A prescrição médica de cloroquina e hidroxicloroquina disparou neste ano, mesmo sem eficácia científica comprovada, por causa da pandemia do novo coronavírus. O levantamento foi feito pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF).
Nos primeiros cinco meses de 2020 em comparação com o mesmo período do ano passado, o crescimento foi de 676,89% para a cloroquina e 863,34% para a hidroxicloroquina.
A cloroquina passou de 238 para 1.849 prescrições nos cinco primeiros meses deste ano. Já a hidroxicloroquina saltou de 1.978 para 19.055 em 2020.
O levantamento teve como base a plataforma Memed, usada por médicos para fazer prescrição digital ao paciente. No ano passado, o sistema contava com 60 mil médicos cadastrados. Neste ano, a plataforma tem 120 mil profissionais.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizava a prescrição da cloroquina em três situações.
Na primeira, o medicamento era recomendado para paciente com sintomas leves, em início de quadro clínico e diagnóstico confirmado. Na segunda, era válido para paciente com sintomas importantes, com ou sem recomendação de internação. E, por fim, para quadros críticos na UTI, em ventilação mecânica.
Assim como a prescrição, a venda disparou nas farmácias do Brasil.
Houve aumento de 49% na comercialização da hidroxicloroquina de janeiro a junho deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 462.722 unidades em 2019 ante 693.206 em 2020.
Por causa da alta das vendas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu, em março deste ano, enquadrar a hidroxicloroquina e a cloroquina como medicamentos de controle especial.
Outros dois medicamentos passaram a ser de controle especial durante a pandemia: a nitazoxanida e o vermífugo ivermectina.
Houve também crescimento significativo tanto de prescrição quanto de venda dos medicamentos.
A prescrição de ivermectina cresceu 1.921,04% nos cinco primeiros meses e a venda aumentou 297,7% no primeiro semestre. Já a nitazoxanida teve aumento na prescrição de 42.256,52% e de 12,6% na venda.
A partir da mudança, a entrega ou venda desses quatro medicamento nas farmácias e drogarias só pode ser feita para pessoas com a receita especial, para que uma via fique retida no estabelecimento e outra com o paciente.
Todos os medicamentos têm sido amplamente divulgados para auxiliar no combate ao novo coronavírus, embora ainda não existam estudos conclusivos sobre eficácia.
Wellington Barros, consultor do CFF, disse que é preocupante o crescimento das vendas. Segundo ele, tanto prescrições médicas como automedicação acabam ocorrendo de maneira não muito prudente em razão da pressão social.
"O fenômeno do que está acontecendo é chamado de medicalização social; ele se potencializa em momentos de emergência em saúde pública diante das preocupações e ansiedade da população", disse.
Para Barros, o farmacêutico precisa desempenhar um papel de educador, auxiliando o paciente a procurar um médico, alertando sobre os riscos e dosagens dos medicamentos. Já quando há prescrição, o profissional deve garantir a qualidade e a segurança.
Durante a venda da hidroxicloroquina, por exemplo, é importante saber se o paciente está em uso de algum medicamento. Dependendo de qual remédio for, será preciso entrar em contato com o médico ou pedir para que o cliente volte ao consultório.
Segundo Barros, a checagem é importante porque o paciente pode, por alguma razão, não ter informado o uso dos medicamentos ao médico.
Indicadas originalmente para malária, artrite e lúpus, a hidroxicloroquina e a cloroquina vêm sendo alvo de forte procura nas farmácias desde que o Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, passou a defender o medicamento para a Covid-19.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seguiu a mesma linha e, inclusive, passou a tomar o medicamento assim que foi diagnosticado com o novo coronavírus.
Diversas entidades já se manifestaram contrárias ao uso. Em documento divulgado pela Sociedade Brasileira de Infectologia afirma que "é urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da Covid-19".
A orientação da entidade ocorreu um dia após dois estudos mostrarem que a cloroquina não tem efeito em pacientes em quadros iniciais do novo coronavírus. Isso já havia sido demonstrado em outras publicações no caso de pacientes graves.
O Hospital Israelita Albert Einstein, no mês de junho, recomendou que os médicos ligados à instituição não prescrevam cloroquina ou hidroxicloroquina a pacientes internados com Covid-19.
Após idas e vindas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou em 17 de junho que decidiu interromper experimentos com hidroxicloroquina para tratamento de Covid-19 no estudo Solidarity, realizado em vários países, com pacientes hospitalizados.
Dias antes do primeiro anúncio da OMS, a FDA (agência americana de regulação de medicamentos) também havia revogado a autorização de uso emergencial do medicamento nos Estados Unidos, sob o argumento de que "não era mais razoável" acreditar que a droga tivesse eficácia contra a Covid-19.
Enquanto entidades recuam das orientações, o Ministério da Saúde tem redobrado a aposta no medicamento. Recentemente, a pasta decidiu estender a possibilidade de oferta do remédio para gestantes e crianças.
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