Às vésperas de completar um ano, a reforma da Previdência do governo ainda tem propostas pendentes.
O plano de endurecer as regras de cobrança dos grandes devedores, por exemplo, nem sequer avançou o primeiro passo no Congresso. Esse era um dos quatro pilares da reforma apresentada pela equipe econômica, no início de 2019.
Além disso, ainda não foi apresentado o projeto da Lei de Responsabilidade Previdenciária, cujo objetivo é incentivar que estados e municípios façam adesão à reforma e adotem medidas para controlar os gastos com aposentadorias e pensões de servidores.
Outro ponto sem conclusão é a criação de regras claras para aposentadorias especiais, como de vigilantes -assunto que foi negociado com o Senado em outubro do ano passado.
No início do governo, o ministro Paulo Guedes (Economia) enviou ao Congresso um pacote de propostas legislativas para reestruturar a Previdência Social, cujo aumento das despesas pressiona os gastos públicos.
O principal pilar da reforma foi a Emenda à Constituição com os novos critérios de aposentadorias e pensões. Além desse, foram aprovadas as propostas de reforma voltada para os militares e a do pente-fino nos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que busca coibir fraudes.
O quarto eixo do pacote previa medidas para acelerar a recuperação de dívidas com a Previdência, em uma estratégia para neutralizar discursos contrários à reforma.
A oposição e alguns economistas argumentavam que, antes de endurecer as regras para aposentadoria, era necessário cobrar os devedores -embora isso tenha efeito muito menor nas contas públicas.
Em uma das frentes, o governo quer classificar e criar mecanismos de combate aos chamados devedores contumazes. Pelo texto, esse devedor é o que mantém dívida igual ou superior a R$ 15 milhões por mais de um ano, com prática de algum tipo de fraude.
A proposta é traçar ações específicas para atacar o devedor contumaz, algo que não é previsto na legislação atual. Isso pode representar uma arrecadação superior a R$ 30 bilhões em dez anos.
Apesar de o impacto financeiro ser pequeno em relação ao pacote já aprovado (que deve gerar uma economia de mais de R$ 1 trilhão em uma década), o governo quer concluir a votação desse projeto pendente.
Segundo o Ministério da Economia, a análise desse projeto foi prejudicada pela crise do coronavírus neste ano.
Em relação à Lei de Responsabilidade Previdenciária, o governo diz que a proposta deverá ser apresentada em breve, mas não deu um prazo exato.
Um dos itens em estudo prevê que, se o governo (federal, estadual ou municipal) conceder um aumento salarial a servidores, a medida ficará condicionada ao impacto nas contas da Previdência.
Técnicos do governo afirmam que, assim, será criada uma barreira indireta a reajustes, principalmente porque os salários dos servidores ativos servem de base para a aposentadoria de muitos inativos.
Em acordo firmado com o Senado, o governo apresentou, em outubro do ano passado, um projeto de lei que cria regras especiais de aposentadoria para profissionais expostos a alta periculosidade, como vigilantes armados e guardas-noturnos, por exemplo.
Hoje, não há requisitos diferenciados de aposentadoria para categorias com grau de periculosidade. Mas é comum que esses profissionais entrem na Justiça alegando que, por causa da periculosidade, têm direito a se aposentar mais cedo.
O objetivo do projeto é deixar claro na lei quais as situações em que um trabalhador pode pedir antecipadamente o benefício por causa das condições de trabalho. Isso reduziria a disputa judicial.
No entanto, o texto, que traz regras ligadas à Emenda Constitucional da reforma da Previdência, também não avançou. O Senado quer ampliar a lista de categorias beneficiadas. Com isso, a tramitação travou.
Na avaliação do economista Paulo Tafner, especialista na área de Previdência e um dos consultores informais da equipe de Guedes, o governo teve dificuldades de dar sequência às reformas na Previdência por causa da falta de uma base política sólida no Congresso e por causa do calendário apertado.
"Fica difícil aprovar uma ampla agenda legislativa diante de eleições a cada dois anos. A janela é muito curta. Isso acontece com todos governos, mas nesse a falta de articulação política, que parece estar melhorando agora, atrapalhou", disse Tafner.
Apesar da aprovação da reforma da Previdência no ano passado, o Brasil caiu três posições, em 2020, no ranking do índice global de sistemas previdenciários, elaborado pela consultoria Mercer. O país ficou na 26ª colocação de um total de 39.
"A reforma traz um alívio fiscal no médio e longo prazos. Os efeitos ainda demoram, por causa da transição", explicou Felipe Bruno, líder de Previdência da Mercer Brasil.
Para ele, a reforma aprovada, apesar de ampla, não deve ser suficiente para equilibrar as contas da Previdência e, por isso, uma nova reestruturação terá de ser feita nos próximos anos.
Segundo Bruno, é necessário que o sistema de aposentadorias no Brasil seja modificado, para a capitalização -no qual cada trabalhador faz a própria poupança.
Mas, diante da desigualdade no país, ele defende que haja uma camada de proteção, ou seja, o governo garante a cobertura das aposentadorias dos mais pobres.
Guedes chegou a propor a troca do modelo para a capitalização, mas o Congresso barrou a discussão. O Ministério da Economia ainda não desistiu dessa medida, mas aguarda o momento mais oportuno para retomar o projeto.
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