A descoberta recente de um esquema de manipulação nas apostas esportivas em sites colocou em xeque a reputação do setor no Brasil.
O esquema, agora investigado pelo Ministério Público de Goiás com o nome de Operação Penalidade Máxima, pagava jogadores de futebol para mudar, dentro de campo, o rumo das partidas - levando cartões amarelos, sendo expulsos ou cometendo pênaltis, por exemplo.
Embora os envolvidos na manipulação dos resultados possam responder criminalmente, o ato de apostar nesses sites, que têm se tornado cada vez mais populares, assim como disponibilizar as apostas, não é considerado crime no Brasil.
Mudanças recentes na legislação brasileira diferenciam os jogos de azar das apostas em jogos esportivos feitas online — mas, na avaliação dos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, ainda há brechas que necessitam de regras específicas.
"Originalmente, a legislação brasileira tratava todos de maneira igual. O artigo 50 da Lei de Contravenções Penais estabelece que fazer apostas é uma contravenção penal, punível com prisão simples de 15 dias a 3 meses, ou multa", diz Fabiano Jantalia, especialista em direito de jogos e bancário.
A lei considera os jogos de azar três tipos: jogos em que o ganho ou a perda dependem da sorte; apostas sobre corridas de cavalos ou apostas sobre qualquer outra competição esportiva.
"Com a criação da Lei 13.756, em 2018, uma nova modalidade de loteria foi criada, o que acarretou uma mudança na classificação das apostas de quota fixa no Brasil, que são, na verdade, as apostas esportivas, passaram a ser enquadradas como loteria, o que no Brasil é considerado um serviço público. A partir daí criou-se uma bifurcação", aponta Jantalia.
"O problema é que esta mesma lei previu a possibilidade de sua exploração, mas condicionou isso a uma regulamentação futura. E essa regulamentação, até o dia de hoje, não ocorreu. Embora tenham sido permitidas, as apostas ainda não podem ser exploradas no Brasil devido à falta de regulamentação específica."
Por falta de regulamentação específica, empresas do setor têm encontrado maneiras de evitar sanções em solo brasileiro.
"A maioria dos sites de apostas estão sediados no exterior, fazendo com que fiquem alheios à legislação brasileira, dificultando a tributação, fiscalização e até garantia de direitos dos usuários", diz Marcelo Mattoso Ferreira, advogado especialista no mercado de eSports e games, e sócio do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.
O promotor Felipe Almeida Marques, coordenador do Núcleo de Crimes Cibernéticos no Ministério Público do Mato Grosso, explica que para empresas de outros tipos de apostas, sediar empresas em outros países é uma manobra comumente adotada.
"Além de evitar a fiscalização e punição, a menor tributação em paraísos fiscais tornou esses locais mais atraentes para a instalação de cassinos e similares."
"Na verdade, esse é um movimento mundial que a legislação brasileira não está acompanhando, e não é possível vedar o acesso e a hospedagem desses sites de maneira local. Assim, resta apenas a regulamentação, a tributação e fiscalização como forma de diminuir possíveis impactos negativos."
O que o governo brasileiro avalia agora é a edição de uma Medida Provisória que consiga suprir a lacuna existente hoje, que é a falta de regulamentação pelo Ministério da Fazenda.
"Pelo que parece, o governo está estudando elevar o assunto ao nível de uma medida provisória, porque entende que são necessários aprimoramentos em relação à sanção, e a uma série de procedimentos administrativos, desde a obtenção, que vão desde a obtenção de licenças e autorizações, até mesmo as punições e possibilidade de termo de compromisso e outras ações administrativas", afirma Jantalia.
O especialista em direito de jogos descreve pontos que considera que ainda estão em falta na legislação.
Tributação
"É preciso saber como será a tributação dos prêmios dados aos apostadores que ganham, assim como quais serão as regras da tributação das casas de apostas que buscarão autorização para funcionar no Brasil", diz Jantalia.
Autorização
Outro ponto, explica o advogado, é a necessidade de definir quanto a empresa precisará pagar para ter a licença que permite acesso a esse mercado e quais tipos de documentos ela deverá apresentar.
Regras sobre jogo responsável
O conjunto de regras que vai orientar a atuação desses agentes também deve ser estabelecido pelo Ministério Público. "São necessárias regras de prevenção à lavagem de dinheiro que precisarão observar uma disciplina específica do setor, e até procedimentos de autoexclusão que visam permitir que o apostador voluntariamente se auto proíba de jogar porque ele se considera viciado."
Fiscalização
Qual será a estrutura administrativa que será criada para fiscalizar esse setor também permanece como dúvida.
"No mundo inteiro, o setor de jogos é um dos mais regulados, mesmo se comparado, por exemplo, ao setor financeiro, porque ele tem uma série de peculiaridades que precisam ser observadas. Então, a grande expectativa é como se dará esse aparato de fiscalização - se vai ser uma Secretaria, agência, autoridade nacional…", conclui Jantalia.
"É óbvio que sempre haverá tentativas e esquemas para corromper a integridade dos atuantes daquele mercado, mas o mínimo que se pode fazer é implementar mecanismos de redução desse risco e isso, via de regra, só vem com regulamentação eficiente", acrescenta Ferreira.
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