Conteúdo analisado: Padre Kelmon, candidato à Presidência da República pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), é, de fato, padre?
Comprova Explica: Candidato à Presidência da República pelo PTB, Padre Kelmon se denomina como um representante religioso da igreja ortodoxa e do conservadorismo cristão. Desde o lançamento de sua candidatura, diversas instituições religiosas vêm se manifestando sobre o suposto vínculo que possuem com Kelmon.
A assessoria de imprensa de Padre Kelmon enviou nota ao Comprova em que também confirma o vínculo religioso do candidato com a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru, que segue, sem afiliação oficial, os ritos de uma vertente do cristianismo da Índia (ortodoxa siro-malankara). Procurada pela reportagem, Ángel Ernesto Morán Vidal, Arcebispo Primaz e autoridade máxima da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru, confirmou que o candidato faz parte da igreja.
Anteriormente, instituições negaram qualquer vínculo com o padre. Entidade máxima da denominação ortodoxa predominante no Brasil, a Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia no Brasil emitiu um comunicado dizendo que padre Kelmon não é e nunca foi membro dessa igreja. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), instituição que congrega os bispos da igreja católica no país, também emitiu um comunicado no dia 30 de setembro afirmando que o candidato que se apresenta como “padre Kelmon” não é sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana, principal denominação católica, em número de fiéis, no Brasil e no mundo, com sede no Vaticano.
Padre Kelmon nunca exerceu cargo eletivo e, antes deste ano, não havia se candidatado a nenhuma eleição, segundo dados do portal de divulgação de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral, que vão até 2004. O candidato, que já foi filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), foi uma das figuras centrais de um esquema para propagar desinformação contra Dilma Rousseff em 2010.
Kelmon é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) desde 2018, segundo reportagem d’O Globo. Inicialmente, Padre Kelmon seria candidato a vice-presidente da República na chapa com Roberto Jefferson, que teve sua candidatura negada pelo TSE.
Dessa forma, no dia 3 de setembro, menos de um mês da data da eleição, Kelmon foi registrado pelo PTB como candidato à Presidência da República, tendo como vice, o pastor Luiz Cláudio Gamonal (PTB).
Como verificamos: O Comprova contactou a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru e as assessorias de imprensa do PTB e do PT. Também foram consultadas reportagens jornalísticas, redes sociais do próprio Padre Kelmon e das igrejas relacionadas a ele, assim como o portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para divulgação das candidaturas nas eleições deste ano.
Filho de Risoldete e José Gomes, Kelmon Luis da Silva Souza nasceu em 21 de outubro de 1976, em Salvador, na Bahia. Ele cresceu em uma família católica e, na adolescência, liderou grupos de jovens como a Legião de Maria.
De acordo com reportagem do SBT News, aos 20 anos Kelmon ingressou no seminário Mater Ecclesiae, dos Legionários de Cristo, em São Paulo, seguindo sua formação nos seminários Santana e Santa Catarina de Alexandria, o primeiro romano e o segundo ortodoxo.
Em 2003, decidiu seguir como ortodoxo e seis anos depois, tornou-se missionário no serviço aos pobres, presidiários, e à juventude universitária.
Em outubro de 2021, fundou o Movimento Cristão Conservador Latino-Americano (MECCLA), assumindo-o como seu primeiro presidente.
Padre Kelmon também é presidente de uma empresa chamada Associação Theotokos (CNPJ: 25310794000110), que declara à Receita prestar atividades de organizações religiosas ou filosóficas e atividades de associações de defesa de direitos sociais.
Entidade máxima da denominação ortodoxa predominante no país, a Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia no Brasil emitiu um comunicado dizendo que padre Kelmon não é e nunca foi membro dessa igreja. “Não possuímos qualquer relação ou comprometimento com o mesmo ou com qualquer um de seus feitos, passados ou presentes”, diz o documento assinado pelo Arcebispo Dom Tito Paulo George Hanna.
Segundo a CNN, em outra manifestação, a Igreja Sirian Ortodoxa disse que nenhum dos “‘bispos’ ou representantes legais hierárquicos” da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru “jamais foram ordenados, sagrados ou tiveram suas ‘sagrações episcopais’ confirmadas por nenhum bispo, ou Patriarca de nossa Igreja”.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também emitiu um comunicado no dia 30 de setembro afirmando que o candidato que se apresenta como “padre Kelmon” não é sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana. A CNBB, que reúne bispos católicos mas não é representante oficial do Vaticano, disse ainda que de acordo com a Lei Canônica em vigor, os padres da Igreja Católica que estiverem “em pleno exercício do ministério sacerdotal não disputam cargos políticos, nem se vinculam a partidos”.
O Comprova ligou para o telefone que aparece na ficha da igreja no Google. A pessoa que atendeu se identificou como Ángel Ernesto Morán Vidal, Arcebispo Primaz e autoridade máxima da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru. Ele confirmou que Padre Kelmon faz parte da igreja e disse que a instituição está presente em mais de 16 países, na Europa, África e América Latina, incluindo o Brasil, Venezuela, Equador, Itália e Alemanha.
Para mais informações, ele encaminhou o contato do representante da igreja no Brasil, que se identificou como Padre Miguel-Phellype Martins, Vigário Episcopal da Igreja Ortodoxa do Peru no Brasil. Padre Miguel forneceu informações sobre o histórico de filiação de Kelmon à igreja, que se deu por intermédio dele.
Segundo padre Miguel, antes de ingressar na Igreja Ortodoxa do Peru, Kelmon passou pelas igrejas Greco Melquita e Apostólica Ortodoxa da América, onde foi ordenado padre em 2015. Miguel também afirmou que Kelmon passou pela igreja Sírian Ortodoxa de Antioquia no Brasil, apesar dessa negar qualquer relação.
O ingresso do presidenciável na Igreja Ortodoxa do Peru, em 6 de agosto de 2021, se deu por intermédio de padre Miguel.
A assessoria de imprensa de Padre Kelmon enviou nota ao Comprova em que também confirma o vínculo religioso do candidato com a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru. De acordo com o posicionamento, “Padre Kelmon é reconhecido pela Igreja Ortodoxa como Pároco Interino sediado no Vicariato Episcopal do Brasil, com Código de Filiação N° BR0002PB, e é responsável pela Igreja Ortodoxa de São Lázaro, na Ilha de Maré, no Estado da Bahia”.
Em novembro, prossegue a nota, Padre Kelmon será sagrado Bispo pela Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru, com a missão de iniciar no Brasil a Igreja de Tradição Canônica Siro Ortodoxa Malankar. Ele terá, como bispo, “poderes eclesiásticos para conduzir a Igreja no Brasil”, diz o texto, informando que, para concorrer à disputa eleitoral, pelo PTB, Padre Kelmon obteve licença eclesiástica da Igreja no dia 2 de agosto de 2022.
Segundo a assessoria de imprensa do PTB, padres da Igreja Apostólica Ortodoxa do Peru “não recebem salário e vivem de doações”. Nessas circunstâncias, Kelmon recebeu 15 parcelas do auxílio emergencial, do governo federal, em meio à pandemia, entre 2020 e 2022. Ao todo, ele recebeu R$ 5.100.
O padre declarou ao TSE, em seu registro de candidatura, R$ 8.548,13 em bens. Todo esse montante refere-se a caderneta de poupança, com exceção de um real, descrito como quotas e quinhões de capital.
Atualmente, em seu perfil no Instagram, Kelmon pede doações para sua igreja por PIX. As contas bancárias pertencem a ele, como confirmou a Folha de S. Paulo.
Padre Kelmon nunca exerceu cargo eletivo e, antes deste ano, não havia se candidatado a nenhuma eleição, segundo dados do portal de divulgação de candidaturas do TSE, que vão até 2004. Isso não significa que a jornada política dele começou com o tumulto causado no debate presidencial na Globo.
Apesar de demonizar a esquerda, generalizando-a a partir de ditaduras latino-americanas, Kelmon já foi filiado ao PT. Como mostra o seu histórico de filiação partidária no TSE, ele foi integrante do PT, na Bahia, entre 2 de junho de 2002 e 21 de novembro de 2009. O padre, hoje, se arrepende da filiação, como reportou a Folha de S. Paulo.
Nas eleições de 2010, já fora do PT, ele foi um das figuras centrais de um esquema para propagar desinformação contra a então candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff. O caso envolveu a encomenda de, pelo menos, um milhão de panfletos insinuando que Dilma apoiava a descriminalização do aborto. Na verdade, a petista disse “não ver sentido” em ampliar a legislação vigente à época sobre o tema.
O pedido dos panfletos estava em nome do bispo Dom Luiz Gonzaga, da Diocese de Guarulhos, em São Paulo, mas Kelmon foi o intermediário responsável pela encomenda. O material foi apreendido pela PF, a pedido do PT, porque os panfletos não continham o CNPJ ou CPF do responsável pela encomenda.
Em dezembro de 2018, Kelmon pegou um barco a motor, cruzou a baía de Todos os Santos, em Salvador, e chegou à Ilha de Maré. A região, que abriga 4.200 pessoas, faz parte da capital baiana, mas não tem ligação terrestre com o continente.
O padre, então, se mudou para Bananeiras, comunidade quilombola na ilha. Kelmon causa conflito com os habitantes locais desde então, porque ele tenta, até o momento sem sucesso, erguer um templo em parte da região que é área de proteção ambiental.
Foi nesse contexto que ele recebeu, na ilha, a visita do presidente do PTB, Roberto Jefferson, em 2020. Jefferson o convenceu a ingressar no partido, o que aconteceu em 17 de dezembro daquele ano, e a liderar um segmento da legenda chamado Movimento Cristão Conservador (MCC-PTB). Esse grupo, segundo o site do PTB, “visa resgatar e defender os valores Judaico-Cristãos em nossa sociedade”.
Kelmon é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) desde 2018, segundo reportagem de O Globo. Em março de 2022, ele publicou, em seu perfil no Instagram, um poema em homenagem a Bolsonaro. “Queremos é continuar. O Brasil vai crescer ! Os teus passos vou firmar… É Brasil acima de tudo. E Deus acima de todos”, diz um dos trechos, em referência ao slogan da campanha bolsonarista de 2018.
O padre postou foto em manifestações de 1º de maio erguendo cartazes contra a autonomia do Supremo Tribunal Federal (STF). A Lei de Segurança Nacional proíbe, entre outras coisas, a tentativa de subverter, ameaçar ou mudar o regime vigente, ou o estado de direito, a tentativa de impedir o livre exercício de um dos Poderes e a propaganda de processos violentos para alteração da ordem política e social. Dentre as mensagens promovidas por ele naquela ocasião, estavam: “Bolsonaro, exerça seu poder constitucional” e “Liberdade no Brasil não se ganha, se toma”.
Em 4 de agosto de 2022, o PTB anunciou que Padre Kelmon seria candidato a vice-presidente da República, a pedido do ex-deputado federal Roberto Jefferson, que concorreria ao Palácio do Planalto. Na época, Jefferson estava em prisão domiciliar, acusado de participar de uma milícia digital que realizou ataques a instituições democráticas e ao STF.
No entanto, no mês seguinte, o TSE negou o registro de Jefferson ao cargo de presidente e constatou que ele está inelegível para disputar qualquer eleição até 2023, devido aos efeitos secundários da condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 2013, no caso do mensalão.
Assim, em 5 de setembro, a Executiva Nacional do PTB anunciou que Padre Kelmon iria substituir Jefferson, tendo como vice o pastor Luiz Cláudio Gamonal.
No dia 3 de setembro, menos de um mês da data da eleição, Padre Kelmon foi registrado pelo PTB como candidato à Presidência da República, tendo como vice, o pastor Luiz Cláudio Gamonal (PTB). Na reta final da campanha, Kelmon passou a ser alvo de buscas constantes no google, sobretudo, por conta de posturas adotadas nos debates presidenciais e que sugerem uma possível “dobradinha” com o presidente Bolsonaro.
No confronto de ideias mais recente, realizado pela TV Globo, o padre ficou sentado ao lado de Bolsonaro, com quem chegou a trocar papéis. Além disso, sua atuação foi interpretada como uma espécie de “linha auxiliar” do presidente tendo em vista que, em vários momentos, fez elogios à atual gestão, ressaltou programas criados pelo governo, como o auxílio emergencial e fez críticas à esquerda.
Ele chegou a ser classificado como “padre de festa junina” pela candidata Soraya Thronicke (União Brasil), além de ouvir do ex-presidente Lula que estaria “fantasiado” de religioso. Kelmon também foi repreendido em diversos momentos pelo mediador William Bonner por não respeitar as regras do debate e interromper a fala de seus oponentes.
A performance do padre refletiu nas últimas pesquisas eleitorais do Ipec e do Datafolha antes do primeiro turno, no domingo (2). Esses foram os primeiros estudos conduzidos pelos dois institutos após o debate. No Ipec, 13% do eleitorado afirmou que jamais votaria em Kelmon; até então, ele não figurava nesse recorte. Já, no Datafolha, a rejeição dele foi de 19% para 26%, e assim ultrapassou Ciro Gomes (PDT) como o terceiro presidenciável mais rejeitado.
Os gastos de campanha declarados à Justiça Eleitoral pelo candidato também chamam a atenção. Até este sábado (1º de outubro), o padre disse ter recebido doações que somam pouco mais de R$ 1,5 milhão, sendo 99% do montante da direção nacional do PTB.
Disse também ter contratado despesas que somam R$ 1 milhão e 230 mil. Reportagem de O Globo nesta semana mostrou que o maior volume dos gastos foi com a empresa B2C Marketing (R$ 1 milhão e 200 mil). A publicação destacou que a firma não funciona no endereço que declara à Receita Federal, também não tem um site e, até agora, só prestou serviço para mais dois candidatos do próprio partido.
A reportagem revelou, ainda, que a empresa pertence a Ezequiel Bruno Cortez Gonzaga, conhecido como Bruno Cortez, que tem um longo histórico de negócios com o PTB. Ele mora em Brasília e já ocupou um cargo de confiança na Câmara da cota do partido, em 2005, quando Roberto Jefferson ainda era deputado federal.
Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que circulam nas redes sociais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e estão causando confusão, como é o caso da participação do candidato Padre Kelmon no debate entre presidenciáveis realizado pela TV Globo.
Durante o programa, a ligação de Padre Kelmon com a igreja foi questionada por dois oponentes, o que levantou suspeitas no eleitorado. Diante da repercussão, o Comprova decidiu verificar as ligações religiosas do candidato para esclarecer a população e contribuir para que os eleitores tomem a decisão do voto com base em informações fidedignas.
Outras checagens sobre o tema: O mesmo objetivo fez o Comprova explicar, na reta final das eleições, o que é permitido ou não na hora de votar, o que é e como funciona o orçamento secreto e o que é comprovado ou falso sobre a facada em Bolsonaro em 2018.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta