O aposentado Adilson da Cunha ganhava todos os meses uma renda extra por meio do plantio e venda de hortaliças em sua propriedade na cidade de Itatiaiuçu, a cerca de 80 km de Belo Horizonte. Hoje, morando em uma casa alugada, ele consegue plantar apenas uma horta pequena, para consumo próprio.
Outras 75 famílias também tiveram seus sonhos abreviados após uma repentina remoção decorrente do risco do rompimento da barragem da Mina Serra Azul, da ArcelorMittal. Uma sombra no estado de Minas Gerais desde as tragédias de Mariana e Brumadinho.
Passados três anos da remoção, famílias vivem em casas improvisadas de aluguel e dependem de auxílio mensal de 2,5 salários mínimos, muitas vezes menos do que ganhavam em suas propriedades rurais. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens, apenas 10% dos atingidos assinou acordo de indenização até o momento.
A ArcelorMittal disse acreditar ser possível a conclusão de todos os acordos de indenização individual até o fim deste ano. "A velocidade do processo de negociação depende fundamentalmente do cumprimento dos prazos por parte da Assessoria Técnica Independente que suporta a comunidade", afirmou a empresa.
O auxílio que os moradores recebem faz parte de um Termo de Acordo Complementar (TAC) firmado, em junho de 2021, entre a mineradora e o Ministério Público. Era previsto o benefício para as famílias desalojadas ou do entorno por 12 meses. A última parcela foi paga em junho e os moradores não sabiam se o subsídio seria renovado. Nesta semana, o Ministério Público e a ArcelorMittal informaram que o auxílio será prorrogado por mais quatro meses, entre julho e outubro.
Em relação a voltar para a casa, o principal sonho, não há data.
Outras 130 propriedades nas comunidades de Pinheiros, Vieiras e Lagoa das Flores foram afetadas, mas não precisaram da remoção de pessoas. Algumas eram imóveis como chácaras e sítios, que não podem mais ser utilizados. Outras são propriedades que estão localizadas apenas parcialmente na área de risco.
Com lágrimas nos olhos, a aposentada Solange Rocha relembra dos planos que ela e família tinham para a propriedade que compraram um ano e meio antes da necessidade de deixarem a casa. "A gente comprou essa propriedade depois de muito planejamento e muita renúncia. Era a realização de um sonho da vida, que a gente não pôde fazer com os filhos e idealizamos fazer com os netos", diz Solange.
Segundo o casal, eles e os quatro filhos juntaram todas as economias e investiram na compra da casa em Itatiaiuçu. A ideia era que cada um começasse um pequeno negócio para que a propriedade fosse autossustentável.
Entre as iniciativas da família estavam a criação de gado e produção de leite e queijo, criação de peixes, plantação de frutas e hortaliças, fabricação de compotas e geleias, além de um espaço voltado para fotografias de casamento. Hoje eles moram em uma propriedade alugada pela mineradora, também na zona rural. Mesmo que ainda tenham a proximidade com a natureza, o sonho do empreendimento familiar foi destruído, além da perda de todo o trabalho e dinheiro investidos.
"Nós estávamos havia um ano e meio trabalhando todos os dias, meus filhos me ajudavam. Agora, roubaram toda a fiação elétrica, depredaram tudo, roubaram um barco. Quando eu tenho notícia, prefiro nem contar para a família", afirma Lucas, o marido de Solange.
Os problemas com a saúde mental também preocupam os atingidos. "O adoecimento mental é notório. Alguns relutam para tomar medicamento até hoje. Nós relutamos, mas entendemos que, se a gente aceitasse a medicação, geraria uma certa tranquilidade para os nossos filhos", diz Solange
A família do senhor Adilson também lida com esse problema. "A minha mulher adoeceu, não sai de casa para nada. Ela nunca foi lá na casa antiga para ver como está, porque, se ela for, ela não aguenta. Eu não dou demonstração, mas eu estou doente de tanto esperar", afirma.
Segundo ele, as exigências para comprovar tudo que perderam para conseguirem as indenizações são longas e cansativas. Ele espera que os atingidos consigam uma reparação justa por terem suas vidas modificadas drasticamente. Os moradores recebem a assessoria técnica da Aedas (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social). O objetivo da associação é auxiliar a comunidade atingida na busca pela reparação integral dos danos causados.
Os atingidos vão além das pessoas que precisaram sair de suas casas. Moradores que estão fora da chamada Zona de Auto Salvamento relatam impactos causados pelo esvaziamento da cidade, redução de empregos e o medo de um rompimento da barragem. Hoje, a barragem está em nível de emergência três, segundo classificação da Agência Nacional de Mineração, o que representa risco e dano potencial altos. A estrutura possui 85 metros de altura e volume de 5 milhões de metros cúbicos.
De acordo com a mineradora, a barragem está desativada e não recebe mais rejeitos desde 2012. O projeto de desmonte da estrutura está em andamento e será apresentado às autoridades competentes até o fim de novembro.
O comércio da comunidade, que dependia diretamente dos clientes locais, também foi afetado. Bruno Leonardo, dono de um mercado no bairro, disse que seu faturamento caiu cerca de 60% e ele precisou fazer empréstimos para pagar despesas. Segundo ele, os comerciantes não são considerados atingidos e não receberam auxílio.
Wilson Vieira é dono de um depósito de materiais de construção no bairro. Ele diz que seu faturamento caiu quase 90%. "Quem constrói debaixo de uma barragem que tá com risco iminente de se romper? Ninguém constrói", diz ele. Devido à queda das vendas, Wilson precisou demitir seis funcionários e fechou o estabelecimento por dois anos. Ele reabriu o comércio, mas agora vende materiais para pequenos reparos domésticos e o local passou a funcionar como bar e mercearia.
Medidas para reativação da economia local estão entre os pedidos da população. No entanto, as ações ainda não foram tomadas. De acordo com a ArcelorMittal, o processo de reparação coletiva está em discussão juntamente com o Ministério Público, a prefeitura e a comunidade.
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