Do motim da PM no Ceará à animosidade entre a polícia e João Doria (PSDB) em São Paulo, governadores de norte a sul do país enfrentam embates com categorias policiais. A tensão se eleva em tornos de temas como reajuste salarial e condições de trabalho, mas também adentra a pauta política.
Há ameaças concretas de paralisação na Paraíba e em Alagoas. No Rio Grande do Sul, a principal queixa é a política de parcelamento dos salários, enquanto Santa Catarina debate a Previdência dos policiais civis.
Os governos do Espírito Santo e Mato Grosso do Sul negociam reajustes, e a Polícia Militar baiana aguarda um novo plano de carreira.
Em Minas, Romeu Zema (Novo-MG) propôs reajuste de 42% para os policiais, medida que foi alvo de críticas de outras categorias do funcionalismo. O estado vive uma das piores crises fiscais do país, e os professores, que ainda não receberam o 13º, estão em greve.
Em 2017, os ministros do Supremo Tribunal Federal confirmaram a proibição das paralisações de servidores que atuam na segurança pública.
Nesta quarta (19), parte do efetivo da Polícia Militar, da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros da Paraíba realizou uma paralisação de advertência de 12 horas. O movimento deixou um saldo de seis viaturas da PM danificadas em João Pessoa.
De acordo com o coronel Francisco de Assis, presidente do Clube dos Oficiais da Polícia e Bombeiro Militar, os policiais querem reajuste salarial de 24%.
Pedem ainda a incorporação ao salário da chamada bolsa-desempenho, gratificação que chega a 45% do valor dos vencimentos para aqueles que estão na rua. O benefício é pago desde 2012.
"O policial que leva um tiro e fica sem poder ir para a rua recebe como prêmio uma redução de quase metade do salário porque a bolsa-desempenho é cortada", diz Assis.
Em decisão liminar, o desembargador Leandro Santos, do Tribunal de Justiça da Paraíba, decretou a ilegalidade do movimento.
Na Bahia, após paralisação parcial da PM em outubro do ano passado, houve um acordo com o governo, que enviou para o Legislativo um projeto de lei para reorganização da carreira. A proposta foi aprovada no início do ano.
Segundo o deputado estadual Soldado Prisco (PSC), que liderou motins da PM no estado em 2001, 2012 e 2014, com o acordo, não há sinalização de protesto pela categoria.
Ele diz que os policiais aguardam desde 2014 um plano de carreira. "Mesmo sem greve, há uma 'greve branca' porque, com a demora para se cumprir algumas promessas, o policial perde o estímulo para trabalhar", afirma o deputado.
Em São Paulo, o governador João Doria anunciou em outubro um aumento salarial de 5% para as forças de segurança. A proposta ficou muito longe de atender às expectativas dos policiais, que aguardavam uma valorização histórica.
O reajuste foi considerado pelas associações de classe quase uma afronta em razão da discrepância entre a promessa de campanha, quando Doria prometeu o melhor salário do país às suas polícias, e o anunciado, que não repara a defasagem salarial acumulada há anos.
Já em Alagoas os policiais civis fizeram uma paralisação parcial nesta semana, mas afirmaram que vão trabalhar durante o Carnaval. Na quarta-feira de cinzas, contudo, devem parar novamente.
O ensino superior é obrigatório para ingressar na Polícia Civil de Alagoas desde 2007. A categoria reclama, porém, que o salário inicial é menor do que o dos policiais militares com ensino médio.
"Se não tiver diálogo, pode acontecer o que aconteceu no Ceará. A gente tem receio que o governo faça o mesmo que lá [sobre a reação de Cid Gomes, que, contudo, não faz parte da gestão estadual]. Se fizer isso, vamos tratar na mesma moeda do pessoal lá [com tiros]", diz Ricardo Nazário da Silva, presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Alagoas (Sindpol-AL).
No Rio Grande do Sul, o principal ponto de insatisfação é o pagamento dos salários de maneira parcelada, que ocorre há cinco anos. Em dezembro, a categoria fez um protesto no centro de Porto Alegre.
Na vizinha Santa Catarina, os policiais civis se dizem prejudicados pela sanção de Jair Bolsonaro (sem partido) à Previdência dos militares. Até então, os salários das categorias eram indexados.
Eles pedem que o governo estadual aprove sua própria lei sobre o tema, igualando as polícias.
No Espírito Santo, o clima de tensão entre policiais e governo continua desde que foi enviada proposta de reajuste salarial da categoria ao Legislativo, no último dia 7. A principal reivindicação é pela restituição de perdas remuneratórias acumuladas nos últimos quatro anos.
Com ameaças de paralisações, na terça-feira (18), o Ministério Público estadual emitiu uma recomendação aos sindicatos e associações para que a categoria não realize atos que possam comprometer a ordem pública.
O estado já viveu uma greve policial de 21 dias em 2017. No período, foram registrados 225 homicídios.
Em Mato Grosso do Sul, os militares pedem reposição salarial e afirmam que os vencimentos estão defasados há cinco anos. Em 2019, paralisaram o trabalho por 24h.
Casos de repressão aos policiais manifestantes e violência por parte da própria categoria, como se viu no Ceará, levantam questões sobre cidadania dos militares.
"A cidadania do policial militar tem sido negada, efetivamente. É evidente que profissionais com formação deficiente e uma história de violência manifestem essas características também quando reivindicam melhores salários", afirma Marcos Rolim, doutor em sociologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O governo do Espírito Santo afirma que diversos pleitos da categoria foram atendidos, como a anistia administrativa aos policiais que respondiam processos abertos em 2017 e a reestruturação da lei de promoção de praças e oficiais.
O Gverno da Paraíba informou que está mobilizado para chegar a um acordo com os policiais por meio do diálogo.
Por nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul disse que "vem buscando um acordo com os servidores".
O governo de Santa Catarina afirma que as negociações estão em andamento e que tenta equalizar as reivindicações e "com o necessário equilíbrio orçamentário e financeiro."
O Governo de São Paulo disse que não há embate com as forças de segurança e que tem "um diálogo em relação às justas reivindicações salariais da categoria e a capacidade financeira do Estado".
A Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio (Seplag) de Alagoas informou que "até o momento, não recebeu reivindicação da categoria em questão".
?Sobre o parcelamento de salários, a Secretaria de Segurança Pública do RS afirma que não são apenas os militares os atingidos, "mas todos os servidores do Executivo, em razão das dificuldades fiscais enfrentadas pelo Estado". A pasta também afirmou que as categorias da segurança "foram uma das únicas que receberam reajuste nos últimos anos".
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