O Ministério Público do Distrito Federal ingressou na tarde desta quarta-feira (13) com uma ação civil pública contra os integrantes do movimento 300 do Brasil, pró-Bolsonaro, que vem atuando em Brasília há quase um mês.
A ação, assinada pelos promotores Flávio Augusto Milhomem e Nísio Tostes Ribeiro Filho, pede o fim do acampamento do grupo na capital federal, a busca e apreensão e também a revista pessoal em seus integrantes, para encontrar armas de fogo em situação irregular ou cujos donos não possuam autorização legal para o porte.
Em entrevista à Folha de S.Paulo por escrito, na terça (12), a líder do movimento, Sara Winter, ex-feminista convertida ao conservadorismo, reconheceu que alguns integrantes do 300 do Brasil possuíam armas de fogo. Ela, no entanto, ressaltou que elas eram usadas apenas para a defesa dos próprios membros do acampamento, e não nas atividades de militância.
"Em nosso grupo existem membros que são CACs [Colecionador, Atirador, Caçador], outros que possuem armas devidamente registradas nos órgãos competentes. Essas armas servem apenas para a proteção dos próprios membros do acampamento e nada têm a ver com nossa militância", afirmou Winter, na ocasião.
O movimento ganhou notoriedade recentemente, ao anunciar um grande acampamento para treinar militantes dispostos a defender o governo Bolsonaro.
Os promotores descrevem o grupo como milícia armada e afirmam que sua presença na região central da capital federal "representa inequívoco dano à ordem e segurança públicas". A ação também coloca Sara Winter na posição de ré, assim como o próprio Distrito Federal.
O 300 do Brasil manteve uma aura de guerrilha, informando que as atividades se dariam em um QG secreto, para onde os membros não poderiam levar telefones celulares.
Os militantes receberiam treinamento em "revolução não violenta e desobediência civil", além de conhecerem técnicas de "estratégia, inteligência e investigação". Em postagens nas redes sociais, seus líderes falavam em "ucranizar o Brasil", em referência ao movimento armado que derrubou o governo da Ucrânia, em 2014.
Como a Folha de S.Paulo mostrou na semana passada, alguns de seus líderes são ou foram assessores de políticos bolsonaristas, como a deputada Bia Kicis (PSL-DF) e a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
A medida do Ministério Público pede também em caráter liminar que o Distrito Federal aplique a política de distanciamento social contra o novo coronavírus e, por isso, proíba aglomeração de pessoas para manifestações populares; a aplicação de sanções administrativas para as infrações às medidas de restrição social; o encaminhamento dos infratores que mantenham as manifestações às delegacias de polícia; além da desmobilização do acampamento dos 300 do Brasil.
Ainda nesta quarta, a Polícia Militar do Distrito Federal informou que está monitorando diariamente o movimento, mas que até o momento não encontrou armas de fogo com seus representantes.
A corporação reconhece que não promoveu nenhuma operação específica para revistar os membros do grupo, mesmo após a notícia de que alguns deles estariam armados.
Questionada sobre o motivo de não ter feito uma ação específica, após o reconhecimento da liderança do grupo da presença de armas, a Secretaria de Segurança Pública apenas acrescentou que toda a movimentação do grupo é monitorada, inclusive com a utilização de câmeras de segurança.
"A Polícia Militar do DF (PMDF), como faz rotineiramente, está realizando policiamento nesta quarta-feira (13), no local do ato promovido pelo grupo intitulado de '300 do Brasil'", informou, por meio de nota.
"A corporação destaca, ainda, que não foram encontradas armas de fogo entre os participantes do grupo. Se houver suspeita ou denúncia, a PMDF é a primeira a agir, uma vez que a própria Constituição Federal proíbe manifestação armada",
O texto da nota acrescenta que os membros do grupo costumam ficar ao lado do Ministério da Justiça e que realizam ao final de cada dia um ato na rua das Bandeiras, o que estaria ocorrendo de forma pacífica.
A PM informou também que não foi detectado um cenário que configure acampamento.
A Secretaria de Segurança Pública informou que realizar manifestação é um direito fundamental. No entanto, a pasta ressalta que é vedado o uso de áreas públicas na Esplanada dos Ministérios, na raça dos Três Poderes e dos Eixos Monumental e Rodoviário, em toda extensão, para qualquer tipo de acampamento.
Especialistas afirmam que o porte de armas por um movimento é considerado inconstitucional, independentemente se será usado para a sua atividade fim ou não.
"A mesma Constituição que assegura o direito de reunião e de manifestação é expressa ao proibir que isso seja feito por grupos armados", afirma Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado constitucionalista e ex-presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
"A Lei Maior não faz qualquer exceção a depender da finalidade do uso das armas, seja para a defesa do grupo, seja para atividades da militância. A conduta é expressamente vedada pela Constituição", completa.
Ainda nesta quarta, o Instituto Sou da Paz encaminhou um parecer sobre o caso dos 300 do Brasil para a Câmara Legislativa do Distrito Federal. O documento será enviado também ao Ministério Público e à Secretaria de Segurança Pública.
O parecer aponta haver indícios de crimes por parte do movimento, por causa do porte de armas. O documento mostra, por exemplo, que a situação configura uma violação do artigo 5º da Constituição, em relação ao direito de livre reunião, e também é enquadrada no artigo 288, do Código Penal --que trata de grupos paramilitares.
O parecer também rebate a declaração da líder dos 300 do Brasil, Sara Winter, em relação aos CACs, que teriam autorização para o porte de armas. Na avaliação do Sou da Paz, o decreto que versa sobre a atuação de Caçadores, Atiradores e Colecionadores deixa claro que a autorização para conduzir a arma se restringe ao percurso entre o local em que é armazenada e o local de prática ou competição.
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