A Polícia Federal (PF) indiciou na sexta-feira (20) sete funcionários da mineradora Vale e seis da consultoria alemã Tüv Süd por falsidade ideológica e uso de documentos falsos. As duas empresas também foram indiciadas. Os crimes estão relacionados com o rompimento da barragem ocorrido em Brumadinho (MG), em janeiro desse ano. A investigação da tragédia foi desmembrada. A apuração sobre os crimes ambientais e contra a vida continuam em andamento.
Os crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso estão previstos no Artigo 69º da Lei de Crimes Ambientais. Segundo a PF, houve elaboração fraudulenta do relatório de revisão periódica de segurança de barragem apresentado pela Tüv Süd em junho de 2018 e, consequentemente, da declaração de condição estabilidade. Em setembro, a consultora alemã realizou ainda uma inspeção de segurança, gerando mais um documento que teria sido fruto de fraude.
De acordo com o delegado Luiz Augusto Nogueira, para os crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos, as provas são robustas. O relatório conclusivo desta parte da investigação foi apresentado nesta sexta-feira. Foram ouvidas 80 pessoas e realizadas 34 perícias. Nenhum dos indiciados pertence ao alto escalão da Vale.
"A elaboração dos documentos envolvidos ocorre em um nível técnico. Não chega a ser trabalhada pela gestão da empresa. Isso não exime a empresa ou os gestores pelas práticas dos demais crimes que continuam sendo investigados: os crimes contra a vida e os crimes ambientais", disse Nogueira.
Segundo o delegado, para caracterizar os outros crimes serão realizadas perícias para descobrir qual foi o gatilho da liquefação, isto é, o que fez com que o rejeito que estava sólido dentro da barragem se convertesse em fluido. Ele disse que as apurações buscarão ainda identificar condutas individualizadas de cada um dos possíveis responsáveis e também avaliar se houve dolo.
O rompimento da barragem da Vale causou ao menos 249 mortes, além da poluição ambiental e da destruição de comunidades. Ainda estão desparecidas 21 pessoas. A Tüv Süd é a empresa que assinou o último atestado de estabilidade da estrutura. O documento é obrigatório para que a barragem pudesse estar em operação.
Segundo o delegado Renato Madsen, que também integrou as investigações, não haviam elementos suficientes para que a estabilidade fosse atestada. "A investigação revelou que houve um deturpação dessa condição de estabilidade. Na verdade, a barragem não tinha a segurança que os documentos supunham. A declaração de estabilidade não deveria ter sido dada, o que acarretaria em diversas medidas a serem adotadas pelos órgãos públicos e pela empresa".
DOCUMENTOS FALSOS
A declaração de estabilidade da barragem foi assinada pelo engenheiro Makoto Namba, da Tüv Süd, e por César Grandchamp, geólogo da Vale. Os dois estão entre os indiciados. Os outros cinco indiciados da consultora alemã são André Yassuda, Arsenio Negro Júnior, Marlísio Cecílio, Ana Paula Toledo e o alemão Chris Peter-Meier. Este último é o diretor da Tüv Süd que teria dado o aval para a assinatura do documento.
"Os técnicos no Brasil fizeram os estudos e chegaram à conclusão que o fator de segurança não era o recomendado. Então consultaram a Tüv Süd sede para apresentar essa situação e perguntar se, mesmo assim, deveriam atestar a condição de estabilidade", explicou Renato Mattos.
Pela Vale, foram também indiciados Alexandre Campanha, Marilene Lopes, Felipe Rocha, Washington Pirete, Cristina Malheiros e Andréa Dornas. De acordo com as investigações, os técnicos da Vale também tinham ciência de que o documento não representava a realidade. Um painel com especialistas realizado pela mineradora em 2017 concluiu que o fator de segurança mínimo recomendável para estruturas como a barragem de Brumadinho era 1,3. Os estudos da Tüv Süd chegaram ao fator de segurança de 1,09.
Segundo os delegados, os empregados tinham o conhecimento de qual seria o mínimo adequado e, mesmo assim, agiram para que a declaração de condição de estabilidade fosse concedida. Makoto Namba, em depoimento, chegou a afirmar que se sentiu coagido por Alexandre Campanha para assinar o documento.
A PF concluiu que os problemas da barragem também eram conhecidos porque, em uma análise de probabilidade de risco de rompimento feito pela mineradora, a estrutura foi colocada em zona de atenção. Isto significa que ela superava o que a própria mineradora preconizava como aceitável.
Procurada, a Vale informa em nota que avaliará detalhadamente o inteiro teor do relatório antes de qualquer manifestação de mérito. "A empresa e seus empregados continuarão contribuindo com as autoridades e responderão às acusações no momento e ambiente oportunos", acrescenta o texto. A Tüv Süd também foi contatada, mas respondeu que não fará comentários sobre os indiciamentos.
MEDIDAS CAUTELARES
O relatório da investigação foi encaminhado na quinta-feira (19) ao Ministério Público Federal (MPF), a quem cabe denunciar os indiciados à Justiça. A PF pede medidas cautelares, proibindo os 13 funcionários de prestarem consultorias ou novos trabalhos nessa área, mas não apresentou pedidos de prisão neste momento. Alguns dos indiciados, porém, chegaram a ser presos após a tragédia. Atualmente todos estão em liberdade.
Na semana passada, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para investigar a tragédia também pediu o indiciamento de 13 pessoas. Apesar do mesmo número, nem todos os nomes são os mesmos. Na lista dos deputados estaduais mineiros, foi incluído, por exemplo, o então diretor-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, que não consta entre os indiciados da PF.
Pedidos de indiciamento também foram aprovados em CPIs no Senado e na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte.
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