No Brasil há seis anos, Sun Baocheng, 43, é apaixonado pelas belezas naturais do país, pela caipirinha de limão e pelo churrasco.
A familiaridade com a cultura local deu um empurrão para que, neste ano, ele assumisse o comando da Huawei, gigante global de equipamentos de rede de telefonia e internet, aceitando um dos maiores desafios desde que a companhia se instalou no país, há duas décadas.
Alvo de uma disputa global entre EUA e China, a Huawei corre o risco de ser banida do fornecimento de equipamentos para as redes de 5G no Brasil devido a um alinhamento estratégico entre Jair Bolsonaro e o presidente dos EUA, Donald Trump.
Fornecedora preferida das operadoras locais, a fabricante está presente em praticamente todas as redes.
Baocheng afirma que, sem a Huawei, a evolução da tecnologia de quinta geração demoraria até quatro anos para ser iniciada porque as teles teriam de trocar todos os equipamentos, que não conversam com o 5G dos concorrentes. Isso tornaria a evolução da telefonia mais cara para os brasileiros.
Durante entrevista à reportagem, feita por videoconferência e com ajuda de uma tradutora do chinês para o português, Baocheng resistiu em dizer com quem fala junto ao governo para tentar reverter o possível banimento de sua empresa do mercado de 5G.
Para ele, um banimento serviria como um sinal ruim de que o país não é mais um território livre e justo para a livre iniciativa e isso comprometeria investimentos estrangeiros.
PERGUNTA - As operadoras afirmam que a Huawei é sua maior fornecedora. Qual a participação da empresa no mercado de telecomunicações hoje?
SUN BAOCHENG - As pessoas conhecem a Huawei por causa do 5G, mas estamos no Brasil há 22 anos. Começou com o 2G, depois veio o 3G, o 4G, agora o 5G. Temos também transmissão em IP [protocolo de internet] e redes de acesso. Também prestamos serviços para outras indústrias, como energia, instituições financeiras e o setor público.
P. - Qual é, afinal, a participação da Huawei?
SB - No setor de telecomunicações, tem algo entre 40% e 50% de participação. Para outras indústrias, também é o prestador principal. Para os pequenos provedores de internet [ISP], temos mais de 40% de mercado.
P. - A Huawei cresceu mais rápido que seus competidores no Brasil depois do 4G?
SB - Nessa área a Huawei fez um investimento de mais de US$ 4 bilhões há mais de dez anos. Estamos como líder, além do 5G e de soluções como transmissão em IP. Temos um melhor conhecimento de nossos clientes para oferecer a melhor tecnologia. Por isso, estamos crescendo mais rápido que nossos concorrentes.
P. - Quanto a Huawei cresce mais do que seus concorrentes?
SB - Difícil responder.
As empresas afirmam que, especialmente no 5G, a solução é mais barata. O leilão só vai acontecer no ano que vem. Os operadores que decidirão quais fornecedores vão contratar, mas a Huawei vai prestar a solução com o melhor custo benefício.
P. - Como o senhor está lidando com a possibilidade de restrição pelo governo brasileiro de banimento ou restrição à participação da Huawei como fornecedora de equipamentos de 5G para as teles?
SB - Primeiro, só gostaria de lembrar que será um leilão que a Anatel vai fazer e os operadores vão participar. A Huawei não participa diretamente. Além disso, hoje uma operadora já pode usar as redes existentes para fazer upgrade de 4G para 5G com [atualização] de software. No ano que vem, vai fazer leilão para frequências novas e os operadores vão participar. O banimento da Huawei terá pontos negativos.
P. - Quais?
SB - Há três principais. O primeiro é que vai demorar a transformação digital do Brasil. O segundo é que vai aumentar os custos dos operadores e o terceiro é que os custos dos operadores vão ser transferidos para os consumidores. Os brasileiros vão pagar um preço mais alto pelos serviços [de 5G]. Acho que qualquer tipo de banimento contra a Huawei só vai trazer impactos negativos e nenhum ponto positivo.
P. - Quanto a mais custará para os consumidores?
SB - Muito difícil calcularmos. Nossos clientes, como operadores, sabem melhor do que a Huawei que tipo de custo virá com o banimento ou algum tipo de restrição.
P. - O 5G promete a chamada transformação digital. Por que ela seria retardada com o banimento?
SB - A transformação digital vai demorar porque agora tem muito equipamento da Huawei nas redes do Brasil. Todos estão prontos para a evolução de 4G para 5G. Se vai trocar esses equipamentos, vai demorar muito tempo. Se for assim, vai demorar mais anos para a transformação digital.
P. - Algumas operadoras afirmam que não seria preciso, necessariamente, trocar os equipamentos da Huawei porque eles seriam capazes de conversar com aparelhos de outros fabricantes na tecnologia 5G.
SB - Na nossa tecnologia, isso não é possível. Não existe ainda um protocolo nesse tipo de conexão, algo que não depende dos fornecedores mas dos padrões do setor. E ainda não existe padrão para esse tipo de conexão entre fabricantes diferentes. Isso vai ser realizado, mas só três anos ou quatro anos à frente.
P. - Insisto na pergunta, como o senhor está lidando com a possibilidade de restrição ou banimento?
SB - Entramos no Brasil no momento da privatização, em 1998. Sempre respeitamos a lei e os regulamentos no país, incluindo aqueles sobre proteção de dados e da privacidade. Estamos sempre mantendo contato e conversas com as agências vinculadas ao governo. Desde a privatização, o mercado sempre foi livre, justo, sem discriminação. Acredito que o governo vai fazer a opção correta. Acho que um mercado livre sem discriminação não é só importante para a Huawei, mas também para outras empresas estrangeiras. Por isso há tantas empresas com vontade de investir no Brasil.
P. - O presidente dos EUA, Donald Trump, escolheu a Huawei como alvo de uma disputa não só comercial como geopolítica com a China. O presidente Bolsonaro é um aliado de Trump, que força o Brasil a impor barreiras contra a Huawei. Ou seja, o 5G se tornou um assunto de estado. A China dá suporte à Huawei nessa disputa?
SB - Parece que é uma disputa geográfica ou ideológica mas, na verdade, é um ataque contra as empresas de alta tecnologia, inclusive contra as chinesas. Os EUA são um país muito prático. No passado, tentaram ganhar da Alstom, atacaram a brasileira Engesa, e agora estão tentando com a Huawei. No futuro, qual será a próxima empresa? Alguns políticos americanos sempre estão atacando a Huawei sem provas. Não há evidências contra a Huawei sobre segurança cibernética e proteção de dados.
P. - Existe algum processo judicial em que a suposta fragilidade de segurança de dados dos equipamentos da Huawei tenha sido questionada?
B - Não sei se existe. Operamos em mais de 170 países há mais de 33 anos e nunca ocorreu nenhum incidente de hacker.
Afinal, a Huawei conta com o apoio do governo chinês? Não sei como responder. A Huawei é uma empresa 100% privada.
P. - A Huawei mantém relações comerciais com o governo federal?
SB - Não é só comercial. Contribuímos com a responsabilidade social. Nos dez anos passados treinamos mais de 30 mil talentos [que hoje operam no setor]. E nosso plano é que, nos próximos cinco anos, vamos treinar outros 30 mil.
Também trabalhamos com nossos parceiros para fazer a conectividade nas áreas rurais, importante para o Brasil.
P. - Essas iniciativas são em parceria com governos locais ou federal?
SB - Cooperamos com vários tipos de parceiros. O treinamento é com as universidades, como o Inatel. Temos também outros projetos com ministérios, como o da Educação e o da Agricultura. Trabalhamos também com outros parceiros para treinar os "nem-nem", os jovens que nem trabalham nem estudam.
P. - Representantes do governo dos EUA visitam regularmente o alto escalão do Planalto alertando contra os riscos de um aval à Huawei. Sua empresa também faz esse tipo de abordagem?
SB - Vamos manter a comunicação com o governo para apresentar uma Huawei aberta e transparente. Como fazemos há 22 anos. No futuro, vamos continuar a respeitar a lei do Brasil, a soberania digital, a proteção dos dados e da privacidade.
P. - Com base no que Bolsonaro tem dito sobre 5G, diria que haverá restrições?
SB - Estou ciente da palestra de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU. Ele mencionou o 5G. Ele disse que qualquer empresa tem de respeitar a soberania digital, a proteção dos dados e da privacidade dos usuários. Acho que esse padrão é muito certo. Se existe esse padrão a Huawei vai respeitar.
P. - Acredita que haverá algum tipo de sanção comercial da China contra o Brasil caso a Huawei sofra restrições no 5G?
SB - O Brasil é um mercado livre e justo, algo muito importante para a economia, não só para o mercado, para todas as multinacionais. O Brasil não deve escolher os EUA, nem escolher a China, tem de escolher o caminho de um mercado sem discriminação, livre e justo, porque isso vai beneficiar o país e o povo.
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