Cleber Fabrício passou 12 dias internado em estado gravíssimo em uma emergência antes de morrer, aos 67 anos. Quando sua cuidadora falou com a reportagem, há cerca de uma semana e meia, tinha esperança de conseguir transferência para uma UTI.
Mas mesmo passando dias sentada na porta da unidade e cruzando a cidade várias vezes para tentar uma ordem judicial, não conseguiu. Ele morreu na quinta-feira (3), na sala vermelha do Centro de Emergência Regional (CER) da Barra da Tijuca.
Cleber é uma das centenas de pessoas com Covid-19 que ficaram à espera de leito adequado nas últimas semanas no Rio de Janeiro. O estado vive colapso na saúde, agravado pela recorrente falta de pagamento de profissionais.
A fila vem crescendo e chegou a 491 pessoas na rede pública nesta terça (8), sendo que 251 delas precisavam de terapia intensiva. Há apenas um mês, esses números eram de 76 e 30, respectivamente.
A ocupação de UTIs é de 91% na rede pública da capital (os hospitais municipais não têm nenhuma vaga) e de 76% na rede estadual.
"Corremos o risco de ficar como Manaus no início da pandemia", diz Carlos Vasconcellos, diretor de comunicação do sindicato de médicos (Sinmed/RJ). "O governo sinalizou com um aumento de leitos, mas o vírus não acompanha a velocidade do governo. Além disso, os leitos anunciados não são suficientes para a fila que temos."
Estão previstas mais 130 vagas estaduais até o dia 18 e mais 170 municipais nas próximas duas semanas, usando leitos que já existem mas estão bloqueados, principalmente por falta de profissionais.
Tanto o governador em exercício Cláudio Castro (PSC) como o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) descartam restringir serviços e atividades. Ambos sustentam que a testagem em massa, a fiscalização de eventos e a abertura de vagas nos hospitais são suficientes para conter a pandemia.
As únicas mudanças que comunicaram em uma entrevista coletiva na sexta (4) foi fechar escolas municipais, que já vinham com baixa adesão, e abrir shoppings por 24 horas para evitar aglomerações nas compras de Natal.
A lotação é reflexo da política de reabertura das atividades e do fechamento de leitos nos últimos meses, quando a doença parecia estar arrefecendo. O estado fechou todos os hospitais de campanha, e o município enxugou equipes que trabalhavam no único que sobrou, no Riocentro. A rede federal também foi reduzida.
Enquanto isso, muitas unidades pré-hospitalares, como as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), estão lotadas, com pacientes aguardando em cadeiras e sem atendimento adequado, apesar de a prefeitura argumentar que eles estão sendo assistidos.
"Todas as unidades de Covid que visitei na semana passada estavam lotadas, municipais, estaduais e federais. E as UPAs não têm o que é necessário para manter pacientes graves, só têm leitos de estabilização para ficar menos de 24 horas", diz a defensora pública Alessandra Nascimento, que atua na área de saúde.
Uma pessoa que está intubada e precisa se alimentar por sonda no estômago (nutrição enteral), por exemplo, não tem acesso a esse atendimento e pode ficar dias recebendo apenas soro. Isso tem um impacto muito grande, ela diz, porque um paciente nutrido responde muito melhor ao tratamento. Também não há fisioterapeutas.
Nascimento diz que a situação é pior agora para conseguir leitos do que no início, quando a pandemia atingiu primeiro a rede privada e depois a pública. Como o colapso afeta as duas redes, quem consegue ordem judicial para transferência não encontra nem vagas particulares.
Ela ressalta também que a falta de leitos sempre foi um problema no Rio de Janeiro. "Sempre funcionou assim indevidamente, com pacientes internados nas UPAs, mas agora tivemos agravamento do quadro. E quando passar a crise isso ainda vai existir", diz.
É o que também acontece com os salários. Grande parte dos médicos, enfermeiros e outros profissionais da rede municipal estão trabalhando sem receber pagamento pelo trabalho que fizeram em novembro, assim como auxílios de transporte e alimentação.
Isso inclui os servidores do hospital de campanha e do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, de referência para a Covid-19. Os atrasos e más condições são o motivo de muitos terem aproveitado o fim dos contratos emergenciais e deixado o município, agravando a situação de um sistema que já sofre com a falta de servidores.
O médico Pedro Archer, que faz parte da diretoria do sindicato, foi um deles. Ele se mudou para Niterói depois de ter trabalhado por três meses no hospital de campanha da prefeitura e só ter recebido até metade dos salários. Ficou ainda sem o pagamento das férias e da rescisão no CER Barra da Tijuca.
"Me passavam contato do RH, diziam para fazermos uma lista de médicos que estavam com o pagamento incorreto e nada era feito. Alguns acabavam parando de ir trabalhar, outros foram demitidos quando as equipes foram sendo enxugadas", conta.
Os que foram contratados na pandemia também sofrem com o risco do fim do contrato emergencial em dezembro. A RioSaúde, empresa pública responsável por muitas unidades, disse que encaminhou projeto de lei para prorrogá-los por seis meses, aprovado nesta terça em primeira votação pela Câmara Municipal. Sobre pagamentos, disse que depositou a primeira parcela do 13° no dia 30 e que está providenciando o pagamento dos salários, sem responder quando isso seria feito.
A Secretaria Municipal de Saúde disse que "o pagamento dos profissionais é prioridade e que os técnicos da pasta trabalham junto aos outros setores competentes da prefeitura para que salários sejam quitados o mais breve possível".
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta