Forma mais responsável de impedir a contaminação pelo coronavírus, o isolamento social traz uma situação de risco para vítimas da violência doméstica familiar: conviver mais tempo com o agressor. Na quarentena, ferramentas online de denúncia, oficiais ou não, ganham força.
A vendedora J.M, de 23 anos, do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, foi agredida durante o confinamento. O autor foi o companheiro, um pedreiro que tem problemas com a bebida. Com várias lesões, ela foi à Polícia Civil, registrou boletim de ocorrência e pediu medidas protetivas. Agora, ela espera a manifestação do juiz. O companheiro saiu de casa, mas ainda não foi encontrado pela Polícia Militar. De acordo com ela, o confinamento havia feito os episódios de violência aumentarem.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse nesta quinta-feira (2) que no Estado do Rio o total de notificações de violência nas últimas semanas já é 50% maior. No Rio, já existe a denúncia virtual.
O ministério ainda divulgou dados do Ligue 180, canal de denúncias de violência doméstica, apontando aumento de quase 9% no total de ligações na quarentena. A média diária entre os dias 1.º e 16 de março foi de 3.045 ligações e 829 denúncias, ante 3.303 telefonemas e 978 denúncias entre os dias 17 e 25. Mas especialistas dizem que o período ainda é curto, mas servem de alerta.
Desde terça-feira, a reportagem tem pedido dados de março e de outros anos ao ministério, mas não obteve resposta. "É cedo para essa análise. Sabemos que a violência doméstica teve aumento em outros países que passaram por isolamento social", diz a promotora Silvia Chakian, do núcleo especializado em violência doméstica do Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE-SP).
A socióloga Wania Pazzinato diz que o tempo para análise ainda é curto, mas os dados apontam uma tendência. "Momentos de crise na sociedade - econômica, política ou uma pandemia - historicamente trazem aumento da violência contra a mulher. Foi assim com o ebola na África e a cólera no Haiti."
Outros países também registraram aumento das agressões dentro de casa desde o início da pandemia. A França anunciou esta semana que pagará quartos de hotel para vítimas de violência doméstica e abrirá centros de aconselhamento após o aumento dos casos de abuso na primeira semana de quarentena. O acréscimo foi de 36% em Paris e 32% no resto do país após o confinamento, no dia 17. Houve ainda dois assassinatos.
"É um padrão aprendido ao longo da vida por parte dos homens. Algumas situações de estresse funcionam como gatilho para esse comportamento", diz Valéria Scarance, do Núcleo de Gênero do MPE-SP.
O app previsto pelo governo estará disponível para celulares e computadores, para denúncias de violência a mulher, criança e demais violações de direitos em ambiente doméstico. "Garantimos o anonimato, não podemos deixar de denunciar. Vai funcionar 24 horas por dia", disse Damares. Além da ferramenta, que poderá ser baixada no site do ministério e em lojas virtuais de apps, há os canais por telefone - 100 e 180 - para receber denúncias de violência e pedidos de socorro.
Em São Paulo, as vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia online na Delegacia Eletrônica da Polícia Civil. Desde o dia 25, injúria, insultos e calúnias podem ser reportados sem a necessidade que a vítima saia de casa. Mas em caso de crimes com necessidade de coleta de materiais, como estupro e agressão física, a recomendação é ir à delegacia da mulher.
Canais não oficiais de denúncia também são alternativas. O Mapa do Acolhimento é um site que conecta mulheres que precisam de ajuda psicológica ou jurídica com profissionais voluntários para atendimento presencial. O app de enfrentamento à violência da mulher PenhaS, criado pelo Instituto AzMina, tem até um botão de pânico.
A vítima pode escolher até cinco pessoas para serem acionadas em caso de urgência por mensagens SMS. Elas podem ainda dialogar, de modo anônimo, com outras usuárias - especialistas apontam que o diálogo é fundamental para a mulher identificar e superar relacionamentos abusivos e violências.
O app foi nomeado em referência à Lei Maria da Penha que prevê violência física, emocional, patrimonial, sexual e moral como crimes. São cinco mil mulheres cadastradas. "O isolamento será mais uma arma que o agressor usará para que as vítimas se distanciem de suas redes de acolhimento, de informação ou de ajuda. Estamos criando estratégias para nos conectarmos. Podemos estar distantes fisicamente, mas isoladas nunca", diz a jornalista Marília Taufic, idealizadora do PenhaS.
A violência doméstica pode ser também psicológica (ameaça, constrangimento, humilhação), patrimonial (controle do dinheiro, destruição de bens) e moral (calúnias e vida íntima exposta sem o consentimento).
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta