O risco de pessoas negras serem mortas no Brasil é três vezes maior do que entre pessoas não negras –e, pela primeira vez em dez anos, essa desproporção racial de assassinatos foi registrada em todas as 27 unidades federativas do país.
Para assassinatos com armas de fogo, o risco é 3,6 vezes maior para negros. As informações são do Índice Folha de Equidade Racial (Ifer), que mapeou as mortes violentas intencionais no Brasil.
Esse desequilíbrio racial entre vítimas de violência letal é menor na região Sul e maior no Nordeste, puxado pelos altos índices de Alagoas, Sergipe, Ceará e Paraíba.
Criado pelos economistas Sergio Firpo, Michael França e Alysson Portella o Ifer mede a exclusão de pretos e pardos de estratos privilegiados da sociedade e foi aplicado à desigualdade racial nas taxas de homicídios brasileiras.
O estudo foi realizado no âmbito do recém-criado Núcleo de Estudos Raciais, do Insper, a partir de informações de 2010 a 2020 dos sistemas de notificação do Ministério da Saúde. Participaram também os pesquisadores Fillipi Nascimento e Alisson Portella.
"Desde 2010, a taxa de homicídio de negros vem crescendo enquanto a de brancos vem caindo", aponta Firpo.
Para fazer o índice, os pesquisadores calcularam a taxa de homicídio para cada 100 mil habitantes dentro de cada grupo. A essas taxas foi aplicado o Índice de Equidade Racial (IER), desenvolvido pelos economistas, em uma escala de -1 a 1.
Se a taxa for zero, isso indica que a proporção de negros e não negros mortos segue a mesma proporção desses grupos na população em geral. Se o índice for negativo, a proporção de não negros assassinados é maior do que a de negros. Já se for postivo, a proporção de negros mortos é maior do que a de não negros.
Em 2020, todos as 27 unidades da federação registraram números positivos --na edição anterior, referente aos dados de 2019, o Paraná era a única exceção, com maior proporção de mortes de não negros.
O caso mais radical é o do Ceará, que apresentava leve sobrerrepresentação de não negros em 2010 (-0,07) e saltou para o segundo lugar daqueles em que vítimas negras de homicídios estão mais sobrerrepresentadas (com 0,75). A liderança é de Alagoas, com 0,87.
No geral, o Nordeste registrou um índice de 0,59 em 2020. Em 2010, essa taxa era de 0,35 --ou seja, a desigualdade racial aumentou na região nesse período. Isso aconteceu, aliás, em todas as regiões do país.
O Sul, por exemplo, tinha um índice de -0,04 em 2010, o que indicava que a proporção de não negros mortos era maior que a de negros. Em 2020, o número foi de 0,16. Ou seja, embora a região siga com o menor desequilíbrio racial do país, negros passaram a ser proprocionalmente mais mortos do que não negros.
O estudo analisou as taxas de homicídios dos diversos grupos raciais do Brasil. "A taxa de homicídio de pardos é a mais alta no país, seguida da taxa de pretos. E, apesar de ser menos de 1% da população brasileira, os indígenas têm a terceira maior taxa de homicídios do país, num fenômeno alavancado pelos dados da região Norte", explica Firpo.
"Os dados do Ministério da Saúde têm uma defasagem de dois anos, e outras fontes já apontaram que, enquanto os homicídios caíram no Brasil, eles aumentaram na região Norte", explica o cientista político Pablo Nunes, coordenador do Cesec (Centro de Estudos em Segurança e Cidadania) e da Rede de Observatórios da Segurança. "Eu apostaria, portanto, que os próximos dois anos terão aumento ainda maior da participação de indígenas entre as mortes violentas no Brasil."
Para Nunes, impressiona que a participação de vítimas negras no total de mortes violentas aumente continuamente.
Em 2010, negros eram 67% das vítimas de homicídio no país e, em 2020, chegaram a quase 77% das pessoas assassinadas no país, enquanto, na população brasileira, 56% das pessoas se declarem negras.
Segundo o cientista político, entre os vetores desse aumento está "o aprofundamento da violência racial no país, expresso não só na desproporção de negros mortos por policiais como em mortes bárbaras como a de João Alberto Freitas", espancado por seguranças do Carrefour há dois anos, em novembro de 2020.
"Outro fenômeno importante é o da maior auto identificação das pessoas como negras", destaca. "Ao mesmo tempo, isso torna mais tranquilo tratar pessoas como negras, inclusive para os médicos legistas que fazem esse registro nos sistemas de notificação da Saúde. Anos atrás, classificar as pessoas como negras poderia ser considerado até mesmo uma ofensa."
Para Michel França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais "a piora econômica, que começou com a crise institucional e política em 2014, pode ter repercussão nas dinâmicas criminais e numa situação de exclusão social cuja violência gerada está matando mais negros".
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