Perfil no Twitter levanta suspeitas sobre a decisão dos técnicos da Anvisa de não liberar para aplicação no Brasil a vacina russa Sputnik V. O tuíte diz que a decisão tem motivação política e faz uma comparação com a liberação de agrotóxicos no país.
A Gerência-Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, entretanto, afirma ter identificado falhas no desenvolvimento do produto, nas três etapas dos estudos clínicos, além de ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia. Segundo o órgão, as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação, o que poderia acarretar infecções em seres humanos.
Dois especialistas ouvidos pelo Comprova avaliam que a agência brasileira se baseou em critérios técnicos para a decisão, descartando haver motivação política.
Em transmissão realizada no dia 29 de abril, a Anvisa apresentou documentos enviados pela Gamaleya, empresa responsável pela vacina, e trechos de uma reunião entre os brasileiros e os russos na qual foram apontadas as dúvidas, acrescentando que estas não foram respondidas. A agência brasileira afirma, ainda, que a decisão não é definitiva e que a empresa russa pode enviar mais dados e informações a qualquer momento.
A publicação no Twitter compara a liberação de vacinas com a de agrotóxicos. De fato, o Brasil autorizou o uso de substâncias que são proibidas na União Europeia, como o caso do herbicida Piroxassulfona, um ingrediente ativo inédito. As áreas técnicas responsáveis pelas liberações, entretanto, não são as mesmas. Além disso, a Anvisa não é o único órgão responsável pelos agrotóxicos, conforme o Decreto nº 4.074/02, que regulamenta a Lei dos Agrotóxicos (Nº 7.802/89).
O Comprova procurou o usuário que fez a publicação, mas até o momento não obteve retorno.
O Comprova conversou com a pesquisadora Ethel Maciel, pós-doutora em Epidemiologia pela Johns Hopkins University e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e com o fundador e ex-diretor da Anvisa, o médico e professor da USP Gonzalo Vecina Neto, além de ter consultado um artigo assinado pela microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, e pelo jornalista Carlos Orsi na revista Questão de Ciência.
Também foram examinadas as notas à imprensa emitidas pela empresa responsável pela vacina Sputnik V e pela Anvisa. O órgão brasileiro foi procurado e não deu retorno às questões específicas do projeto, mas direcionou para um pronunciamento realizado na tarde do dia 29 de abril, que foi acompanhado pelos verificadores. Ainda foram consultadas legislações e as liberações de agrotóxicos nos dois últimos anos, verificando se há relação entre elas e a liberação de vacinas. O projeto tentou contato, por fim, com o responsável pela publicação, mas não obteve retorno.
No dia 26 de abril, a Diretoria Colegiada (Dicol) da Anvisa decidiu, alegando falta de dados consistentes e confiáveis, não autorizar a importação da vacina russa Sputnik V. O Comprova buscou as justificativas junto à Anvisa, mas o órgão não deu retorno. Buscou-se, então, as notas emitidas pela agência.
Segundo a Anvisa, a decisão foi tomada com base em dados levantados e avaliados pelas equipes técnicas das gerências-gerais de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS) e de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON). Também participaram do levantamento de informações a Gerência-Geral de Portos, Aeroportos e Recintos Alfandegados (GGPAF) e a Assessoria de Assuntos Internacionais (Ainte).
A Gerência-Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos afirma ter identificado falhas no desenvolvimento do produto, nas três etapas dos estudos clínicos, além de ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia. Segundo a Anvisa, as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação, o que poderia acarretar infecções em seres humanos.
“Esse aspecto foge dos padrões de qualidade recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Medicamentos para Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH), seguidos pelas principais agências reguladoras do mundo, incluindo a Anvisa”, diz o posicionamento da agência.
A Anvisa aponta, ainda, ter identificado estudos de caracterização inadequados da vacina, ausência de validação/qualificação de métodos de controle de qualidade, ausência de testes de toxicidade reprodutiva e outros aspectos.
No dia 29 de abril de 2021, após o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), responsável pela produção e distribuição da Sputnik V, ter ameaçado processar judicialmente a agência brasileira, acusando-a de ter espalhado “informações falsas e imprecisas intencionalmente”, a Anvisa fez pronunciamento para tratar especificamente de adenovírus replicantes, transmitido pelo YouTube.
Antônio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, declarou que as informações sobre a presença de adenovírus replicantes constam dos documentos entregues à Anvisa pelo próprio desenvolvedor da vacina Sputnik V. Ele também negou qualquer motivação política para a não liberação, declarando que o trabalho dos técnicos foi norteado pelas informações recebidas, pelas pesquisas efetuadas e pelas viagens feitas, destacando que a decisão não é definitiva. Por fim, acrescentou que se trata de um retrato temporal, que pode ser modificado com dados revistos, corrigidos e reapresentados.
Ainda na apresentação, o gerente-geral de Medicamentos, Gustavo Mendes, apresentou prints contendo parte dos dados recebidos pela agência e que, segundo ele, foram essenciais para basear a decisão da Anvisa.
No dia 23 de março, a Anvisa se reuniu com os representantes da vacina no Brasil e na Rússia para discutir a questão. A reunião foi gravada em vídeo e partes dela foram transmitidas no comunicado deste dia 29. Há trechos da reunião em russo e que não foram traduzidos e, conforme a Anvisa, após o encontro foram enviadas exigências com pedidos de respostas para as dúvidas.
No dia 26 de março houve retorno, mas este não continha as respostas para as questões enviadas, argumenta a Anvisa.
O Comprova procurou três especialistas questionando a opinião deles acerca da não liberação da Sputnik V por parte da Anvisa. A pesquisadora Ethel Maciel, pós-doutora em Epidemiologia pela Johns Hopkins University e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), observa que a equipe que analisa os pedidos de autorização de uso de vacinas na Anvisa é técnica, composta por servidores públicos concursados e não há indicação política para desenvolver a função.
Ethel Maciel ressalta que é obrigação da Anvisa ser criteriosa na análise porque, ao aprovar um imunizante, o órgão deve garantir sua segurança para a população. Ela aponta que os dados fornecidos pela fabricante da vacina não foram suficientes para aprovação da Sputnik V e, dado o tempo que a agência recebeu para fazer a avaliação, não havia condições de aprovação.
A pesquisadora acrescenta que a negativa não inviabiliza uma futura autorização de uso da Sputnik V no Brasil pela Anvisa, caso a fabricante atenda às exigências de segurança da vacina. Ethel Maciel lembra que, antes da aprovação da Coronavac, a agência também exigiu apresentação de dados que o Instituto Butantan não havia fornecido.
Fundador e ex-diretor da Anvisa, o médico e professor da USP Gonzalo Vecina Neto sustenta que a atuação da agência no pedido de aprovação Sputnik V demonstra a credibilidade da conduta técnica do órgão, afastando a ideia de motivações políticas. Assim como afirma Ethel, para ele a Anvisa está sendo criteriosa ao solicitar os dados brutos do Fundo Russo, que faz a intermediação entre o Instituto Gamaleya (fabricante da vacina) e o Brasil. E reforça que o posicionamento atual não é um veto definitivo.
Gonzalo Vecina frisa que, em um país democrático como o Brasil, a solicitação de uma autoridade sanitária deve ser atendida e, neste caso, o pedido que a Anvisa fez para os russos foi de explicações sobre os resultados dos testes que indicam cópias de vírus replicante na vacina, ao passo que deveriam ser não replicantes. Sem as respostas, que podem esclarecer as dúvidas e levar à validação do imunizante, a agência não poderia conceder a autorização, sob o risco de disponibilizar para a população uma vacina que não é segura.
A tecnologia da Sputnik é semelhante à da Oxford/AstraZeneca, já aplicada no Brasil. Nesse modelo, é usado um vírus inofensivo para simular no organismo uma ameaça que se deseja combater e, assim, o corpo gera uma resposta imune. O vetor viral da Sputnik, segundo a fabricante, foi modificado e não deveria se multiplicar (não replicante). Entretanto, os testes enviados pelo Instituto Gamaleya indicam o contrário, sendo objeto do questionamento da Anvisa e para o qual não houve resposta.
Gonzalo diz ainda que se preocupa com as manifestações do Fundo Russo criando suspeição sobre a Anvisa, numa atitude similar a que já causou atritos com a Agência Europeia.
Um artigo assinado pela microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, e pelo jornalista Carlos Orsi na revista Questão de Ciência, também destaca os critérios técnicos adotados pela Anvisa e condena a postura dos fabricantes nas redes socais, afirmando que laboratório e o Fundo Soberano Russo acusaram a agência brasileira sem provas.
A verificação também buscou saber se a Anvisa é a responsável por liberar agrotóxicos no Brasil e se há alguma ligação com a liberação de vacinas. Conforme consta na página oficial da agência, o registro de agrotóxicos é realizado de acordo com a Lei dos Agrotóxicos (Nº 7.802/89) e com o Decreto nº 4.074/02, que estabelece as competências para os três órgãos envolvidos no registro: a Anvisa, vinculada ao Ministério da Saúde; o Ibama, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente; e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
A Anvisa tem, entre outras competências, avaliar e classificar, toxicologicamente, os agrotóxicos, seus componentes e afins, ou seja, não é a responsável por todo o processo de liberação.
Conforme divulgado pela Anvisa, a decisão de não liberação da Sputnik V foi tomada com base em dados levantados e avaliados pelas equipes técnicas das gerências-gerais de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS) e de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON). Também participaram do levantamento de informações a Gerência-Geral de Portos, Aeroportos e Recintos Alfandegados (GGPAF) e a Assessoria de Assuntos Internacionais (Ainte).
Já a responsável pela liberação da Anvisa de agrotóxicos é a Gerência Geral de Toxicologia (GGTOX).
O tuíte também menciona que a vacina Sputnik V é usada na União Europeia. De fato, a substância foi autorizada para uso na Hungria, em posição contrária à Agência Europeia de Medicamentos, que autoriza, conforme consta no site da União Europeia, o uso de vacinas da Pfizer, da Moderna, da AstraZeneca e da Janssen. A Sputnik V consta na lista de vacinas que estão em revisão contínua pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), ou seja, em processo de avaliação das vacinas potenciais para permitir a distribuição na União Europeia (UE) o mais rápido possível. Além da Hungria, a Eslováquia adquiriu doses, mas a decisão foi tomada pelo primeiro-ministro Igor Matovic sem conhecimento de outros segmentos do Governo, o que causou uma crise e a renúncia dele ao cargo.
O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia da covid-19 que tenham obtido grande alcance nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. A publicação verificada tinha 2.6 mil interações até o dia 3 de maio, gerando amplo debate nos comentários, entre quem concorda e quem discorda do posicionamento.
Anteriormente, o projeto já verificou outras postagens referentes à agência brasileira, como um vídeo manipulado que deturpa entrevista do presidente do órgão e mensagens que falam sobre imunogenicidade inadequada da vacina CoronaVac, questionando sua eficácia.
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