A investigação sobre ataques à Justiça Eleitoral no primeiro turno da eleição (15), que corre no Ministério Público Federal (MPF), foi transferida para a Procuradoria-Geral da República (PGR) porque os supostos crimes não estariam restritos ao campo eleitoral, e porque parlamentares bolsonaristas, detentores de foro privilegiado, foram listados como propagadores da campanha de desinformação detectada.
O despacho foi enviado pelo vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, nesta sexta-feira (20), ao procurador-geral da República, Augusto Aras. A decisão de Góes foi tomada ao analisar documentação apresentada pela SaferNet Brasil, entidade que tem colaboração formal com o MPF para monitoramento da desinformação nas eleições.
Após o vazamento de dados de recursos humanos e do ataque que sobrecarregou a consulta a serviços do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), redes bolsonaristas passaram a propagar a narrativa de que o resultado das urnas estaria em xeque. Os ataques, porém, não tiveram qualquer impacto na segurança do pleito.
A reportagem apurou que quatro deputados são citados no despacho de Brill de Góes para justificar a mudança de âmbito: Filipe Barros (PSL-PR), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF). Caso processados, a lei exige que a iniciativa parta da PGR, perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, o procurador ressaltou que os possíveis crimes de vazamento de informações confidenciais não podem ser apurados na esfera eleitoral porque, em tese, configuram crime cibernético contra serviço público federal. Estes são passíveis de apuração na esfera criminal. A Polícia Federal também tem investigação sobre o ataque hacker contra o TSE.
A existência da apuração da SaferNet Brasil foi revelada pelo Estadão nesta sexta. Uma das linhas de investigação trabalhadas é a de que o hacker responsável pelos ataques pode ter sido auxiliado por radicais brasileiros ligados a núcleos bolsonaristas.
A representação produzida pela SaferNet para o MPF cita o CyberTeam como o grupo que reivindicou as ações do domingo e menciona que o principal protagonista desta organização é o hacker que se identifica como Zambrius. Em entrevista ao Estadão, por e-mail, a pessoa que usa o pseudônimo afirmou ter sido a única responsável pelas ações e negou ter recebido auxílio de hackers brasileiros.
No entanto, a apuração preliminar que tramita no MPF indica outro caminho. "O aprofundamento das análises tem revelado indícios da existência de um sofisticado núcleo de tecnologia da informação, com hackers a serviço de grupos políticos com interesses em desacreditar a Justiça Eleitoral, o processo de apuração e totalização de votos e, em última instância, o sagrado direito a eleições livres e limpas no Brasil", salienta a SaferNet.
A deputada Bia Kicis afirma que "a questão da confiabilidade do sistema eleitoral é um dos temas mais importantes para qualquer país democrático" e que "vem travando a luta por uma eleição segura há mais de seis anos." Diz também que os problemas recentes de invasões contra instituições públicas e a demora na contagem de votos no último domingo "deixam cada vez mais clara a fragilidade de todo sistema eleitoral sem o voto impresso."
Como já salientado, porém, os ataques não levaram qualquer prejuízo ao sistema de votações.
Os demais parlamentares citados continuam usando as redes para disseminar informações enganosas sobre a urna eletrônica. Carla Zambelli escreveu: "A quem interessa que a sociedade não tenha o direito de, em caso de dúvida, auditar seus votos?". Eduardo Bolsonaro, por sua vez, publicou: "Não sou obrigado a acreditar em urnas inauditáveis e como parlamentar proponho leis que deem mais transparência às eleições." "Agora não podemos nem questionar a segurança do sistema eleitoral", publicou Filipe Barros.
Ao contrário do que afirmam, a urna eletrônica brasileira é auditável. Ela possui diversos recursos para auditagem, como Registro Digital do Voto, log da urna eletrônica, auditorias pré e pós-eleição, auditoria dos códigos-fonte, lacração dos sistemas, tabela de correspondência, lacre físico das urnas, identificação biométrica do eleitor, auditoria da votação (votação paralela) e oficialização dos sistemas.
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