Quatro em cada dez famílias brasileiras não têm acesso regular e permanente a uma quantidade e qualidade suficiente de comida. Isso significa que essa parcela da população precisa limitar o tipo ou a porção dos alimentos que vão à mesa, ou até passa fome.
A situação é mais crítica quando se considera os lares chefiados por mulheres e negros. Também é pior entre as crianças e adolescentes e, principalmente, nas áreas rurais e na região Norte do país, onde mais da metade das pessoas não têm segurança alimentar.
Essas foram algumas das conclusões da última Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada de junho de 2017 até julho de 2018. Parte dos resultados das entrevistas, feitas em quase 58 mil domicílios por todo o país, foi divulgada nesta quinta (17).
Os dados mostram que a situação piorou naquele período. A porcentagem de famílias que vivem com algum grau de insegurança alimentar vinha diminuindo nas últimas décadas: eram 35% em 2004, 30% em 2009 e 23% em 2013. No estudo mais recente, porém, o número saltou para 37%.
A crise econômica que assolou o país na época contribuiu para esse agravamento. O desemprego explodiu, o que se refletiu nas geladeiras, sobretudo, das famílias de menor renda.
"Essa piora pode estar relacionada com vários fatores, mas está muito ligada à situação de 2017 e 2018. Vemos que aumentou muito a insegurança alimentar leve. A família fala: estou preocupado, estou fazendo ajustes para não perder na quantidade de comida", diz o responsável pela pesquisa, André Martins.
O IBGE faz a classificação a partir de 14 perguntas sobre a situação alimentar no domicílio nos três meses que antecederam a entrevista. Questiona, por exemplo, se nesse período a família sentiu que os alimentos iam acabar antes da próxima compra ou doação.
Se há segurança alimentar, significa que a família não tem preocupação com relação ao acesso a alimentos hoje ou no futuro --63% das casas brasileiras vivem nesse contexto. Já a insegurança alimentar se divide em três níveis.
A família que se preocupa com o que poderá comer no futuro e que muitas vezes abre mão da qualidade pela quantidade da refeição é considerada em insegurança leve (são 24%). Quando é preciso comer menos e esporadicamente falta comida, a insegurança é moderada (8%).
Por fim, a insegurança alimentar grave acontece nas casas onde a fome é uma realidade. Nesse caso, uma restrição mais severa dos alimentos atinge a todos, incluindo adultos e crianças. É a realidade de 5% das famílias brasileiras, ou seja, 3,2 milhões de domicílios.
Esse cenário é mais comum em lares onde a mulher é a principal pessoa de referência da família. Elas chefiam apenas 39% das casas que têm acesso regular à comida em boa quantidade e qualidade, enquanto os homens chefiam o restante delas.
"Um dos motivos é o menor nível de instrução e as piores condições de acesso ao trabalho das mulheres, o que acaba gerando menos renda e mais dificuldade para o orçamento doméstico. Há ainda na literatura a relação entre insegurança alimentar e domicílios com mais crianças e mais moradores", afirma Martins.
O tamanho da fome depende também da cor da pele. Os negros são os chefes de família de 74% dos domicílios com insegurança alimentar grave, enquanto os brancos são apenas 25% --a proporção da população brasileira em geral é de 57% pardos e pretos e 42% brancos.
Para o grupo em situação mais crítica, a alimentação representa o segundo maior gasto mensal, custando uma média de R$ 421 reais por lar. Ela só perde para a habitação, que consome R$ 688 por mês. Já entre o grupo que come bem, a alimentação vem em terceiro lugar, atrás também dos transportes.
No prato das famílias com insegurança alimentar, é mais comum a presença de cereais, arroz, feijão e aves e ovos. Já os legumes, frutas, laticínios, refrigerantes e alimentos preparados são privilégio do grupo que mantém uma alimentação segura.
A despesa mensal com arroz, por exemplo, é de R$15,01 nos lares com insegurança alimentar grave e de R$ 11,32 nos domicílios com segurança alimentar. Portanto, quando o preço do arroz sobe, como está acontecendo agora, as famílias pobres são as mais afetadas.
A pesquisa mostra ainda uma situação crítica entre crianças e adolescentes: metade deles não come como deveria. Quanto mais a idade vai subindo, melhor a alimentação, portanto na outra ponta estão os idosos de 65 anos ou mais, com apenas 27% de sua faixa etária em insegurança alimentar.
A qualidade e a quantidade de comida ingerida caminham junto, claro, com outras características dos domicílios. Quem vive a fome frequentemente tem índices de abastecimento de água, esgoto e coleta de lixo bem abaixo da média do país.
É nítido também o abismo entre as áreas rurais, onde as restrições na mesa de jantar atingem 44% das famílias, e as áreas urbanas, onde isso só acontece com 23% dos domicílios. Outro precipício separa as refeições da região Norte do país (57% em insegurança alimentar) e as do Sul (21%).
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