Os áudios e mensagens que apontam uma negociação para compra de sentença favorável pelo grupo que atualmente comanda o Pros (Partido Republicano da Ordem Social) fazem menção aos nomes de Flávio Bolsonaro (PL), filho do presidente, e Karina Kufa, advogada da família Bolsonaro.
O jornal Folha de S.Paulo revelou na terça-feira (12) mensagens que indicam uma tentativa da cúpula do partido de compra de sentença no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, órgão da segunda instância.
O material obtido pela reportagem, porém, sugere que a tentativa de vitória judicial fora das previsões legais — por meio de influência política e pessoal, incluindo menções a pagamentos em dinheiro — tiveram início ainda quando o litígio entre as duas alas da sigla estava na primeira instância, em 2021.
É nesse contexto anterior em que os nomes do filho do presidente e da advogada são citados. Nem Flávio nem Kufa figuram como interlocutores desses diálogos.
Em um áudio de WhatsApp do segundo semestre de 2021, o hoje presidente do Pros, Marcus Holanda, fala para um correligionário sobre as chances de eles tomarem o comando do partido, à época ainda na mão do fundador, Eurípedes Jr.
Holanda liderava uma dissidência e tentava fazer validar na Justiça convenção extraordinária que havia aprovador o afastamento de Eurípedes.
No áudio ao aliado, o hoje presidente do Pros afirma haver chances reais de eles conseguirem uma vitória judicial, mas não pelo mérito em si.
"A Karina Kufa me levou na reunião e sentou eu, ela e o Flávio Bolsonaro, então eles têm interesse. (...) Além disso, tem um contrato que assinei lá, absurdo lá, com ela. Então vão ganhar dinheiro e vão ganhar força política e espaço político. Então eles têm interesse, total. Por isso, eles estão com a gente, senão não estariam. E ainda tem a desembargadora federal [não cita o nome], muita gente", diz Marcus.
À época, Jair Bolsonaro estava à procura de um partido após ver fracassada sua tentativa de montar a Aliança pelo Brasil. Depois de tratativas com várias siglas, ele acabou fechando com o PL em novembro.
A intenção demonstrada pela ala dissidente do Pros era, ao conseguir o comando da legenda, negociar a possível filiação da família Bolsonaro.
Ainda no áudio, Marcus faz menção à advogada Renata Gerusa, filha da juíza federal do TRF-1 Maria do Carmo Cardoso, amiga de Flávio Bolsonaro. Gerusa chegou a atuar formalmente no litígio representando o hoje presidente do Pros e seus aliados.
"Tem chances reais porque eles têm interesses, né? O marido da dra. [Renata Gerusa], é o deputado lá, o Kassyo [Kassyo Ramos], que tem interesse lá no Amapá", afirma.
Procurado pela reportagem, Flávio Bolsonaro não se manifestou.
Karina Kufa confirmou a reunião entre ela, Flávio e Marcus Holanda, mas disse que os entendimentos políticos sobre a filiação de Bolsonaro não prosperaram, que não houve assinatura de contrato ou qualquer pagamento, e que não houve conversa acerca de influência indevida sobre magistrados.
"Desconheço qualquer negociação. Não tenho qualquer vínculo com o Pros, aliás, nunca tive. Em 2020 e 2021 falei com diversos partidos, mas todas as conversas foram dentro da normalidade", disse Kufa.
De acordo com a advogada, Holanda relatou a ela e Flávio que "ele iria ser dono do partido" e queria que Bolsonaro se filiasse à legenda.
"O caso dele era bom mesmo, tecnicamente ele tinha condições de ganhar, foi isso que ele apresentou para a gente", afirmou ela, acrescentando que as conversas terminaram aí.
Renata Gerusa disse que Kufa foi quem a indicou para atuar no caso e que não recebeu solicitações para trabalho fora dos limites republicanos.
"Apenas nos foi solicitado uma brevidade na solução da demanda, assim como a maioria dos clientes. Creio que talvez tenha sido esse o motivo da revogação dos meus poderes. O processo tem trâmite próprio e, apesar de nosso trabalho atuante, não depende de nós, advogados."
A advogada foi desconstituída às vésperas dos julgamentos das apelações no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ocasião em que Holanda e seus aliados conseguiram a primeira decisão favorável, em julgamento concluído em março, o que os levou ao comando da legenda.
Conforme o jornal Folha de S.Paulo mostrou, mensagens e áudios sugerem ter havido negociação para compra de um voto favorável do desembargador Diaulas Costa Ribeiro. O desembargador, que não figura como interlocutor em nenhuma dessas mensagens, nega que tenha chegado a ele qualquer proposta criminosa.
Em outros áudios do segundo semestre, o hoje secretário-geral do Pros, Edmílson Boa Morte, também faz menções a Kufa, Flávio e os Bolsonaro.
"A turma do Bolsonaro estava trabalhando na segunda instância, você lembra? Com o desembargador Mario-Zam [Belmiro, do TJ-DF, ex-relator dos casos relativo ao litígio do Pros], que teve a reunião na casa da desembargadora [não cita o nome]", diz em um deles.
Em outro, relata a um ex-correligionário que, naquele momento, Marcus Holanda estava em reunião "com a turma do Bolsonaro e os advogados e os desembargadores".
Em um terceiro, diz que só Renata Gerusa irá atuar formalmente no caso para "não dar na cara". Segundo ele, Gerusa "representa a Karina Kufa, todo mundo".
"Nesse processo apenas eu e os advogados do meu escritório atuamos", disse Gerusa à Folha de S.Paulo.
Também à reportagem, Boa Morte disse que não conhece Kufa nem Flávio, e classificou os áudios que ele mesmo mandou de "falácia".
"Só falácia, pois o Roberto [Parillo, ex-dirigente do Pros-SP, hoje rompido com o ex-aliado] todo dia enchia minha paciência com as mesmas perguntas. Acredito que, nesse contexto, ele falou algo e eu só falei para agradar um amigo que estava tentando arrumar ajuda para contratar advogados", disse.
"Não me lembro de tudo porque ele me ligava uma hora da manhã todos os dias e eu atendia com muito sono."
Em outro áudio da época, Marcus Holando fala em ter amizade com a sogra do juiz, em possível referência a Hilmar Castelo Branco, titular do caso na primeira instância.
Apesar do otimismo manifestado nos áudios pelo presidente do Pros, o magistrado decidiu de forma contrária aos interesses da ala que hoje comanda o partido.
"A situação tá excelente A gente nunca esteve tão perto. (...). Estamos com amizade com a sogra do juiz. Nós temos lá o dr. Tulio [Tulio Arantes, advogado], que já conversou com uns três desembargadores, já tratou com todo mundo. A gente nunca esteve tão próximo assim. Então, com certeza, vai sair. O dr. Wellington [Wellington Medeiros, advogado, ex-desembargador] está superempenhado."
Tulio Arantes nega que tenha conversado com desembargadores sobre esse tema, dizendo que a conversa inicial para que ele assumisse o caso, em parceria com outro escritório, não prosperou.
Em mensagem de texto que foi encaminhada pelo telefone de Boa Morte, há menção a perguntas que teriam sido enviadas ao Pros por meio da sogra do magistrado, para "embasar o juiz em sua decisão", além de suposta pressão do advogado e ex-desembargador Wellington Medeiros para haver pagamento.
Boa Morte diz que desconhece as mensagens. Wellington Medeiros nega ter recebido qualquer pagamento ou ter intermediado contato entre o Pros e a familiar do juiz.
"Jamais! Não recebi nada. Nenhum centavo. E não me foi feito nenhum pedido. As tratativas não vingaram. Não chegamos a formalizar nada. Logo, não houve nenhum pagamento", disse, se referindo a encontro para que seu escritório assumisse a causa. Ele ressalta que a decisão de primeiro grau foi contrária ao pleito de Marcus Holanda.
O desembargador Mario-Zam Bellmiro, do TJ-DF, e o juiz Hilmar Castelo Branco, da 21ª Vara Cível de Brasília, cujas decisões foram contrárias a Marcus Holanda e seus aliados, não se manifestaram.
O presidente do Pros, que nega ter havido negociação para compra de sentença, não se pronunciou sobre os áudios e a mensagem de texto.
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