Pedagoga, militante antirracista, pré-candidata a vereadora pelo PCdoB, moradora da periferia de Salvador, a professora Clarice Pereira dos Santos teve a história de luta interrompida na última segunda-feira (22), aos 59 anos, como mais uma vítima da Covid-19 no Brasil.
Professora Clarice, como era conhecida na comunidade do Vale das Pedrinhas, onde passou a vida, morreu no Hospital Português. Foram apenas seis dias de intervalo desde a data em que recebeu o resultado positivo do teste para a Covid-19, dia 16 passado, até a última segunda-feira.
A iniciativa de fazer o exame partiu depois que o marido da professora, Valdir Campos Estrela, havia recebido o diagnóstico da doença, conta a diretora de assuntos jurídicos da secção baiana da Associação dos Professores Licenciados do Brasil (APLB-Sindicato), Marilene Bretos.
Segundo a dirigente, Clarice tinha se queixado apenas de um pequeno mal-estar, acompanhado de dores na garganta. Permaneceu em quarentena em casa, mas o quadro evoluiu para perda de apetite, febre e falta de ar.
Foi levada para a emergência da unidade hospitalar no sábado passado (20), onde já chegou com quadro de pneumonia e com as funções renais comprometidas, mas consciente. No dia seguinte (21), foi encaminhada para a UTI, onde passou as últimas 24 horas de vida.
"Isso nos pegou a todos de surpresa, porque, no domingo (21), a médica nos disse que ela havia reagido bem às medicações", lembra Betros. "Ainda na segunda, ela mandava mensagens, dizia que estava bem, que sairia bem bonita do hospital", emocionou-se a colega.
Betros recorda que a aflição de todos que faziam parte do círculo de Clarice começou na tarde da segunda-feira (22), com a demora na divulgação do boletim médico. "Às 23h, quando o hospital fez contato com a família, já foi para pedir que levassem os documentos dela", lamentou.
Ao longo de sua trajetória, Clarice, como ela mesma descreveu em apresentação na rede social Facebook, no último 5 de junho, atuou 35 anos como professora das redes públicas estadual e municipal, sempre na mesma comunidade onde nasceu.
No ano de 1982, iniciou a militância política com a filiação do PCdoB, ainda considerado clandestino pela então ditadura militar. Também foi uma das fundadoras do primeiro núcleo da União de Negros Pela Igualdade (Unegro) na comunidade onde morava.
Três anos depois, em 1985, passou a fazer parte da APLB-Sindicato, entidade da qual foi uma das diretoras até os últimos dias de vida. Foi candidata a vereadora na capital baiana nos pleitos municipais de 2008, 2012 e 2016.
"Como mulher negra, de origem pobre, Clarice sempre pautou sua vida na luta pelo desenvolvimento das pessoas. Era comprometida não só com os alunos mas com as famílias deles e com a comunidade", descreve a dirigente.
Ainda no primeiro mês de isolamento social, Clarice divulgou um vídeo na rede social Instagram, no qual chamava a atenção dos seguidores sobre a necessidade de respeitarem as medidas de distanciamento, sobretudo nos bairros da periferia de Salvador.
"Estou muito preocupada ao ver pessoas jogando dominó, fazendo churrasco, conversando na rua, bebendo cerveja. Estamos chegando a um dos estágios mais graves. Gente, vamos evitar sair, vamos usar as máscaras", clamou ainda no dia 15 de abril passado.
A notícia da morte de Clarice repercutiu na imprensa local, entre colegas, comunidade, entidades representativas de classe e nas secretarias municipal e estadual de educação, que divulgaram notas de lamento sobre o falecimento da professora.
"Em nome da secretaria, expresso nossas condolências", disse o secretário municipal de educação, Bruno Barral. "A professora Clarice deixa a sua contribuição como educadora, na militância sindical e no combate ao racismo", diz a nota da Secretaria de Educação do Estado.
Professora Clarice foi cremada no cemitério Campo Santo às 14h da última terça-feira (23), em cerimônia reservada. Sem filhos, Clarice deixou o marido Valdir, além de outros familiares.
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