Conteúdo verificado: Tabela escrita à mão compara o preço do botijão de gás com o valor do salário mínimo entre 2001 e 2021. Na imagem, o texto diz “nunca tivemos gás barato no Brasil” e pergunta “mas a culpa é do Bolsonaro?”.
É enganosa uma tabela que circula pelas redes sociais e traz uma comparação, escrita à mão em uma folha de papel, entre o preço do botijão de gás e o valor do salário mínimo entre 2001 e 2021. A imagem tem alguns dados imprecisos e compara o preço médio do gás de cozinha em meses diferentes dependendo do ano, o que distorce a avaliação, segundo economistas ouvidos pelo Comprova. Além disso, o conteúdo, que circula há alguns meses, traz valores desatualizados para o caso de 2021.
A tabela, postada em páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, em uma aparente tentativa de defendê-lo diante da alta de preços do produto, também não leva em consideração o contexto econômico, no Brasil e no exterior, que resultou nos preços do gás. Segundo os analistas ouvidos pelo Comprova, nisso estão incluídos desde o preço internacional do petróleo, do qual o gás é um derivado (Gás Liquefeito de Petróleo, ou GLP), até a política de valorização do salário mínimo brasileiro nas duas primeiras décadas dos anos 2000.
O Comprova procurou a página Direita Alagoas, que publicou o conteúdo no Instagram, mas não teve retorno. A imagem, porém, já circula na internet, pelo menos, desde fevereiro deste ano.
A publicação foi classificada como enganosa nesta checagem porque usa dados imprecisos e confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Inicialmente, o Comprova buscou informações sobre a evolução dos valores estipulados para o salário mínimo na tabela disponível no site do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Na sequência, checamos o preço dos combustíveis por mês desde o ano de 2001, consultando a tabela da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), órgão responsável pela fiscalização de combustíveis.
Com essas informações, o Comprova levantou os valores médios do salário mínimo e do GLP de uso doméstico nos últimos 21 anos para montar uma tabela no mesmo esquema da publicação. Também foi realizada uma comparação simples entre o preço médio do botijão nos meses de agosto de cada ano, corrigindo os valores pela inflação com o auxílio da calculadora do Banco Central.
Para verificar a origem da tabela compartilhada na publicação do Instagram, o Comprova entrou em contato com o perfil Direita Alagoas, mas não houve retorno.
A partir de buscas reversas da imagem nas redes sociais e da busca dos termos “refrescando a memória”, vistos no canto superior da imagem, conseguimos encontrar no Facebook uma publicação que teria originado a captura de tela compartilhada pelo Direita Alagoas.
O objetivo era verificar se a origem da publicação teria vindo da rede. Entre as últimas imagens que aparecem mediante a busca está a publicação que viralizou. Descobrimos que a postagem foi feita originalmente em 15 de junho de 2021, mas que a imagem utilizada nela circulava há cerca de sete meses na internet. Esse perfil também não retornou ao contato do Comprova.
Por fim, entrevistamos Ecio Costa, professor de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e consultor da Cedes Consultoria e Planejamento, e Ademilson Saraiva, assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Pernambuco (Fecomércio-PE).
Entre julho de 2001 (começo da série histórica de preços dos combustíveis da ANP) e agosto de 2021, a relação entre o preço do gás de cozinha e o salário mínimo variou entre 5,67% e 14,67%. A mínima aparece em janeiro de 2015, enquanto a máxima diz respeito a janeiro de 2003. Atualmente, o percentual de participação de 8,50% do salário mínimo é o mais desfavorável desde fevereiro de 2008.
Ao alegar que “nunca tivemos gás barato no Brasil” independentemente do governo, o post ignora a evolução desse dado no período. Depois de cair continuamente entre 2004 e 2012, o percentual ficou estável até 2017. Em 2018, houve uma subida acentuada. Os primeiros dois anos do governo de Jair Bolsonaro tiveram uma leve tendência de queda, que é revertida e agora chega aos patamares de 2007.
Como aponta uma reportagem recente do UOL, essa análise desconsidera a inflação geral no Brasil, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Outra forma de avaliar se o preço do botijão está caro ou não em relação a outros anos é pela simples cotação média do produto — mas, nesse caso, é preciso corrigir os valores pela inflação para que a comparação seja justa.
Em julho de 2001, por exemplo, o botijão custava R$ 17,19 em média para os brasileiros, mas representa R$ 58,28 atualmente em valores corrigidos, porque o poder de compra é diferente daquela época. O Comprova levantou os valores médios para o mês de agosto dos últimos 21 anos, e os dados aparecem no gráfico a seguir. A correção monetária pelo IPCA foi feita por meio da calculadora do Banco Central. A cotação atual está 29,6% acima da média entre os valores.
A tabela que circula nas redes sociais apresenta dados imprecisos. O salário mínimo, por exemplo, é informado incorretamente nos anos de 2012 e 2019. Já o comparativo anual do preço do gás de cozinha não segue uma lógica de acordo com os dados oficiais da ANP.
Cinco dos valores sequer aparecem na série histórica, enquanto os demais se referem a diferentes meses a depender do ano analisado — abril (duas vezes), maio, junho, julho (duas vezes), outubro (quatro vezes), novembro e dezembro (cinco vezes). Três foram arredondados incorretamente para baixo.
O caso mais fora da curva é 2016, em que é mencionado um preço de R$ 63,21, quando a média mensal mais alta daquele ano havia sido de R$ 55,61. Já o preço médio para 2021 é apontado como sendo R$ 85, o que reflete o fato de que o conteúdo viral circula há meses na internet. Em agosto, a ANP constatou uma cotação média de R$ 93,48 no Brasil.
O professor de Economia da UFPE Ecio Costa disse ao Comprova que é possível comparar a proporção entre o custo do gás de cozinha e o valor do salário mínimo, desde que se use sempre o mesmo período de comparação. Como o salário mínimo é reajustado anualmente, seria necessário pegar o valor do GLP sempre do mesmo mês (acompanhando o reajuste a cada 12 meses), para que a comparação seja mais precisa.
“Se você colocar o recorte com mais tempo, você vai ter uma elevação percentual em relação ao salário mínimo que provavelmente ficará muito alta. Tudo é uma questão de recorte de tempo e como você olha para lhe mostrar o que interessa mostrar”, adverte.
De acordo com os dados do Ipea, o salário mínimo foi reajustado em momentos diferentes ao longo dos últimos 21 anos, mas sempre no primeiro semestre. Desde 2010, o reajuste é aplicado em janeiro. O Comprova comparou os números relativos a agosto porque esse é o dado mais recente disponível no levantamento de preços da ANP. Nesse período, o salário mínimo já estava ajustado em todos os anos.
Vale lembrar que a cotação do produto ainda varia entre as localidades consultadas pela ANP, que reúne dados de mais de 15 mil postos atualmente. Em agosto, por exemplo, o preço do produto variou entre R$ 66 e R$ 130 em todo o Brasil. A agência governamental oferece um levantamento semanal por estado e município em seu site para acompanhamento da população.
Dois economistas ouvidos pelo Comprova afirmaram que, além da comparação percentual, a análise sobre o impacto do preço do botijão de gás no salário mínimo precisa levar em consideração o contexto que levou a esses valores, incluindo aí medidas de política econômica interna e externa.
“Lá atrás, alguns índices, como combustível e energia elétrica, eram represados pelo governo federal, e isso prejudicou muitas empresas do setor. Quando houve a mudança para adoção de preços internacionais, aí é que a gente começou a ter variações mais altas desses preços nos combustíveis, o que inclui o gás”, lembra Ecio Costa. “Não necessariamente é uma culpa de Bolsonaro. Você tem uma elevação de preços dos combustíveis e do gás natural que vem do cenário internacional. O câmbio pode trazer influência sobre esses preços”, explica.
Para ele, como os combustíveis como a gasolina e o gás são negociados internacionalmente, a disparada do dólar traz impactos sobre o preço que é pago no Brasil. “O que ajudaria a melhorar muito? Mais concorrência. Maior abertura para que se tenha mais empresas querendo investir aqui. Também mais certeza jurídica, menos conturbação política como essas que estamos vivendo”, diz. Além disso, ele entende que uma reforma tributária poderia ajudar a reduzir os impostos sobre os combustíveis, tornando-os mais baratos para o consumidor final.
Ademilson Saraiva, economista da Fecomércio-PE, afirma que o preço do botijão de gás é um dos custos mais relevantes no orçamento familiar e, portanto, afeta imediatamente a percepção das famílias quanto ao poder de compra da renda domiciliar. “Entretanto, fatores diversos impactam, e alguns peculiares, esses dois preços no mercado. No caso do preço do botijão, além do aumento dos custos ao produtor, das margens de distribuição e revenda, pesam as oscilações do preço internacional do petróleo (do qual o GLP é um derivado), atreladas à alta do dólar”, ressalta.
“Apesar de o preço médio do GLP como proporção do salário mínimo estar substancialmente menor hoje quando comparado ao início dos anos 2000, é importante considerar que nesse mesmo período as políticas de valorização do salário mínimo, realizadas em governos passados, foram essenciais para manutenção do poder de compra”, ele afirma. Segundo Saraiva, se compararmos o preço médio do gás de cozinha e o valor do salário mínimo entre julho de 2002 e de 2021, corrigindo esses valores pela inflação, as variações serão de 13,2% e 78,3%, respectivamente.
Como o Comprova mostrou em outra checagem, o preço do gás de cozinha — como é popularmente conhecido o GLP de uso doméstico, comercializado em botijões de 13 quilos — varia conforme diversos fatores presentes na sua composição. A cotação depende da produção, do transporte, da comercialização e dos impostos que incidem sobre a cadeia.
A Petrobras mantém uma página atualizada com informações sobre a composição do preço médio do gás no Brasil. De acordo com a empresa, ela responde por 50,1% do valor do produto, enquanto 34,3% se referem ao segmento de distribuição e revenda e 15,6% é o custo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo estadual. Os impostos federais — PIS/Pasep, Cofins e Cide — estão zerados atualmente. Os dados foram coletados entre 29 de agosto e 4 de setembro.
A ANP também disponibiliza um levantamento consolidado, detalhando os números pela média praticada em cada estado, em formato de tabela. A data de apuração mais recente é julho deste ano, portanto, antes da medição da Petrobras. A composição do preço médio no Brasil naquele momento era a seguinte: 49,9% da Petrobras, 14,2% de ICMS, 11,4% em margens de distribuição e 24,5% em margens de revenda.
Desde o começo do ano, o produto acumula alta de 16,96% — passando de uma média nacional de R$ 74,75 em dezembro de 2020 para R$ 87,43 em julho de 2021, segundo dados da ANP. O principal motivo da alta é o preço de refinaria, com a Petrobras cobrando R$ 9,80 a mais no período, crescimento equivalente a 28,9%. A empresa justificou os reajustes por conta da variação no preço do petróleo no mercado internacional e pela taxa de câmbio.
O ICMS, que é cobrado de acordo com um percentual sobre uma estimativa do preço final ao consumidor, acompanhou a alta no preço do botijão. A arrecadação sobre o produto era 16,94% maior, em média, no mês de julho. As alíquotas variam entre os estados. No segmento de distribuição e revenda, o preço médio subiu 3,3% e 16%, respectivamente. Já o corte do imposto federal decretado por Bolsonaro em março desonerou a cadeia em exatos R$ 2,18, porque o PIS/Cofins era fixo.
O Comprova entrou em contato com o perfil do Instagram Direita Alagoas, página que compartilhou o conteúdo verificado, e questionou a origem da publicação e dos números apresentados na imagem. A página não respondeu até a publicação desta checagem.
Não conseguimos localizar a origem da imagem, que mostra uma tabela escrita à caneta numa folha de caderno. A mesma imagem já havia circulado no Facebook, em junho, e no Reddit, em fevereiro deste ano.
O Projeto Comprova checa conteúdos de redes sociais sobre políticas públicas do governo federal, eleições e pandemia que alcancem uma grande repercussão.
A publicação compartilhada no Instagram a partir de uma reprodução original do Facebook desinforma ao fazer uma comparação com dados imprecisos e valores incoerentes tanto para o valor do salário mínimo — como nos anos de 2012 e 2019 que aparecem na imagem — quanto para o preço do gás.
Além disso, mesmo que a peça esteja circulando há mais de sete meses na internet, perfis nas redes sociais compartilham como se mostrasse o cenário atual de preços, o que não é verdade.
Outros veículos e agências de notícias realizaram levantamentos no mesmo sentido, como o UOL, que comparou o salário mínimo e o preço do gás e a AFP, que classificou como enganoso o conteúdo de um meme que relacionava o valor do gás entre 2001 e 2021.
O Comprova também havia feito uma primeira checagem sobre uma postagem que enganava ao afirmar que o preço do gás só não caiu de forma significativa por conta dos governadores.
O presidente Jair Bolsonaro tem recebido críticas quanto ao processo inflacionário do País. Em agosto, ele reconheceu que o acumulado em 12 meses era um “número grande”, mas atribuiu a culpa ao isolamento social praticado durante a pandemia de covid-19, o que é contestado por economistas.
Sobre a alta no preço dos combustíveis, costuma atacar os governadores por conta da cobrança de ICMS. Recentemente, Bolsonaro entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Congresso edite uma lei obrigando os estados a adotarem alíquota única do imposto sobre esse tipo de produto.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
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