> >
Reviravoltas no Supremo levantam discussão sobre insegurança jurídica

Reviravoltas no Supremo levantam discussão sobre insegurança jurídica

O ministro Edson Fachin deu decisão inesperada anulando as condenações do ex-presidente Lula

Publicado em 12 de março de 2021 às 11:13- Atualizado há 4 anos

Ícone - Tempo de Leitura min de leitura
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal (STF)
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal (STF) . (Marcello Casal JrAgência Brasil)

Com a inesperada decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), na segunda-feira (08), que anulou as condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato, ganhou nova força o debate sobre a insegurança jurídica que pode ser gerada por esse tipo de medida.

Especialistas do direito, da ciência política e da economia ouvidos pela reportagem têm análises distintas sobre a questão. Há desde aqueles que veem nas mudanças de entendimento do STF efeitos negativos para a segurança jurídica no país até aqueles que consideram que elas são consequência de um sistema de Justiça que permite recursos e o amadurecimento de determinadas interpretações.

A diretora de operações da organização Transparência Brasil, Juliana Sakai, considera que as mudanças constantes são negativas e geram percepção de impunidade, além de desperdício de recursos públicos com investigações que acabam sendo em parte ou inteiramente descartadas.

"Do ponto de vista do combate à corrupção, tem uma série de decisões que vão sendo alteradas ao longo dos anos e que dão impressão para a população de que o entendimento é tomado de acordo com o réu e com o contexto em que a gente está. Ou seja, não tem uma imparcialidade e não tem isonomia", afirmou.

"No caso do Fachin, o que está se discutindo não é a questão da suspeição, mas da competência do Moro. E isso já foi discutido antes. O que mudou em relação à competência para as decisões anteriores, qual o argumento novo?", questiona ela.

Em sua decisão, Fachin determinou que a Justiça Federal em Curitiba não deveria ser a responsável pelos processos envolvendo Lula com o argumento de que os delitos imputados ao ex-presidente não correspondem a atos que envolveram diretamente a Petrobras. Chamou atenção que a decisão tenha sido dada apenas neste momento, pois a defesa de Lula vem fazendo esse questionamento há anos.

No entanto, o ministro argumentou que, em habeas corpus de novembro de 2020, foi a primeira vez que a defesa de Lula apresentou um pedido que reunia "condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo STF".

Como consequência da decisão, as condenações que retiravam os direitos políticos de Lula não têm mais efeito e ele voltou a ser elegível para a próxima eleição presidencial, em 2022.

Para Irapuã Santana, doutor em direito processual pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a decisão de Fachin é bem fundamentada e bem construída, mas ele se questiona o porquê de ela ter sido dada só agora.

"Depois de tanto tempo, está mandando voltar tudo. Isso não é segurança jurídica, na verdade, é o contrário da segurança jurídica. É importante, para a gente ter um sistema jurídico eficaz e eficiente, é preciso haver esse sistema de previsibilidade."

"Está aí um dos problemas externos da decisão, porque ela mesma fala que o Supremo vai construindo a competência da Lava Jato, de acordo com o tempo. Isso é muito complicado, porque a competência, que é a designação do juiz natural, ela tem que ser prévia", disse Santana.

Outra parcela de entrevistados vê decisões como a de Fachin como algo esperado de um sistema de Justiça que permite recursos e, em linhas gerais, apontam também que mudanças no contexto e o surgimento de novas evidências são alguns dos elementos que podem contribuir para que magistrados alterem seus posicionamentos.

Uma delas é a professora Vera Karam, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), que não vê esse tipo de mudanças de decisão como geradoras de insegurança jurídica. Para ela, é razoável que elas ocorram com o decorrer do tempo. "Do meu ponto de vista, os juízes podem mudar de opinião, argumentos que, para eles faziam sentido, podem não fazer mais."

Ela argumenta que o Judiciário não age por iniciativa própria e que, apenas diante de um habeas corpus da defesa de Lula que tinha elementos suficientes para declarar a incompetência, isso teria sido feito.

"Há insegurança jurídica quando não se respeitam os princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal, que foi a meu ver o que, desde o início, o ex-juiz Sergio Moro não respeitou."

Para Nara Pavão, professora de ciência política da UFPE e que tem como uma de suas linhas de pesquisa o impacto da Lava Jato na opinião pública, o tipo de mensagem que a decisão de Fachin transmite para a sociedade não é uniforme, e as decisões podem ter efeitos muito distintos na opinião pública.

Há tanto aqueles que vão interpretar como um reforço da ideia de impunidade quanto os que interpretarão como uma correção de desvios da Lava Jato e com a ideia de eficácia do sistema judicial. "O STF, como outras instituições judiciais, é visto de forma altamente politizada pela população."

Para Luciana Gross, professora da FGV Direito SP, o que se vê agora em relação a mudanças de posição da corte não é um ponto fora da curva. "Seguir os precedentes nunca foi uma questão central nas decisões do Supremo e dos tribunais de uma forma geral no Brasil", diz ela.

Luciana destaca a discussão sobre a prisão em segunda instância, tema sobre o qual o tribunal mudou de posição mais de uma vez.

"A questão é que a Lava Jato foi importante politicamente, porque teve como alvo principal o ambiente político. E a gente, cada vez mais, tem consciência de que ela foi fundamental na definição das eleições de 2018 para a Presidência da República. E, naquele momento, sob a chancela do STF. O STF, por mais que puxasse a orelha da turma de Curitiba e principalmente do ex-juiz Sergio Moro, chancelava os seus atos."

Outra decisão que gerou questionamentos, esta do STJ (Superior Tribunal de Justiça), foi a invalidação de provas no caso das "rachadinhas". O tribunal entendeu, em recurso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que os pedidos de quebra de sigilo não tinham sido fundamentados.

A decisão colocou em risco a cadeia de provas utilizada pelos procuradores do Ministério Público do Rio de Janeiro para acusar o senador.

Para Antonio Ramires Santoro, professor de direito processual penal da UFRJ, a decisão foi tecnicamente correta. "Eu só lamento que o mesmo rigor que o STJ utilizou para, digamos assim, cobrar que o juiz tivesse uma argumentação mais aprofundada no caso do Flávio não seja uma constante no STJ", afirmou ele. "Mas isso não é suficiente para dizer que há uma blindagem."

Já o procurador de Justiça em São Paulo Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, considera que a decisão foi ruim.

"Não existe em nenhum lugar do nosso ordenamento uma especificação sobre a extensão necessária de decisões judiciais. O que existe é a imposição no sentido de que as decisões devem ser fundamentadas. Você pode ter uma fundamentação de uma decisão em duas linhas."

Para ele, há uma sensação de que as decisões de parte dos magistrados mudam a depender de quem é julgado. "Se você me perguntar: 'esse desfecho tem relação com o fato de que o acusado é o filho do presidente da República?' Na minha opinião, sim."

Livianu vê riscos também em iniciativas do Legislativo, como o projeto altera a lei de improbidade administrativa, vista por ele como a principal lei de defesa do patrimônio público. "Essas pretensões vão no sentido de instituir a impunidade na lei."

Do ponto de vista de economistas, as mudanças de posicionamentos dos tribunais acabam trazendo consequências para o economia também.

"A insegurança jurídica é uma parte fundamental do funcionamento do mercado. Ele funciona bem se as regras são claras", afirma o professor de economia da USP Simão Silber. "Isso traz custos adicionais para a economia, porque você não tem regras estáveis, vai depender da cabeça do juiz."

Marcos Lisboa, presidente do Insper, concorda. "O maior problema não é o problema da lei, mas as mudanças na interpretação da lei, que ficam oscilando de uma visão para outra com muita frequência."

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais