A reeleição de Juliano Medeiros, 36, para a presidência do PSOL neste domingo (26) e a decisão do partido de não lançar uma pré-candidatura ao Palácio do Planalto reforçaram o caminho para o apoio da legenda a Lula (PT) em 2022. Em São Paulo, o movimento da sigla é inverso - o de esperar reforços à pré-candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) ao governo.
A decisão da maioria dos delegados do PSOL durante o congresso do fim de semana foi a de priorizar a busca pelo impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) e tentar construir a unidade da esquerda na eleição nacional - o que significa, na prática, formar coligação com o PT e abrir mão de uma candidatura própria presidencial pela primeira vez desde a fundação do partido, em 2004.
À Folha de S.Paulo, Medeiros, que é historiador e cientista político, afirma haver condições a serem preenchidas para que, de fato, o partido integre uma coligação das esquerdas, mas nega que a adesão do PT, que lançou Fernando Haddad, à candidatura de Boulos ao governo paulista seja uma delas. "Não vamos tratar essa essa situação de São Paulo como um simples toma lá, dá cá", diz.
"Isso não quer dizer que nós não esperamos, óbvio, generosidade dos partidos para reconhecer o papel importante que o Guilherme Boulos tem cumprido", completa o presidente do PSOL. Pesquisa Datafolha divulgada na semana passada mostra Haddad com 17% das intenções de voto, contra 11% de Boulos.
"Assim como vamos trabalhar pela unidade das forças progressistas e democráticas em nível nacional, vamos defender que isso aconteça também no estado de São Paulo. Acredito hoje que essa unidade é mais facilmente construída e pode gerar mais frutos se for feita em torno do Guilherme Boulos, que me parece o candidato em melhores condições pra fazer essa disputa, em que pesem as pesquisas recentes", diz Medeiros.
O dirigente afirma que Boulos representa renovação e vem de "um desempenho extraordinário" na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em 2020, quando perdeu no segundo turno para Bruno Covas (PSDB) - Jilmar Tatto (PT) terminou com 8,65%.
"Boulos tem mantido diálogos muito produtivos com outros partidos do campo progressista que têm alguma resistência em apoiar uma candidatura do PT", pontua Medeiros.
Como mostrou a Folha, o PT tampouco cogita abrir mão da candidatura de Haddad, o que estabelece um impasse na eleição paulista em que a esquerda tem sua melhor chance em anos - com candidatos bem posicionados e com fragmentação de adversários no campo da direita e no polo bolsonarista.
A eleição de Medeiros, com 57% dos votos, era esperada, assim como sua posição pró-aliança com o PT é conhecida na sigla. Mas, de qualquer forma, o congresso deixou espaço para eventual recuo no apoio a Lula, brecha que será aproveitada pela ala minoritária que defende a pré-candidatura do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) à Presidência da República.
Ficou acertado que, no primeiro semestre de 2022, o partido fará o que chamou de conferência eleitoral extraordinária para confirmar ou reavaliar sua posição em relação à eleição presidencial. "Nossa prioridade é o 'fora, Bolsonaro'. Vamos discutir detalhes da tática eleitoral só no ano que vem", explica o presidente do PSOL.
Apesar da derrota, Braga ressaltou o apoio expressivo de 43% do partido e disse que continuará trabalhando para conquistar maioria pela sua candidatura. Sua esperança é reverter o cenário até a conferência eleitoral.
Questionado pela Folha de S.Paulo sobre ainda haver espaço no PSOL para discussão de candidatura própria, Medeiros afirmou que o partido optou por convocar uma conferência em 2022 "porque considera que não é hora de centrar todo o debate na questão eleitoral".
"Nenhum partido no Brasil tomou, nesse momento, qualquer definição sobre a tática eleitoral. Todos os partidos, de todos os campos ideológicos, estão debatendo o que fazer. Seria, portanto, absolutamente prematuro, eu diria inoportuno até, o PSOL apresentar um nome. É por isso que essa opção foi derrotada no nosso Congresso", completou.
Medeiros afirma que abrir mão neste momento de um candidato não enfraquece o partido, que nasceu de uma dissidência do PT em 2003 e foi oposição aos governos Lula e Dilma Rousseff (PT) até uma reaproximação no impeachment da ex-presidente.
"Tenho certeza de que quem confia no PSOL e quem acompanha o nosso trabalho compreende que o momento que estamos vivendo é absolutamente diferente, com um governo de extrema direita no poder. Nossas definições sobre a política eleitoral no ano que vem têm que levar em conta, em primeiríssimo lugar, a necessidade de derrotar Jair Bolsonaro e reconstruir o Brasil", diz ele.
"Se o caminho vai ser, como nós apontamos no congresso, a construção de uma frente das forças democráticas e progressistas ou se o caminho vai ser, no primeiro turno, [ter] uma divisão, isso o tempo vai dizer. Mas o nosso empenho é construir um ambiente político que permita a unidade porque nós não vivemos tempos normais."
O diálogo, segundo Medeiros, envolve PT, PC do B, PSB, PDT, Rede e até PV e Cidadania - siglas que hoje compõem a Campanha Nacional Fora Bolsonaro, fórum de partidos e movimentos que já realizou cinco manifestações nacionais pelo impeachment do presidente desde maio.
No entanto, se para a ala de Braga o adiamento da questão eleitoral representa uma oportunidade, para Medeiros pode ser uma via de escape caso a unidade progressista não se viabilize.
A resolução do congresso do PSOL deixa claro que "a prioridade, em nível nacional, deve ser a construção da unidade entre os setores populares para assegurar a derrota da extrema direita", mas com ressalvas: "esse processo de diálogo deve envolver elementos programáticos, arco de alianças e não pode ser uma via de mão única".
"Não queremos simplesmente um governo de 'salvação nacional': queremos um governo de esquerda", afirma o texto.
À Folha Medeiros diz que a negociação não é bilateral, apenas com o PT, mas envolve os demais partidos e três aspectos --o programa da coalizão, o arco de alianças e que os interesses eleitorais de cada partido sejam respeitados.
"A respeito do programa, o PSOL não aceitará qualquer medida que tenha como propósito retirar direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, restringir liberdade democráticas, fortalecer monopólios ou setores da especulação financeira. A hipótese de haver algum partido de centro em contradição com o bolsonarismo que queira compor uma aliança com as esquerdas é algo que nós vamos analisar, caso aconteça, no momento certo."
Procurado pela reportagem, Braga afirma não ser "o pré-candidato oficialmente indicado pelo congresso". "Mas vou, como militante, dialogar com a base partidária até a conferência", completa.
"Se o ex-presidente Lula escolhe [o dirigente nacional do MST João Pedro] Stédile como vice, a nossa tese de pré-candidatura acaba perdendo força, mas se ele escolhe Luiza Trajano ou alguém do mercado, nossa tese ganha força, com a possibilidade concreta de ser majoritária", resume o deputado.
"Mantido o que vemos hoje, que é a priorização por parte de outros partidos de oposição de alianças com a direita, a minha avaliação é de que vamos ter candidatura própria. Temos que apresentar uma alternativa que as pessoas sintam como alternativa real a Bolsonaro", diz Braga, mencionando não apenas os acenos do PT ao centrão, mas também os do PDT e PSB.
Outra preocupação levantada no congresso do PSOL é a questão da cláusula de barreira. "É um instrumento que precisa ser observado, porque foi pensado para enfraquecer as legendas ideológicas e fortalecer os partidos do centrão", diz Medeiros.
Ele estima ser possível aumentar em 50% a bancada federal, de 10 para 15 deputados em 2022.
"Isso tem a ver com garantir financiamento adequado para as candidaturas de negros e negras, mulheres, LGBTs. Que têm sido no PSOL o perfil de candidatura com muita força eleitoral, o que também aumenta a representatividade desses setores sociais sub-representados nos espaços de poder", afirma o presidente, minimizando reclamações de financiamento feitas por candidatos em 2020.
Eleito para a presidência do PSOL em 2017 e agora reconduzido para um novo mandato de dois anos, Medeiros têm como primeira missão, ao lado de outros líderes partidários, a construção da manifestação pelo impeachment de Bolsonaro prevista para o próximo sábado (2).
"Reconhecemos que as forças de esquerda não são suficientes para viabilizar o impeachment. Portanto, precisamos atuar em unidade de ação com todas as forças políticas e sociais que estejam em contradição com o governo para ir criando uma onda, um movimento de repúdio, que possa pressionar a maioria do Congresso e o próprio presidente da Câmara", diz ele.
Questionado sobre o partido não ter participado do ato da direita pelo impeachment, no último dia 12, Medeiros afirmou que a ida do PSOL a protesto do MBL ou vice-versa não passa por convites mútuos, mas por construção conjunta, algo que, de maneira otimista, ele vê em curso para o dia 2.
"É o dia em que o movimento pelo 'fora, Bolsonaro' vai demonstrar uma mudança de qualidade, com a adesão de partidos e movimentos que até agora não estavam de corpo e alma engajados nas ruas. Talvez não seja ainda, em termos quantitativos, a manifestação que vai, no dia seguinte, abrir o processo de impeachment. Mas estou muito otimista de que represente uma virada", diz o presidente do PSOL.
"Há um esforço genuíno de todos para construir um processo que possa ser apropriado por todos. Sem que ninguém se sinta prejudicado. Vamos ver se é possível", completa.
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