Conteúdo verificado: Postagem publicada pelo site Gazeta Brasil indicando que o Governo Federal liberou R$ 12 milhões para família poder comprar um remédio para tratar criança com atrofia muscular espinhal (AME).
É enganosa uma postagem do site Gazeta Brasil em sua página no Facebook a respeito de um repasse feito pelo governo federal à família de uma garota que sofre de atrofia muscular espinhal (AME) e que precisava de um tratamento médico avaliado em R$ 12 milhões. O repasse, de fato, foi feito, mas ocorreu após ordem judicial da qual o governo recorreu e foi derrotado, o que foi omitido no texto. A omissão da informação levou muitos leitores a interpretarem o repasse como uma ação voluntária da União, o que não é verdade.
O recurso do governo foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e tinha o objetivo de não realizar o pagamento. Em um primeiro momento, o STF acatou os argumentos da União, mas posteriormente voltou atrás na decisão e decidiu que o governo deveria pagar o tratamento para a menina. A primeira decisão favorável à menina é de março deste ano, mas por conta dos recursos o dinheiro só foi transferido entre o final de agosto e o início de setembro.
Procurada, a Gazeta Brasil afirmou que a matéria teve como base uma outra reportagem, de título parecido, feita pelo jornal Metrópoles e que não suprimiu a informação sobre a decisão judicial. O objeto da verificação feita pelo Comprova é, no entanto, a publicação no Facebook do portal, que não faz referência às decisões judiciais. Devido a isso, várias pessoas acreditaram se tratar de um ato de caridade direto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como pode ser observado na imagem abaixo.
As informações foram verificadas pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos de imprensa do Brasil para combater desinformações e conteúdos enganosos na internet. Participaram das etapas de checagem e de avaliação da verificação jornalistas de A Gazeta, piauí, Estadão, Folha de S. Paulo, Jornal do Commercio, SBT, Gaúcha ZH e UOL.
Iniciamos a verificação por meio de uma pesquisa no Google sobre o caso da menina. Assim, chegamos a diversas reportagens, entre elas as publicadas pelo jornal Correio Braziliense e pelo site G1 do Distrito Federal.
Baseados nas informações encontradas, acessamos a página do Fundo Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde. Nela é possível verificar todos os repasses feitos pelo governo federal. Assim, localizamos as datas dos repasses feitos à família.
No detalhamento dessas transferências, consta o número do processo judicial. Em consulta ao site do Supremo Tribunal Federal (STF), instância em que o processo também tramitou, o Comprova conseguiu identificar o advogado da família. Os telefones dele foram obtidos por meio de uma pesquisa no Cadastro Nacional dos Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em contato com o advogado, conseguimos os números de todos os processos em primeira e segunda instâncias, acessíveis em consulta à ferramenta Processo Judicial Eletrônico (PJe) do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). No Sistema Eletrônico de Informações também é possível consultar o processo administrativo do Ministério da Saúde
Segundo informações divulgadas em reportagens, o pagamento dos R$ 12 milhões havia sido realizado em dois depósitos: um de cerca de R$ 10 milhões e outro de aproximadamente R$ 2 milhões. O primeiro datava no mês de agosto deste ano.
Com esses recortes, por meio da consulta a repasses por dia na página do Fundo Nacional de Saúde, foi possível verificar que o primeiro repasse do Ministério da Saúde à família aconteceu no dia 17 de agosto, na quantia de R$ 10.008.250. Já o segundo ocorreu no dia 25 de agosto, no valor de R$ 1.991.750.
A família confirmou o recebimento dos valores. Em entrevista ao Projeto Comprova, a servidora pública Deilla Macedo Lima, mãe da criança, contou que esses depósitos foram efetuados em conta judicial no mês de agosto; e em setembro, logo em seguida, transferiram para a minha conta corrente.
Considerado o medicamento mais caro do mundo, o Zolgensma foi registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no dia 17 de agosto deste ano. Segundo o próprio laboratório Novartis, que fabrica a droga, este é o primeiro passo para a comercialização no Brasil. Porém, a aprovação de preço na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) deve acontecer apenas nos próximos meses.
Atualmente, o remédio injetável é fabricado nos Estados Unidos e comercializado no próprio país, além de Japão e Europa. Para justificar o alto valor de compra, o fabricante esclareceu que o método reflete décadas de pesquisas científicas, investimentos em cadeia logística e manufatura em larga escala. Bem como custos diretos e indiretos com capacitação de centros de referência, hospitais e profissionais de saúde.
No entanto, a cifra milionária já foi abordada e criticada em artigo publicado pela Fundação Oswaldo Cruz, em 27 de maio do ano passado. Coordenador do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (NAF/ENSP), Jorge Bermudez afirmou que cada vez mais as grandes empresas farmacêuticas estabelecem preços fictícios, havendo uma diferença muito grande entre custos e preços.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença genética que interfere na produção de uma proteína pelo organismo. Sem ela, os neurônios motores morrem e os portadores vão perdendo a capacidade de se mover e utilizar os músculos. Isso afeta os movimentos, incluindo a mastigação e a respiração.
Degenerativa, a doença rara tem incidência de um caso para cada 6 a 11 mil nascidos vivos. Conforme a própria bula do remédio Zolgensma, ele precisa ser aplicado em crianças com até dois anos de idade. A menina que receberá o tratamento está, atualmente, com um ano e dez meses, de acordo com o próprio pai.
Procurada, a Gazeta Brasil afirmou que a matéria em questão teve como base a reportagem de título parecido, feita pelo jornal Metrópoles e que ela não é enganosa, porque consta a informação da Justiça. Porém, diferentemente do Metrópoles, o texto cita a decisão judicial apenas no final do terceiro parágrafo, em vez da primeira linha da reportagem. A informação relativa às decisões judiciais também não aparece na publicação da Gazeta Brasil no Facebook.
Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos relacionados à covid-19 e a políticas públicas do governo federal. Informações falsas ou enganosas como a checada acima são prejudiciais à sociedade e contribuem para uma interpretação distorcida da realidade.
Comentários do post mostram que internautas entenderam como uma boa ação o pagamento dos R$ 12 milhões à família, em vez de compreenderem que se tratava do cumprimento de decisão judicial da qual o governo chegou a recorrer. Até a tarde de 17 de setembro, a notícia tinha 300 interações no site, além de quase 7 mil compartilhamentos nas redes sociais, incluindo Facebook e Twitter.
A ação judicial aberta pela família e o recurso apresentado pelo governo são parte de um fenômeno conhecido como judicialização da saúde. Ele se dá quando os cidadãos acionam judicialmente, ou um plano de saúde ou a União, para obter acesso a tratamentos, algumas vezes de alto custo.
Quando o governo é obrigado a financiar determinados tratamentos, como o deste caso, os recursos precisam sair de outros pontos do orçamento, criando uma oposição entre direitos individuais e direitos coletivos. De acordo com um levantamento feito em 2019 pelo Insper para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2009 e 2017 o número de processos em primeira instância relacionados à saúde aumentou 198%.
Enganoso, para o Projeto Comprova, é um conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
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