A aplicação do instrumento mais eficaz do Ibama para barrar o desmatamento no Brasil registrou uma queda de 60% nos seis primeiros meses deste ano em comparação a igual período de 2019.
De janeiro a junho deste ano, o número dos chamados termos de embargo aplicados pelo órgão ambiental foi de 587. Nos mesmos meses do ano passado, foram 1.435.
O número de autuações do ano passado já representava redução de 40% em relação ao primeiro semestre de 2018. Ou seja, é a segunda queda para igual período no governo Jair Bolsonaro.
Os dados constam de consulta pública de autuações ambientais disponíveis on-line. Fontes ouvidas pela reportagem alertaram que os dados poderiam estar incompletos (por problemas nos servidores do Ministério do Meio Ambiente que também afetaram os registros de multas), mas o Ibama, questionado, indicou que os embargos estavam disponíveis on-line.
A Folha de S.Paulo insistiu tanto com o ministério quanto o Ibama quanto à completude dos dados mas não obteve respostas, mesmo após seis tentativas de contato por e-mail, mensagens de WhatsApp e pelo menos quatro ligações, a partir do dia 25 de junho.
De acordo com os procedimentos adotados pelo órgão, quando um proprietário desmata ilegalmente uma área ou comete alguma outra violação, o fiscal lavra um auto de infração, indica a irregularidade cometida e, se houver previsão legal, aponta sanções, entre elas o embargo medida mais extremada.
A lista de propriedades autuadas com termos de embargo do Ibama é consultada, por exemplo, por empresas no momento de definir se compram ou não um produto de determinado fornecedor.
Os registros ajudam a coibir práticas ilegais, como o desmatamento. Sem comprador, o proprietário de uma fazenda, para garantir a venda de um produto, hesitaria assim em cometer irregularidades.
O termo também pode impedir a contratação de financiamento bancário. O Ibama divulga os dados do imóvel, da área embargada e do proprietário em lista que é consultada por instituições financeiras.
"Na prática, os embargos têm mais impacto para o controle das infrações ambientais do que as multas", afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama. "Ao restringir o crédito, os embargos ganham poder dissuasório contra o crime ambiental."
Para Elizabeth Eriko Uema, secretária-executiva da Ascema (Associação Nacional dos Servidores do Meio Ambiente), a queda no número de termos lavrados reflete o desmonte implementado pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente).
"Estamos perto de um apagão ambiental. É uma briga diária com o governo para tentar conter o desmonte da política ambiental, [para tentar conter] os ataques à legislação ambiental", afirma.
Segundo Uema, a queda no número de termos lavrados no primeiro semestre não pode ser atribuída integralmente à pandemia do novo coronavírus. O decreto das atividades essenciais foi publicado no fim de março, com efeito prático a partir de abril.
"No primeiro semestre, a gente já denunciava a queda das operações do Ibama. Grupos de fiscais não podiam ir a campo", diz Uema.
"Há toda uma pressão para que os fiscais não apliquem multas, há toda uma lei de mordaça, para que não se fale. Cada vez mais as pressões para a não atuação do Ibama tem se intensificado de uma forma rápida."
Essa pressão foi relatada pelo ex-coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do Ibama Renê Luiz de Oliveira em depoimento ao MPF (Ministério Público Federal).
Ele e seu colega Hugo Ferreira foram exonerados do órgão em abril após uma megaoperação para fechar garimpos ilegais e proteger aldeias indígenas no Pará.
Oliveira afirmou que declarações de autoridades criaram uma "força antagônica" que provocou medo de retaliações e insatisfação entre os servidores do Ibama.
Bolsonaro é um dos críticos ao órgão ambiental e ao que considera "indústria da multa" do Ibama ele foi multado pelo órgão por pesca irregular em 2012. Salles endossou as declarações do presidente, assim como outros membros do governo.
Não são somente os embargos que sofreram redução sob Bolsonaro e Salles. Em 2019, foi registrado o menor número de infrações ambientais aplicadas em 24 anos, como mostrou a Folha em reportagem de março. Ao mesmo tempo, o desmatamento no ano crescia, ao ponto de bater o recorde da década, com mais de 10.000 km² destruídos.
As quedas em medidas punitivas ocorre em meio a uma crise na gestão do Ibama que culminou na troca do dirigentes da fiscalização.
Em abril, Olivaldi Azevedo, diretor de Proteção Ambiental, foi exonerado em decorrência da mesma operação contra garimpeiros.
Em junho, o desmatamento na Amazônia teve o 14º mês seguido de alta e atingiu o maior patamar desde 2016, segundo dados do Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Por causa do que considera uma desestruturação da política ambiental, o MPF entrou, na segunda-feira (6), com uma ação de improbidade administrativa contra Salles. Foi pedido à Justiça Federal o afastamento do ministro.
Paralelamente, um grupo de congressistas pressiona para que Salles seja substituído na pasta.
Na sexta-feira (10), o deputado Elias Vaz (PSB-GO) solicitou uma audiência com o procurador-geral da República, Augusto Aras, para apresentar dados que mostram a queda do número de embargos e multas na gestão de Salles.
"Ele [Salles] coloca em andamento a desconstrução do instrumento de controle da gestão ambiental. A cada mês que ele passa à frente do ministério, o prejuízo fica muito claro", afirma Vaz.
"Salles está no ministério para implementar uma política contra o meio ambiente e tem prejudicado a imagem do agronegócio brasileiro no mundo."
Outro foco de críticas dentro do Ibama é a operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) decretada em maio na Amazônia a medida foi prorrogada até novembro pelo governo nesta sexta.
Segundo funcionários do Ibama, em vez de melhorar a fiscalização, a GLO tem poucos resultados práticos. Isso porque os militares passaram a coordenar os trabalhos de fiscalização da Amazônia, mas desconsideram o planejamento do órgão ambiental.
"O Exército monta uma grande operação na Amazônia, mas não ouve os órgãos ambientais, que sabem onde os crimes estão ocorrendo", diz Uema. "O Exército entende de todas as outras coisas, mas de meio ambiente, não."
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