só a empresa, mas todo o país e o mundo".
A contaminação de trabalhadores pela Covid-19 chegou a paralisar operações em duas plataformas da estatal em abril, uma no litoral capixaba e outra no Rio. As unidades foram desinfectadas e voltaram a operar.
Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), até a quarta (13) havia 196 casos confirmados entre pessoas que acessaram instalações relacionadas à produção de petróleo em alto mar. Duas mortes foram confirmadas em uma embarcação de apoio a plataformas.
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