A crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus criou uma série de atritos entre os governos estaduais e os poderes Legislativo e Judiciário, sobretudo pela possibilidade de redução ou atraso de repasses obrigatórios mensais a Tribunais de Justiça e Assembleias Legislativas. Em alguns casos, como em Minas Gerais, a guerra foi deflagrada abertamente e rendeu aprovação de lei contra o governador, que rebateu de forma crítica. Depois, todos os lados puseram panos quentes no conflito.
Em outros locais, como no Rio Grande do Sul, chegou-se a um entendimento somente após longa negociação. No Espírito Santo, a situação é semelhante, pois desde o início de maio o governador Renato Casagrande (PSB) vem negociando com os Poderes para que façam uma redução em sua cota do orçamento. Sem conseguir consenso, a estratégia adotada foi de fazer "acordos bilaterais", com um a um. O Tribunal de Contas do Estado (TCES) já definiu que vai ter redução de 20% do repasse do governo estadual.
Já na Paraíba e em Mato Grosso do Sul, por exemplo, houve proposta de redução dos repasses, o que foi abortado em meio a fortes reações dos outros Poderes.
Desde o começo da pandemia, Estados já discutem a necessidade de congelamento de recursos em todos os Poderes para passar pelo período da crise.
Em São Paulo, tanto o Legislativo como o Judiciário fizeram planos para economizar durante o ano, sob a justificativa de que os recursos excedentes sejam usados pelo Executivo no combate à Covid-19.
Em Minas Gerais, como o jornal Folha de S.Paulo publicou, o Tribunal de Justiça abriu mão de um plano formal de contingenciamento de despesas, sob o argumento de que os recursos do Tesouro estadual "devem ser repassados normalmente". Nas últimas semanas, porém, a possibilidade de repasse regular caiu por terra.
Diante disso, ao se antecipar a um anúncio do governo estadual, a Assembleia Legislativa de Minas mandou um recado ao governador Romeu Zema (Novo) e aprovou por unanimidade um projeto de lei que prevê crime de responsabilidade caso o governo atrase o repasse de verba para Assembleia, Judiciário, Defensoria Pública e Ministério Público.
Na prática, para passar a valer, o projeto teria de ser sancionado pelo próprio Zema, que convocou uma entrevista no dia seguinte para expor a situação financeira do estado.
"Nós não teremos condições de continuarmos pagando as obrigações do estado, mesmo as mais relevantes", disse o governador. "Não haverá recursos para nós pagarmos integralmente a folha de pagamento do funcionalismo do Executivo e também o repasse aos Poderes. A lei me manda fazer as duas coisas, agora, se a lei resolvesse nosso problema de caixa, eu ficaria muito satisfeito."
Depois do discurso de Zema, o relator no projeto na Assembleia, Gustavo Valadares (PSDB), baixou o tom e disse que não houve a intenção de "botar a faca no pescoço" do governador.
"O que nós fizemos não foi nada inovador, não trouxemos nenhuma novidade. Foi algo que já está previsto na Constituição Federal", disse, pedindo que o governador tenha "uma conversa franca" com os demais Poderes.
Em nota conjunta, a Assembleia e o Tribunal mineiros afirmaram que "estão cientes das enormes dificuldades que o governo estadual vem enfrentando desde que assumiu e têm sido parceiros constantes, na busca de soluções".
A pressão, ao menos por enquanto, deu certo. Após reunião com os presidentes da Assembleia e Tribunal, o governador decidiu que os repasses não serão reduzidos em um primeiro momento, apenas parcelados.
No Rio Grande do Sul, em meio às negociações com o governador Eduardo Leite (PSDB) sobre os repasses, o presidente da Assembleia, Ernani Polo (PP), anunciou a possibilidade de parcelar o salário dos servidores do Legislativo gaúcho.
Leite anunciou um acordo com a Assembleia para ampliar o contingenciamento de recursos neste ano, de R$ 150 milhões para R$ 210 milhões, além de possibilidade de ampliação dessa economia ano que vem. O repasse de recurso ficou no patamar previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano passado.
Na Paraíba, o governo João Azevêdo (Cidadania) chegou a anunciar reunião com integrantes do Judiciário e do Legislativo para discutir a redução dos repasses, mas obteve manifestações críticas de ambos os Poderes.
"É com preocupação que recebemos a notícia da intenção do governo em reduzir o repasse mensal a este Poder, uma vez que isso pode comprometer o pagamento dos servidores efetivos, bem como acarretar exonerações de servidores comissionados, agravando ainda mais a crise", disse a Assembleia paraibana em nota do fim de abril.
Diante do impasse, o governo recuou e agora afirma que a discussão está paralisada. Segundo o secretário de Finanças da Paraíba, Marialvo Laureano, "esse debate está suspenso no momento".
Em Mato Grosso do Sul, o secretário de Governo afirmou em entrevista em abril que tem negociado com os outros Poderes a redução dos repasses.
"O momento é de crise, e de crise para todos. Esses poderes vão ter que encontrar dentro das suas instituições iniciativas para reduzir as despesas e os gastos. E cada uma dessas instituições está buscando esse caminho", afirmou Eduardo Riedel.
O Tribunal de Justiça, que lançou estudos para a extinção de comarcas, tem jogado a responsabilidade sobre o fim desses serviços no Executivo. Segundo a corte sul-mato-grossense, a medida será tomada "se houver problema no repasse do duodécimo".
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