Em reunião virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) terminou nesta quinta-feira, 15, o julgamento de André Oliveira Macedo, o André do Rap. Os ministros formaram maioria e concordaram com a manutenção da prisão preventiva do traficante, que está foragido. No segundo dia, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, que se tornou o decano do Supremo com a aposentadoria de Celso de Mello, se manifestaram.
O único voto contrário foi de Marco Aurélio Mello, o último a falar. Foi ele quem concedeu a liminar para a soltura de André do Rap. Em seu argumento, disse que seguiu a lei e chamou Fux de "autoritário e todo poderoso" por ter cassado a liminar. "Ele é o primeiro entre os pares, mas é igual aos outros. Quem ganha com isso? Apenas a vaidade do presidente", disse.
A crítica de Mello foi a mais pesada, mas ela já havia sido feita por outros ministros, incluindo colocações enfáticas de Lewandowski e Gilmar Mendes. Quando teve oportunidade, Fux tratou de se defender. "Não tenho nenhuma pretensão de ter superpoderes, mas tenho a pretensão de manter a imagem do STF. Era um caso excepcionalíssimo", argumentou.
Na quarta-feira, 14, o julgamento começou com Luiz Fux explicando porque havia derrubado a liminar de Marco Aurélio Mello pela soltura do preso. Na sequência vieram Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli, e todos concordaram com a decisão, mas mostraram incômodo com a decisão de Fux, presidente do STF, de derrubar a liminar de um colega da Corte.
A ministra explicou que reexaminar um caso não significa soltura automática e analisou a situação específica de André do Rap com as peculiaridades e excepcionalidades demonstradas. "Por todas essas considerações, acompanho o voto de vossa excelência na íntegra", disse, se dirigindo a Luiz Fux, presidente do Superior Tribunal Federal.
Ricardo Lewandowski - A favor
Ele iniciou explicando que iria se abster de maiores considerações sobre a periculosidade do paciente. "Vou me ater exclusivamente à questão jurídica deste julgamento", disse. E aproveitou para lembrar que o presidente do STF não pode cassar liminar de seus pares. "Somente o plenário da Suprema Corte é dado fazê-lo. Eventuais falhas devem ser corrigidas pela legislação processual adequada", explicou. "Não sou daqueles que defendem a tese de que os fins justificam os meios no Direito", continuou.
Gilmar Mendes - A favor
O ministro comentou que a "situação de extrema urgência levou o presidente desta Corte a prolatar tal decisão", mas lembrou que não é competência do presidente do STF cassar liminar concedida por um de seus pares. "A presidência não é órgão separado deste tribunal", comentou. Ao final, votou junto com a maioria. "É absolutamente evidente que diante das particularidades do caso, não recomendaria a imediata soltura do réu", avisou.
Marco Aurélio Mello - Contra
O ministro criticou Luiz Fux, a quem chamou de "todo poderoso e autoritário presidente", por ter cassado sua liminar. "O que está em jogo nesse julgamento é se o presidente pode tirar no cenário jurídico uma tutela implementada por um par. Ele não tem o poder de ser tutor ou curador de um par. Ele é coordenador de iguais", afirmou. "Continuo convencido do acerto da liminar e se alguém falhou, não fui eu. Não posso ser colocado como bode expiatório", continuou. Marco Aurélio também citou o artigo A lei não é o problema, de Notas & Informações, publicado no Estadão na quarta-feira, 14. "Não me sinto, em que pesa as inúmeras críticas, no banco dos réus", frisou.
A primeira sessão de julgamento do caso foi marcada por uma série de sinalizações importantes e diversos recados dados por ministros. Houve clara unidade entre Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli, que votaram no sentido de que o narcotraficante internacional não deveria ter sido solto.
Seguindo a decisão e o voto de Luiz Fux, eles discordaram da decisão de Marco Aurélio, baseada em uma mudança na legislação processual penal trazida pelo Pacote Anticrime que prevê a revisão das prisões preventivas a cada 90 dias, para evitar abusos.
Na prática, o entendimento que está sendo firmado é o de que os magistrados devem verificar, caso a caso, se há fundamentos para a manutenção da prisão ou não. A tese que vai se desenhando é que não pode haver uma soltura automática se passado o prazo de 90 dias. Isso deve valer não só para o caso do traficante foragido, mas deve ser levado em conta por 20 mil juízes do país - como disse Fux.
O presidente do Supremo, em suas colocações, chegou a afirmar que André do Rap debochou da Justiça, ao fugir após o habeas corpus dado pelo colega da corte. Sobre o autor da decisão, ministro Marco Aurélio, Fux evitou critica nominal, mas disse que o fundamento da soltura foi fragilíssimo.
Caso aplicado em outras instâncias o mesmo entendimento consignado na decisão liminar questionada, agentes de alta periculosidade, em relação aos quais se encontra concretamente justificada a custódia preventiva, poderão receber indevidamente o benefício da liberdade provisória, agravando o prejuízo à ordem pública social, disse Fux.
Alguns ministros, como Moraes e Barroso, foram ainda mais enfáticos. Chegaram a dizer que nem sequer era necessário, na situação de André do Rap, uma nova decisão para manter a prisão preventiva, pois ele já estava condenado em duas instâncias. Barroso propôs uma tese no sentido de que a revisão de prisões preventivas a cada 90 dias não deverá ser feita se o réu já for condenado.
Durante a sessão, os ministros não criticaram a aprovação do artigo 316 do pacote anticrime pelo Congresso, evitando assim uma queda de braços entre os poderes. O ministro Luiz Roberto Barroso chegou a dizer que o dispositivo tem a virtude de permitir que um preso não fique esquecido e que, portanto, seu advogado possa pedir a qualquer tempo que o juiz avalie a conveniência da prisão, mas a soltura automática é gravemente lesiva à ordem pública.
Sob outro ângulo, os ministros também avançaram em uma discussão sobre os poderes do presidente do tribunal de rever decisões dos colegas. Essa é a primeira vez que o plenário do Supremo discute o tema. Os ministros que votaram após Fux foram claros que essa é uma possibilidade existente, mas apenas em casos excepcionais. Na visão do ministro Edson Fachin, um presidente do STF só pode rever casos se a jurisprudência da Corte for contrária à decisão do relator original do caso.
O próprio Fux esteve de acordo e tentou demonstrar que não busca concentração de poderes na figura da presidência. Não se trata aqui de se admitir um mecanismo de uniformização de jurisprudência sob a responsabilidade da presidência, o que jamais seria admitido considerada a natureza de suas funções, disse.
Ao contrário, o presidente do Supremo demonstrou simpatia a uma mudança no regimento, que está sendo discutida internamente, para que liminares concedidas por ministros sejam imediatamente colocadas em votação em julgamento virtual colegiado (seja a turma, seja o plenário). Dessa forma, segundo Fux, há um reforço da instituição, e não das individualidades seja do relator, seja do presidente. Outros ministros elogiam a ideia.
A discussão sobre os poderes do presidente foi trazida também pela ministra Rosa Weber, vice de Fux. A ministra demonstrou certo desconforto com a decisão do ministro Dias Toffoli, que pouco antes de deixar a presidência do tribunal, em setembro, arquivou inquéritos abertos com base na delação premiada de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro.
Rosa Weber é relatora de um recurso da defesa de Cabral, que questiona se o presidente do STF poderia ter determinado arquivamento, sem ser o relator do caso. A ministra disse que pretende levar o tema ao plenário para que se fixem essas competências.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta